
Colunista Adérito Mendes (Água): As secas que mais preocupam os cidadãos: as secas socio-económicas
Este artigo foi escrito depois dos fogos de Outubro de 2017 que vitimaram 105 pessoas, em conjunto com os de Pedrogão, com morte e muitas mais com ferimentos físicos e emocionais. Danificaram as sociedades e os territórios do interior e do litoral de Portugal. Sendo de valor incalculável a vida das pessoas e os afectos que foram destruídos ou abalados, já o não são os custos dos empregos perdidos, das empresas desfeitas, das matérias-primas, produtos e bens destruídos, do CO2 que é emitido para atmosfera e do que deixa de ser sequestrado pela vegetação, etc. Todavia, ou muito me engano ou não teremos esses valores apurados, nem por estimativa credível.
O que aconteceu podia ter sido evitado? A pergunta é fácil de formular mas para formular a resposta há que questionar se nos referimos ao fenómeno ou aos efeitos. Quanto ao fenómeno parece que os alertas do IPMA eram tão claros que não restavam dúvidas que a associação de ventos significativos, originados pelo rasto da tempestade Ophélia, as temperaturas altíssimas e a situação de seca, originando teores de humidade no solo nulos, se conjugaram para tornar grandes zonas do país em barris de pólvora e bastaria pequenas ignições para o inevitável acontecer. E aconteceu! E quanto aos efeitos? Aí a coisa pia mais fino. Para ter meios para enfrentar tais cenários apocalípticos seriam necessários meios de prontidão que nenhum orçamento acomodaria os custos de tais medidas porque a vox populi consideraria absurdo existirem tantos meios ociosos sem ter a certeza do que poderia acontecer.
Mas o artigo não é sobre secas? Perguntarão quem atentou ao título.
É que o que acabei de escrever sobre fogos florestais aplica-se ipsis vérbis às secas severas e extremas que assolam o país com efeitos económicos tão dramáticos como os fogos. A diferença está na velocidade com que os fenómenos ocorrem, com excepção do ano 2017, que espero que fique na memória dos decisores políticos para que definam políticas consentâneas com as características do nosso território.
Sobre o efeito das secas o certo é que aos olhos de um beduíno do deserto o território português daqui a umas centenas ou milhares de anos continuará a ser um jardim mesmo depois das alterações climáticas terem feito a sua razia e terem sido tomadas as medidas que nem os políticos terão coragem de adiar.
Podíamos já estar a aplicar as medidas resilientes de adaptação às situações de seca, mas não estamos.
Porquê? Porque nos lugares de decisão técnica da administração do Estado não têm sido colocados as pessoas com a sensibilidade técnica e científica para o efeito. Se o tivessem sido já teriam influenciado as políticas nacionais e europeias e já se teria trazido para cá meios financeiros para isso.
A seca é um fenómeno natural que se prevê que se agrave nas latitudes e longitudes onde nos localizamos devido a mudanças de clima cujas causas podem ser mais complexas que a dos gases com efeito de estufa.
Mas o que pesa mais para os cidadãos e agentes económicos durante a ocorrência de uma seca é a sua persistência e a incerteza sobre as restrições que irá impor. É não saber o que pode ocorrer nas semanas e ou meses seguintes à declaração da situação de seca. Na óptica do empresário e ou do prestador de serviços de água, o mais importante não é o que ocorreu mas sim o que pode vir a acontecer nos tempos mais próximos. A previsibilidade é a questão fundamental para que cada interveniente se prepare e tome as medidas que estão ao seu alcance e ou actue para que venham a ser tomadas as que lhe parecem viáveis e que estão fora das suas competências. Ou seja, o que mais releva para a sociedade em geral é a seca socio-económica. Define-se Seca Socio-Económica a associada ao efeito conjunto dos impactos naturais e sociais que resultam da falta de água, devido ao desequilíbrio entre o fornecimento e a procura dos recursos de água e que vai afectar directamente as populações e as actividades económicas.
A avaliação dos efeitos socio-económicos é um instrumento essencial para fundamentar a adopção de políticas enérgicas e permanentes sobre os fenómenos extremos. Receia-se que, à semelhança do que ocorreu em 2012, o relatório final da actual seca não contemple essa avaliação, dado o cariz agrícola da condução do processo em detrimento de uma abordagem integrada, abrangendo todos os sectores relevantes e com as autoridades do sector da água a liderar o processo como aconteceu em 2005, ano em que foram apurados os custos totais, onde a produção de energia eléctrica assumiu a maior fatia, sem contabilizar os custos associados às emissões de CO2.
Embora a seca seja um fenómeno natural, deve ser gerida por um processo de planeamento. Ao enfrentar a seca, o Estado não deve "improvisar". A abordagem requer uma solução disruptiva que faça com que se passe de uma gestão de crise para um sistema de gestão de risco. Para isso a aposta passa por uma solução operacional integrada no sistema de Protecção Civil com acionamento automático, à semelhança do que se deve passar com os fogos florestais, em que cada entidade sabe o que tem a fazer sem necessidade de comissões especiais de natureza política ou de natureza tecnocrática em que a alternância de pessoas obriga quase sempre a voltar à estaca zero. No essencial será um sistema que produz avisos de alerta, como o faz o IPMA para outros fenómenos, sobre as previsões de efeitos socio-económicos a 1, 3 e 6 meses por zonas de abastecimento, quer de fins únicos quer de fins múltiplos, quer com origens superficiais quer subterrâneas, quer mistas, com a periodicidade semanal de modo a que cada entidade, organização, agente ou cidadão possa adoptar as medidas que sejam sugeridas ou outras.
Essa será a tendência em que acreditamos e que esperamos que vingue mais cedo que tarde, isto é, que previna em vez de remediar.
Adérito Mendes, engenheiro civil do ramo de hidráulica, formado em 1976 pelo Instituto Superior Técnico, é pós-graduado em “Alta Direcção em Administração Pública” e especialista em “Hidráulica e Recursos Hídricos”. Foi Coordenador Nacional do Plano Nacional da Água – 1998/2002 e 2009/2011 e autor de dezenas de estudos, projectos e pareceres relacionados com recursos hídricos. Começou a carreira como técnico superior na Direcção Geral dos Recursos e Aproveitamentos Hidráulicos, em 1977, passou pela Direcção Geral dos Recursos Naturais. Além de profissional liberal na área de estudos, projectos e obras hidráulicas, foi Director de Serviços de Planeamento do Instituto da Água-1988-2011, assessor de serviços de Comissão Directiva do POVT-QREN e assessor da presidência da Agência Portuguesa do Ambiente. Exerceu ainda as funções de docente do Instituto Superior de Engenharia de Lisboa-2002-2014.