Colunista Ana Luís (Água - Gestão de Ativos): O ponto certo
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Colunista Ana Luís (Água - Gestão de Ativos): O ponto certo

Numa das minhas peças de literatura favoritas (“Pequenas Alegrias”, de Herman Hesse), o autor recomenda “moderação” como filosofia de vida.

A carência de coisas essenciais não traz, como é lógico, consequências positivas. Mas o excesso de coisas boas também nem sempre traz bons resultados: basta olhar para a balança no final desta época de Natal e Ano Novo!

Nos recursos hídricos, recordo-me de ter estado numa conferência sobre adaptação às alterações climáticas em que o mote era qualquer coisa do género “too little, too much” – referindo-se, obviamente, aos efeitos nefastos da escassez ou abundância excessiva de precipitação.

Pois na Gestão de Ativos não é diferente. Aliás, se tivesse que definir, em três palavras, qual o objetivo da Gestão de Ativos numa entidade gestora de água e saneamento, diria apenas “o ponto certo”. Com efeito, compete a quem está encarregue desta função informar a gestão de topo sobre:

  • Quando intervir num determinado ativo (seja a nível de investimento/reabilitação, manutenção preventiva ou desativação);
  • Qual a extensão de cada intervenção (inclusive na própria fase de aquisição ou construção do ativo).

De facto, se as intervenções ocorrerem mais cedo ou a um nível mais profundo do que o necessário, a empresa poderá estar a incorrer em custos supérfluos. Mas se, pelo contrário, for demasiado tarde ou a níveis mais superficiais do que o requerido, a empresa poderá não só comprometer os seus níveis de serviço como, ironicamente, aumentar o custo total das intervenções ao longo da vida útil.

E como se consegue, na prática, responder a estas questões, i.e., encontrar “o ponto certo”?

A receita é simples: (i) conheça-se os objetivos da empresa, estabelecendo os Níveis de Serviço de Referência; (ii) anualmente, avalie-se a probabilidade de os ativos falharem a sua função, bem como as consequências dessas falhas – i.e., efetue-se uma análise de risco da falha dos ativos; e (iii) recorra-se a metodologias para encontrar os equilíbrios Risco vs Custo, Custos de Investimento vs Custos de Exploração; e a Análise de Ciclo de Vida.

Claro que por trás desta (aparente) simplicidade, existe todo um trabalho prévio. Por exemplo, para determinar a probabilidade de falha de um ativo, há que caracterizar os ativos em termos do seu cadastro, da respetiva informação operacional (ex.: falhas ou avarias) e/ou da informação sobre o seu estado de conservação. Para avaliar a consequência da falha de um ativo, é imprescindível conhecer qual o grau de importância do ativo (vulgo, criticidade) para o cumprimento dos Níveis de Serviço de Referência.

Quando se põe em marcha este trabalho prévio sem se ter logo à vista a possibilidade de descobrir “o ponto certo”, é natural que ocorra uma certa desmotivação ou descrença. Mas há que não desistir, podendo mesmo começar-se a efetuar algumas análises utilizando dados mais subjetivos ou qualitativos, até que a informação de base esteja devidamente organizada. Verão que vale a pena, já que os ganhos para os clientes (que terão a garantia de um melhor serviço, a tarifas acessíveis) e para os acionistas (em termos de rentabilidade e sustentabilidade do negócio), serão reais.

Porque para tudo na vida há uma medida certa. 

Ana Luís é Engenheira Civil (1996, IST), Mestre em Engenharia Mecânica (1999, IST) e Doutorada em Gestão do Risco (2014, Universidade de Cranfield). Em 1996 integrou os quadros da Gibb Portugal, onde participou/ coordenou projetos nas áreas de regularização fluvial, planos de segurança de barragens, planos de bacia, sistemas de informação geográfica, conceção de sistemas de abastecimento de água, entre outros. Em 2006 integrou os quadros da EPAL, tendo participado na génese da Gestão de Ativos e desenvolvido modelos de análise de risco e multicritério para apoio à decisão sobre os investimentos. É, atualmente, a responsável pela Direção de Gestão de Ativos da EPAL. As opiniões expressas neste artigo vinculam apenas a autora.

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