
Colunista Henrique Gomes (Energia-Tendências): Portugal campeão europeu... nos custos da electricidade (1/4)
O acesso universal a uma energia limpa, abundante, competitiva, disponível e segura tem motivado a verdadeira revolução que o sector está a viver um pouco por todo o lado. Revolução a todos os níveis, mas que, apesar do dia a dia nos vir surpreendendo e mesmo que não nos falte discernimento colectivo, demorará o espaço de uma vida (ou mesmo de mais umas em sequência), pois será necessário tempo para desenvolver e alcançar a maturidade de novas tecnologias, renovar mentalidades, sistemas, processos e recursos, nomeadamente financeiros e também para optimizar a renovação das infraestruturas e equipamentos existentes.
Entretanto, na UE a caminho da União da Energia, após 3 directivas para tornar os sistemas e mercados energéticos robustos e perfeitos e após ter assumido o desafio da integração, nos sistemas de transporte e distribuição, de altos volumes de renováveis intermitentes, produção descentralizada e auto-produção, o assunto fervilha.
Neste enquadramento, Portugal, com sentido de modernidade, generosidade e voluntarismo, apostou demasiado, forte, cedo, rápido e por tempo demais nas renováveis em regime especial (36% do consumo) protegidas com tarifas estáticas. Simultaneamente imunizou da concorrência as produções das grande hídrica e térmica clássicas (24%+19%) com contratos que, independentemente do desempenho do mercado, asseguram rentabilidades confortáveis. No total e na prática, 80% do nosso consumo de energia eléctrica está fora do mercado!
Como corolário, os custos são elevados e a energia não é competitiva.
Para compreender a forma de como responder aos preços da energia é fundamental a análise da natureza e dimensão da formação dos custos. É esse o foco de um conjunto de artigos a publicar nos próximos meses, que pretende revisitar o desempenho, em termos de custos e sua evolução nos últimos anos, do Sistema Eléctrico Nacional (SEN) e colocando-o no contexto europeu.
Entre outras fontes assinaladas ao longo do texto, utilizaram-se essencialmente 2 documentos: Tarifas e Preços (publicados anualmente pela ERSE) e Energy prices and costs in Europe (publicado em 30Nov16 pela Comissão Europeia).
Preços da energia. Mercados grossistas.
Com o desenvolvimento do mercado interno, os mercados grossistas de electricidade na Europa sofreram alterações importantes nos últimos anos tornando-os mais líquidos, flexíveis e eficientes, reduzindo os preços. Em quase todos os Estados-Membros foram criados mercados grossistas da eletricidade para permitir o comércio diário, intradiário e a prazo e também reger os preços de contratos bilaterais cada vez mais integrados entre si, beneficiando do desenvolvimento das interligações das redes de transporte.
Os preços são influenciados por diversos factores, incluindo o mix de energia primária, as interligações, o acoplamento de mercados e o grau de concentração de fornecedores, bem como o clima. Do mesmo modo, os consumidores, a gestão da procura, a eficiência energética e as condições meteorológicas influenciam o lado da procura do mercado.
O consumo, referido à emissão, do mercado português de electricidade é cerca de 50TWh e tem-se mantido relativamente estável no último decénio. O seu valor em mercado foi de 2.650 M€ em 2016.
Após a operacionalização do MIBEL e ultrapassado o pico de 2008 em que se atingiu um valor de 73 €/MWh, a média em Portugal dos 8 anos seguintes até 2016, foi de 46 €/MWh com oscilações de 15%.
Na Europa, os preços grossistas da electricidade também atingiram o seu valor mais elevado no terceiro trimestre de 2008 e, com excepção de uma ligeira subida em 2011, têm vindo a diminuir desde então, atingindo em 2016 o nível mais baixo dos últimos 8 anos.
Recentemente, no 2º trimestre de 2017, o MIBEL foi a região com os preços mais elevados, tendo a Espanha tido 47,7 €/MWh e Portugal 47,2 €/MWh (a seca e o nível baixo das barragens terão sido factores determinantes para isso). Os preços mais baixos foram os da Nordpool e da Alemanha com os 26,9 €/MWh da Noruega e os 30,9€/MWh da Alemanha.
O diferencial de preços entre Portugal e Espanha tem vindo a diminuir desde o arranque do MIBEL, sendo que os períodos em que a diferença é nula são cada vez mais frequentes, de maior duração e, desde abril de 2014, com uma volatilidade muito baixa. Face à integração dos mercados e sua dimensão relativa, constata-se que os preços de energia eléctrica em Portugal estão fortemente dependentes das condições do mercado em Espanha.
O desenvolvimento do mercado interno tem tido um claro impacto na convergência dos preços, com as diferenças entre os Estados-Membros a encurtarem entre 2008 e 2015. Não obstante, mantém-se a necessidade do reforço das interligações entre o MIBEL e os restantes mercados europeus pois o diferencial de preços entre eles perdura, com clara desvantagem para o MIBEL, quase não se alterando, após o reforço da interligação entre Espanha e França, no inicio de 2015.
O rápido desenvolvimento da Produção em Regime Especial (PRE), com energia primária desligada dos mercados dos combustíveis fosseis e o consequente aumento da sobrecapacidade de produção, aumentou a estabilidade dos preços grossistas e reduziu o número dos seus picos.
A combinação de procura deprimida com preços estáveis (quando os hidrocarbonetos subiam) tem colocado as empresas de Produção em Regime Ordinário (PRO) sob enorme pressão, com margens degradadas, descida de valor bolsista e difícil acesso ao crédito. No entanto, nem todas as empresas têm a mesma exposição de risco. A exposição de um produtor com uma central não é idêntica à de uma central a gás, pois aquela beneficia a curto prazo de preços baixos de carvão assim como das licenças de carbono. Estão nesta situação gigantes como E.ON, GDF Suez, RWE, PGE, CEZ e Endesa.
Em mercados de concorrência perfeita, as variações nos mercados grossistas deveriam repercutir-se rápida e integralmente nos mercados retalhistas. Porém, tal não se tem verificado porque os preços retalhistas têm sido muito sobrecarregados com impostos e taxas que, tornando-se incomportáveis nalgumas faixas de consumo, induzem o aumento dos apoios sociais e de ajudas a algumas indústrias (teoricamente só às exportadoras para fora do espaço da EU).
(continua no próximo artigo)
Henrique Gomes é Licenciado em Engenharia Mecânica pelo IST-UTL e MBA pela FE-UNL. Foi administrador da GDP – Gás de Portugal e da REN – Redes Energéticas Nacionais e também SEE do XIX Governo Constitucional (até 13Mar12). Actualmente, não tem remuneração nem participações sociais em nenhuma empresa ou associação ligada à energia.