
Colunista convidado Luís Seca (Tecnologia): As redes elétricas inteligentes ao serviço dos consumidores
A sociedade moderna vive ligada a mundo global e digital, onde a energia e a conectividade são dois dos seus pilares fundamentais. A energia é um recurso vital, sendo a sua disponibilidade e qualidade valores adquiridos em países desenvolvidos e uma necessidade crescente nos restantes países.
Nas últimas duas décadas, cientistas e investigadores têm vindo a estudar e evidenciar um problema grave para a humanidade que é o aquecimento global. Efetivamente, a energia que utilizamos para nos movimentarmos (transportes terrestres, marítimos e aéreos) surge da conversão de fontes de base fóssil (petróleo e derivados), que alimentam também uma parte significativa das necessidades de energia que usamos para viver nas casas e edifícios, nomeadamente através da sua conversão para eletricidade. Estas fontes fósseis libertam, no seu processo de conversão, grandes quantidades de dióxido de carbono e gás metano que intensificam o efeito estufa. A sua presença na atmosfera dificulta a dissipação do calor terrestre para o espaço conduzindo a um aumento nas temperaturas globais, desencadeando alterações importantes nos ciclos naturais da Terra.
Um pouco por todo o mundo, foram tomadas medidas no sentido de reduzir a emissão desses gases de efeito de estufa, sendo uma das mais importantes a utilização de fontes de base renovável para produção de eletricidade, garantindo as necessidades da humanidade de forma mais limpa e sustentável. Tecnologias baseadas em conversão de energia solar e eólica têm então vindo a juntar-se a outras mais maduras (hídrica, biomassa), para constituírem um mix energético que, depois de convertido em eletricidade, irá conduzir à redução da utilização de combustíveis fósseis, sem comprometer a qualidade e disponibilidade que todos necessitamos.
O principal desafio da integração de fontes de conversão de base renovável decorre da variabilidade do recurso primário, que pode não estar disponível em todos os momentos em que é necessário, levando a dificuldades de exploração do sistema elétrico. A presença de unidades de armazenamento de energia, nomeadamente as decorrentes da produção hídrica, mas também o armazenamento químico na forma de baterias (estacionárias ou associadas a veículos elétricos) poderão ser a solução para manter o equilíbrio necessário para que o sistema elétrico funcione de forma estável e resiliente. Além de variáveis no tempo, estes recursos apresentam-se normalmente distribuídos ao longo do sistema elétrico, levando a que a gestão do mesmo seja bastante mais complexa, requerendo a inclusão de sistemas avançados de gestão, ancorados em infraestruturas de comunicação e informação que constituem as denominadas redes elétricas inteligentes, vulgo Smart Grids, onde sistemas de conversão, sistemas de armazenamento e ainda utilizadores finais são parte ativa de um ecossistema dinâmico, flexível e acima de tudo sustentável.
O envolvimento ativo dos utilizadores finais neste processo foi um dos grandes objetivos do projeto UPGRID. Financiado pelo programa europeu H2020 este projeto, que agora termina, criou tecnologia para uma gestão avançada da rede elétrica, com um especial enfoque nos sistemas de gestão de consumos domésticos, mostrando aos consumidores os benefícios que as implementações destas tecnologias teriam nos seus dia a dia.
Tendo grande parte dos seus desenvolvimentos sido na área dos sistemas de gestão e supervisão das redes de distribuição de eletricidade, os consumidores do Parque das Nações (em Lisboa) e de Bilbao (Espanha) tiveram uma palavra a dizer em todo este processo. O feedback dado pelos consumidores permitiu definir estratégias e desenhar interfaces adequadas de forma a maximizar o seu envolvimento na gestão eficiente do uso da energia elétrica.
Foram três anos de investigação e desenvolvimento que permitiram integrar novas filosofias de gestão e tecnologias nas empresas de gestão de redes elétricas, identificar barreiras e oportunidades e desenhar estratégias para o futuro.
O futuro do setor da energia será altamente intensivo do ponto de vista tecnológico, com inclusão de inteligência artificial, previsão e gestão de risco. Fica, no entanto, claro que o utilizador final é a parte central deste novo paradigma de operação, que terá mais do que simples fornecimento de energia, o fornecimento de um conjunto de serviços alinhados com a sua necessidade.
Luís Seca escreve este artigo de opinião a convite do Professor João Peças Lopes, que é desde fevereiro de 2017 o autor dos artigos de opinião da coluna "Energia-Tecnologia" no Ambiente Online. Luís Seca é investigador sénior e um dos coordenadores do Centro de Sistemas de Energia do INESC TEC. As suas áreas de investigação centram-se na integração de recursos elétricos distribuídos (geração elétrica de base renovável, veículos elétricos, armazenamento, entre outros) em redes de distribuição e transporte, análise dinâmica de sistemas elétricos e redes elétricas inteligentes.