Sá da Costa: A realidade mostra que as eólicas não são intermitentes – um mito a desfazer

Sá da Costa: A realidade mostra que as eólicas não são intermitentes – um mito a desfazer

Muito fala quem não sabe e afirma que as que as eólicas, e demais renováveis, são intermitentes e imprevisíveis. Quem assim diz e escreve não sabe pois que, segundo o dicionário, intermitente é o que tem paragens, por outras palavras, intermitente é o pisca-pisca dos automóveis que ora acende ora está apagado.

No caso das centrais que usam a luz do Sol, sim, de facto são intermitentes com uma frequência que se repete a cada 24 horas e que se conhece com anos de antecedência. Mas no caso das centrais eólicas tal conceito não é verdade, pois se analisarmos o ano de 2016 não houve nenhuma hora em que não se verificasse produção de eletricidade desta natureza.

Não pretendendo tirar nenhuma ilação ou conclusão limito-me a apresentar dados factuais do que se passou em 2016 em Portugal Continental com base nos números publicados pela REN. As centrais eólicas, que no final de 2016 representavam 5 046 MW, registaram uma produção horária máxima de 4 454 MWh e um mínimo de 12 MWh. As centrais hídricas, com 6 945 MW instalados, produziram entre 5 594 MWh e 5 MWh. As centrais a carvão com 1 756 MW oscilaram entre 1 756 e 0 MWh (zero) e as centrais a gás natural (excluindo a cogeração) com a potência de 3 829 MW produziram entre 3 344 e 0 MWh. Só por curiosidade refira-se que as centrais a carvão estiveram a zero em 2016 durante 500 horas, ou seja 6% do tempo e as centrais a gás estiveram sem produzir durante 1965 horas, isto é 22% do tempo.

Isto resulta da forma como funciona o mercado que, por ser marginalista, dá prioridade às centrais com custos marginais mais baixos, que no caso de Portugal são as renováveis.

Olhando para estes números o leitor perguntará por que é que então se diz que as eólicas são intermitentes?

O que se devia dizer é que as renováveis são variáveis e que a sua variabilidade é previsível com um erro de previsão entre 5 e 15 %, ou seja, da mesma ordem de grandeza, senão por vezes inferior, ao erro da previsão do consumo. Ora se com este último erro o gestor da rede, a REN, já lida há muitos anos o mesmo se passa com a variabilidade da eólica, pelo que consegue, e muito bem, lidar com esta dupla variabilidade, sem que o consumidor se tenha apercebido de algum problema.

Mas voltando à questão de como nasceu o conceito erróneo. Na minha interpretação o erro provém da exploração maldosa e enviesada do conceito de horas equivalentes. Horas equivalentes de funcionamento anual de uma central é o número de horas que essa mesma central teria de funcionar à potência máxima para produzir toda a eletricidade efetivamente gerada num ano. Exemplificando: se uma central de 10 MW produzisse num ano 24 000 MWh, as horas equivalentes obtém-se dividindo estes dois valores, ou seja, 2 400 h, isto é 27.4% do tempo (2 400h / 8 760 h em que 8760 são as horas de um ano comum). A esta percentagem chama-se, na gíria, fator de carga.

Ora aplicando este conceito às centrais eólicas portuguesas para 2016 tem-se que produziram 12 188 GWh que dividindo pelos 5.046 GW de potência instalada resulta 2 401 h, ou seja, um fator de carga de 27.4%.

Ora por isso é que se diz que as eólicas só funcionam cerca ¼ do tempo e por isso se diz erradamente que são intermitentes, o que como atrás referi não é verdade pois em 2016 não houve nenhuma hora em que não produzissem. Não há nenhuma central, seja de que tecnologia for, que funcione 100% do tempo.

O fator de carga das centrais renováveis depende da disponibilidade de recurso, ao passo que esse fator para as térmicas depende das necessidades do consumo que elas têm de satisfazer.

É curioso verificar o fator de carga de todas as principais tecnologias para o ano de 2016 que é como segue: hídricas 2 203 h ou seja 25.1 %; carvão 6 662 h ou seja 76.1 %; e gás natural 1 926 h ou seja a 22.0 %.

Com se observa, em 2016, apenas as centrais a carvão suplantaram as eólicas, mas ninguém diz que as hídricas e as centrais a gás natural são intermitentes. Daqui se pode ver o enviesamento e a distorção propositada que os detratores da eletricidade renovável usam para denegrir o que é uma realidade incontornável.

Nunca nos esqueçamos da importância que as tecnologias renováveis têm e que:


Portugal precisa da nossa energia.

 

António Sá da Costa é presidente da APREN – Associação Portuguesa de Energias Renováveis e Vice-Presidente da EREF – European Renewable Energy Federation e da ESHA – European Small Hydro Association. Licenciou-se como Engenheiro Civil pelo IST- UTL (Instituto Superior Técnico da Universidade Técnica de Lisboa) (1972) e tem PhD e Master of Science pelo MIT (Massachusetts Institute of Technology (USA) em Recursos Hídricos (1979). Foi docente do IST no Departamento de Hidráulica e Recursos Hídricos de 1970 a 1998, tendo sido Professor Associado durante 14 anos; tem ainda leccionado disciplinas no âmbito de cursos de mestrado na área das energias renováveis, nomeadamente na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa e na Escola Superior de Tecnologia e Gestão de Portalegre; Exerceu a profissão de engenheiro consultor durante mais de 30 anos, sendo de destacar a realização de centenas de estudos e projectos na área das pequenas centrais hidroeléctricas; Foi fundador do Grupo Enersis de que foi administrador de 1988 a 2008, onde foi responsável pelo desenvolvimento de projectos no sector eólico e das ondas e foi Vice-Presidente da APE – Associação Portuguesa da Energia de 2003 a 2011.

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