Colunista João Joanaz de Melo (Energia - Tendências): O petróleo é mesmo sujo

Colunista João Joanaz de Melo (Energia - Tendências): O petróleo é mesmo sujo

Nos últimos meses tem levantado grande polémica em Portugal a exploração de petróleo e gás natural. Embora a prospecção offshore no Algarve seja a questão mais badalada, é apenas parte do problema, uma vez que se prevêem trabalhos de prospecção em muitos pontos do território, em terra, e ao longo de praticamente toda a costa portuguesa.


Para quê? Fará diferença para o abastecimento ou o custo da energia do País? Não. As quantidades que se perspectiva encontrar são modestas, e o custo de exploração muito acima do actual preço do petróleo no mercado internacional. Donde, as perspectivas de rentabilidade são baixas no curto prazo. Então e no longo prazo? Também, porque a tendência é haver cada vez mais alternativas ao petróleo (p.e. energia solar ou da biomassa a custos competitivos), e tecnologias de uso da energia cada vez mais eficientes. Durante a “transição renovável” (que ainda durará algumas décadas) o nosso petróleo teria de enfrentar a competição dos países grandes produtores, que estão no negócio há um século. A tendência mundial é a oposta: penalizar os combustíveis fósseis, por causa das alterações climáticas.


Então qual é o interesse destas empresas? Se e quando o preço internacional do petróleo subir, o negócio até poderia vir a ser interessante. Mas financeiramente é um risco enorme; o mercado petrolífero internacional está cheio de “investimentos encalhados”. Então porque é que os concessionários insistem? Ninguém sabe. Longa e desagradável experiência demonstra que quando num negócio de biliões não se percebe bem quem ganha o quê, são os cidadãos consumidores-contribuintes que pagam a factura (vejam-se as travessias do Tejo, as ex-SCUT, os estádios do Euro, o programa nacional de barragens, o défice da Parque Escolar, as rendas e dívida tarifária eléctrica, o resgate do BPN, a implosão do GES, etc, etc, etc). O negócio do petróleo tem contornos semelhantes: opacidade, incompetência, nenhum interesse público.


Então e quais são as implicações para a economia nacional, o desenvolvimento local das regiões vizinhas, e o ambiente? Num país como Portugal, onde o principal sector exportador é o turismo assente no sol-e-mar e nas belezas naturais, o resultado económico só pode ser negativo. O impacte ambiental é também inquestionavelmente negativo. Há riscos significativos, que se ampliam substancialmente na fase de exploração. Então e estes impactes são aceitáveis ou são graves? Só dispomos informação superficial: os estudos de impacte feitos pelas empresas são confidenciais, porque, espantosamente, o Estado Português não exigiu um processo formal de avaliação de impactes ambientais antes de permitir o arranque da prospecção. Sabemos da leitura dos contratos e por experiência de outros casos que, uma vez a negociata em marcha, não há estudo de impacte ambiental que a pare.


Então e petróleo ou gás faz diferença? Sim e não. Na fase de plena exploração o petróleo comporta riscos superiores; mas na fase de prospecção os riscos são semelhantes, porque estamos a prospectar o mesmo tipo de formação geológica.


Então e queremos afirmar estrategicamente Portugal como produtor de petróleo? A ideia seria para rir às gargalhadas se o assunto não fosse tão sério. Temos vantagem, sim, no sector das novas energias, da solar à eólica e geotérmica, na fileira eléctrica, desde a investigação à produção de equipamentos, como aliás já se começa a fazer; e no turismo assente num ambiente de qualidade, a nossa maior vantagem comparativa.

Estamos então perante uma negociata de que não se conhecem motivações ou detalhes, onde as justificações das autoridades não têm fundamento, e onde não se vislumbra qualquer interesse público. Mas são muito claros os riscos para as comunidades locais, o ambiente e a economia. Assim se explica a oposição frontal e convergente de um vasto leque de entidades, das autarquias aos empresários turísticos, das organizações ambientalistas aos defensores das energias alternativas, dos cronistas aos múltiplos movimentos de cidadãos. Continuem!


João Joanaz de Melo é licenciado e Doutorado em Engenharia do Ambiente e professor na Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa. Amante da Natureza, ativista nas horas vagas, foi fundador e presidente do GEOTA.

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