
Colunista Paulo Praça (Resíduos - Tendências): Os sistemas de depósito
Com o objetivo de apoiar o desenvolvimento de medidas com vista à promoção do uso sustentável do plástico e de projetos de sistema de incentivo e depósito para embalagens de bebidas não recicláveis, foi recentemente lançado no âmbito do Fundo Ambiental um novo aviso destinado a apoiar a implementação do projeto-piloto de sistemas de incentivo para a devolução de embalagens de bebidas em plástico não reutilizáveis, com vista a dar concretização ao sistema de incentivo ao consumidor para devolução de embalagens de bebidas em plástico não reutilizáveis, criado pela Lei n.º 69/2018, de 26 de dezembro, e que procedeu à primeira alteração ao Decreto-Lei n.º 152-D/2017, de 11 de dezembro, relativo ao Regime Unificado dos Fluxos Específicos de Resíduos, integrando assim, o sistema de depósito neste regime, através do aditamento de novos artigos.
Acontece que apesar de se ter optado por integrar formalmente este regime no regime unificado dos Fluxos Específicos dos Resíduos, a verdade é que a solução preconizada nos termos em que se encontra definida não é integrada, nem se encontra devidamente articulada com o regime de gestão de resíduos urbanos aplicável ao fluxo específico de embalagens e resíduos de embalagens, na medida em que afastou os Sistemas de Gestão de Resíduos Urbanos (SGRU) da sua implementação, ao atribuir a responsabilidade pela sua implementação e gestão aos embaladores e importadores de produtos embalados, quando, em Portugal, os SGRU são responsáveis pela gestão e tratamento deste tipo de resíduos urbanos há cerca de 20 anos.
Com efeito, em Portugal, a gestão do sistema de resíduos de embalagens foi atribuída mediante licença a três Entidades Gestoras e vigorará até 2021, por despacho dos membros do Governo responsáveis pela área da economia e do ambiente e em que o seu âmbito, em termos de resíduos de embalagens, é constituído pelos resíduos de embalagens contidos nos resíduos cuja responsabilidade pela gestão está por lei atribuída aos SGRU, isto é, os resíduos domésticos e os resíduos semelhantes cuja produção diária por produtor não exceda os 1100 litros. Não podendo ser outra a conclusão que este novo sistema de incentivo não se encontra articulado com o atual regime de gestão deste fluxo específico, sendo manifesta a falta de unidade do sistema jurídico subjacente à sua criação.
À falta de articulação acresce o total desconhecimento sobre o seu impacto na sustentabilidade no atual sistema de gestão do fluxo de resíduos de embalagens, uma vez que não foi realizado qualquer estudo prévio de impacto nem operacional nem financeiro, apenas se prevendo a realização de um relatório de avaliação do impacto da implementação do sistema de incentivos, a posteriori, a apresentar pelo Governo junto da Assembleia da República até ao final do 3º trimestre de 2021.
Assim, de acordo com o Aviso do Fundo Ambiental para o qual os SGRU e os municípios também contribuem através do pagamento da Taxa de Gestão de Resíduos, apenas são beneficiários os embaladores e importadores de produtos embalados, designadamente através das suas associações representativas, podendo as candidaturas ser apresentadas em consórcio e ser estabelecidas redes de cooperação com as entidades gestoras de embalagens e resíduos de embalagens; municípios ou associações de municípios, bem como com universidades, centros tecnológicos, unidades de investigação e desenvolvimento (I&D) e outras infraestruturas tecnológicas.
De referir que apenas será apoiada uma única candidatura que obtiver a melhor classificação e que beneficiará de um financiamento com uma cobertura de 100 %, que poderá ascender até ao limite da dotação máxima afeta ao presente aviso no valor de (euro) 1.665.000 (um milhão seiscentos e sessenta e cinco mil).
Conforme resulta do regime preconizado na Portaria n.º 202/2019, e do referido Aviso do Fundo Ambiental, para além da ausência da iniciativa dos SGRU para o que não se vislumbra qualquer justificação, tendo em conta as atribuições legalmente exercidas pelos SGRU na gestão e tratamento do tipo de resíduos em apreço, tão pouco se previu a possibilidade de poderem integrar as referidas redes de cooperação.
Em suma, tendo o tipo de resíduos de embalagens em apreço um peso muito significativo nas operações dos SGRU, o modelo adotado não só se pode traduzir no desaproveitamento do investimento que foi realizado através da comparticipação de fundos públicos nacionais e comunitários, como também afetar a sua sustentabilidade futura face aos investimentos realizados e projetados tendo em conta as estimativas de quantidades que com este sistema sofrerá uma redução, até porque nem sequer contempla a possibilidade da sua implementação por parte dos SGRU.
Acresce ainda referir que tendo já alguns SGRU tido a iniciativa de, proactivamente, desenvolver alguns projetos desta natureza, devidamente publicitados e conhecidos, nomeadamente pelos responsáveis nesta área, mais estranha se considera a opção de não envolver devidamente os SGRU nesta iniciativa.
Paulo Praça é licenciado em Direito com pós-graduações em Direito Industrial, Direito da Interioridade e Direito das Autarquias Locais. Título de Especialista em Solicitadoria. É Diretor-Geral da empresa intermunicipal Resíduos do Nordeste e Presidente da Direção da ESGRA – Associação para a Gestão de Resíduos. Professor-Adjunto Convidado na Escola Superior de Comunicação, Administração e Turismo do Instituto Politécnico de Bragança, no Mestrado de Administração Autárquica e na Licenciatura de Solicitadora, nas matérias de Ordenamento, Urbanismo e Ambiente. Investigador do Núcleo de Estudos de Direito das Autarquias Locais (NEDAL), subunidade orgânica da Escola de Direito da Universidade do Minho (EDUM). Foi Adjunto da Secretária de Estado Adjunta do Ministro da Economia, no XV Governo Constitucional, Assessor do(s) Ministro(s) da Economia e do Ministro das Finanças e da Economia, no XIV Governo Constitucional, e Assessor do Ministro da Economia, no XIII Governo Constitucional. Nos últimos anos tem participado em diversas ações de formação como orador e como participante. É também autor de trabalhos publicados.