
Colunista António Chaleira (Água/Energia-Gestão de Ativos): Valorizar a manutenção
Ao começar a escrever este artigo tive a sensação de que, provavelmente, o processo de tomada de decisão que me levou a aceitar o papel de articulista, não foi suficientemente sustentado. Ponderei a falta de experiência no desempenho deste papel com a compreensão dos leitores, conhecedores competentes, para com a singeleza da escrita na abordagem de temas técnicos. Ponderei a disponibilidade face aos compromissos pessoais e profissionais. Ponderei ainda, de forma suficiente, outros fatores, não a dificuldade que será manter o elevado patamar de qualidade dos artigos que a anterior articulista proporcionou aos seus leitores.
Conheço pessoalmente a Senhora Engenheira Ana Luís pelas vezes que nos encontrámos, oportunidades que tivemos de conversar sobre a temática da gestão de ativos, pelo excelente trabalho feito na implantação do sistema de gestão de ativos na sua empresa (EPAL) e pelos seus artigos no portal Ambiente Online onde nos falou de gestão de ativos, contando-nos histórias que nos prenderam e motivaram outros olhares, como só os melhores o sabem fazer.
Um agradecimento muito especial por isso.
Um agradecimento também à Direção do portal Ambiente Online pelo convite que me formulou para colaborar com um artigo de opinião, provavelmente por ter identificado em mim méritos que, de todo, não tenho. É um risco que procurarei mitigar com um contributo honesto e generoso, e um desejo enorme de não frustrar expetativas.
Começando …
Há alguns anos atrás, quando comecei a introduzir o tema da gestão de ativos, percebi que a maioria a associava à manutenção, não pelo lado das alterações das políticas, dos critérios, das metodologias ou das práticas que poderia introduzir, mas pelo interesse em nobilitar a atividade.
Esta perspetiva era natural, era o reconhecimento do resultado do muito trabalho feito na valorização da atividade de manutenção.
Tradicionalmente, nas organizações, as atividades de planeamento, de projeto ou mesmo de construção são normalmente as mais valorizadas, as mais apelativas para os engenheiros, que vêm nestas áreas a oportunidade de reforçar os seus conhecimentos, de ter espaço à sua criatividade e de ver materializado aquilo que se concebe.
A gestão também tem um carinho muito especial por estas áreas, pois espera delas a concretização dos investimentos que irão suportar as estratégias de crescimento da organização e consequentemente a melhoria dos resultados e da qualidade de serviço prestada aos clientes, mais por via do aumento da produção e da qualidade dos produtos ou dos serviços, nem tanto por via do aumento eficiência operacional.
A manutenção não tem essa mesma visibilidade, apesar do trabalho meritório e altamente especializado que é feito para garantir as funcionalidades e a operacionalidade dos parques de ativos.
Na conta de exploração é sempre uma das rubricas de sinal negativo - custos – e por isso normalmente sujeitos a grande pressão, como se o mérito da gestão se medisse pela dimensão da redução dos custos de manutenção.
Este posicionamento reflete-se nas pessoas, nos técnicos operacionais, que apesar do elevado grau de especialização – conhecimento e competências – se intitulam “pessoal da ferrugem”.
Para eles, as falhas ou avarias são consideradas como grandes oportunidades para mostrar as suas reais habilidades, particularmente em situações de grande exigência. São os seus palcos, os seus momentos de glória.
Estamos perante pessoas experientes, disponíveis e generosas, que desempenham funções críticas para a organização e cujo trabalho precisa ser mais valorizado, que não apenas pelo lado da eficácia das reparações, valorizado sobretudo pelos resultados produzidos, medidos, entre outros, pela redução das perdas de produção, pela melhoria da qualidade do serviço prestado e pela redução dos tempos de indisponibilidade, decorrente da redução do número de falhas ou avarias dos ativos, conseguida pela qualidade, oportunidade e relevância das ações de manutenção preventiva.
Ainda assim, muitas vezes não é suficiente entregar resultados melhores que no ano anterior. Depois vem o posicionamento relativo a outras congéneres tidas como referência, por contraste de um conjunto diversificado de indicadores, como por exemplo, taxas de falhas, custo médio da manutenção por unidade produzida, relação manutenção corretiva e manutenção preventiva, custos médios de manutenção por tipo de ativo, tempos médios de indisponibilidade, …
Nada de diferente do que dizem os muitos modelos preconizados pelos vários especialistas desta temática.
Mas basta selecionar um modelo, o melhor modelo, para estar garantida a valorização da atividade de manutenção?
A resposta é claramente não. Há um pilar que é decisivo para o sucesso da implementação de qualquer modelo: as pessoas. Na sua maioria, têm muitos anos de experiência e uma cultura muito própria, incrivelmente resistente à mudança.
Em causa não está a capacitação das pessoas, mas principalmente obter a sua adesão à introdução de novas orientações, práticas e procedimentos, que trazem consigo novas necessidades de recolha de dados e reporte de informação, crítico para suportar modelos e critérios de decisão, mas que correntemente são interpretados como necessidades de reforçar o controlo de pessoas.
A valorização da manutenção tem de partir do seu interior e obter a adesão das pessoas é um desafio enorme, qualquer que seja o estádio de desenvolvimento em que se encontre, sendo que, do meu ponto de vista, não é suficiente recorrer apenas à metodologia muito usada em processos de gestão da mudança, habitualmente assente em planos de Formação, Comunicação e Envolvimento, muito bem estruturados e elaborados, com a identificação das pessoas a envolver, com todo o detalhe das ações a realizar e da respetiva calendarização, e com uma equipa de gestão que garante a sua execução nos timings estabelecidos, na expetativa de que no final a mudança possa acontecer.
Para uma população com caraterísticas profundamente vincadas, a gestão da mudança passa por trabalhar faseadamente os seus aspetos críticos, primeiro a vertente de adesão à mudança, segundo a vertente de desenvolvimento e capacitação das pessoas e por fim a vertente de reforço para assim colmatar possíveis insuficiências.
Destaco a fase de adesão à mudança como a fase mais crítica do processo e que habitualmente não é trabalhada. Nesta fase prepara-se a organização para a mudança, trabalhando a consciencialização e desenvolvendo uma vontade, um desejo, de mudar. Quando chegamos aqui, fica a porta escancarada para o reforço do conhecimento e da capacitação das pessoas, ficando estas mais disponíveis e mais atentas.
Registo ainda a importância da monitorização sistemática do estado de preparação para a mudança da organização. É fundamental acompanhar a evolução de tal estado, reforçando ações que a cada momento se justifiquem.
Da primeira vez que introduzi o tema da gestão de ativos, não pretendia, de todo, limitar o seu âmbito à gestão da manutenção, ignorando ou desvalorizando o importante papel de outros nas diferentes fases do ciclo de vida dos ativos.
No seguimento, percebi então, perante afirmações e questões, que, para muitos, o tema era novo. A começar pelo próprio conceito de ativo, que deu uma interessante discussão dada a divergência de visões.
Sem uma visão comum de ativo, como nos poderíamos entender quanto à sua gestão, à gestão do seu ciclo de vida?
Ficou muito claro o ponto de partida de um percurso que sabíamos longo, e quais as iniciativas a lançar no curto prazo para reforçar o conhecimento quanto aos principais conceitos aplicados aos ativos e à gestão de ativos, diga-se de ativos físicos.
O que é um ativo? Será que existe uma definição que não suscite dúvidas de interpretação?
Provavelmente deveria ter começado este artigo exatamente por aí.
Se continuar a merecer este espaço, irei faze-lo no próximo artigo onde tentarei partilhar a minha visão do que poderá ser um ativo e quais as suas diferentes dimensões.
António Álvaro de Oliveira Chaleira é engenheiro eletrotécnico formado pela Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra. É adjunto do Conselho de Administração da EDP Distribuição – Energia, S.A. e responsável pela implementação de um Sistema de Gestão de Ativos na EDP Distribuição – Energia, S.A.