Comentário Jaime Melo Baptista (Água): Carta aberta aos Ministros das Finanças

Comentário Jaime Melo Baptista (Água): Carta aberta aos Ministros das Finanças

Não, não me estou a dirigir especificamente ao Ministro das Finanças de Portugal, mas sim aos Ministros das Finanças dos Estados Membros das Nações Unidas. Sei que o vosso tempo é escasso e por isso serei breve. Sei também quão difícil é decidirem a alocação de verbas entre múltiplos setores e solicitações a que estão sujeitos, nomeadamente dos vossos colegas Ministros da Água.

Mas venho recomendar que priorizem um investimento importante no setor da água. Não apenas porque há uma forte pressão internacional nesse sentido, nomeadamente das Nações Unidas, com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável 2015-2030 e a declaração dos Direitos Humanos à Água e ao Saneamento. Mas essencialmente porque esse investimento é vital para o vosso país, e deve constituir um verdadeiro desígnio nacional.

Esse investimento vai dar-vos em troca a melhoria da qualidade de vida dos vossos cidadãos, a dignidade humana, a redução da pobreza, maior igualdade de género e menos abstenção escolar. E ainda, Senhores Ministros, vai permitir-vos uma significativa redução das despesas com a saúde, reduzindo as doenças por via hídrica, melhorando o ambiente e promovendo por exemplo o turismo, fortalecendo a economia, pois a água é um fator de produção, e criando emprego, produtividade e riqueza. Diz-se que 1€ investido nestes serviços pode poupar 9€ em despesas de saúde e representar 6€ em benefícios económicos.

Mas o investimento não basta. Para isso proponho que seja criada uma sólida política pública. Com ela os vosso Governos ponderarão a estratégia mais adequada. Haverá uma melhoria do contexto legislativo. Um melhor enquadramento institucional com entidades públicas mais capacitadas, bem como o desenvolvimento de modelos eficazes e eficientes de regulação dos serviços. A adoção de modelos adequados de governo dos serviços. O aperfeiçoamento dos modelos de organização e gestão das entidades. A definição mais ponderada de metas de cobertura e qualidade do serviço. A definição de políticas tarifárias seguindo o princípio do utilizador-pagador. A compatibilização das tarifas com a capacidade económica da população e a proteção de situações sociais extremas. O reforço dos instrumentos de defesa dos utilizadores. A captação e a gestão eficiente do indispensável financiamento. A construção e a reabilitação das infraestruturas com tecnologia adequada e a sua exploração numa lógica de gestão patrimonial. A integração geográfica dos serviços obtendo economias de escala, a sua integração horizontal obtendo economias de gama e a integração vertical obtendo economias de processo. Uma mais exigente e continuada capacitação de recursos humanos. A promoção de investigação e inovação, criando conhecimento endógeno e autonomia nacional. O desenvolvimento do tecido empresarial procurando mais atividade, emprego e riqueza. O reforço da concorrência aproveitando o desenvolvimento tecnológico. Uma maior preocupação com ética, integridade e transparência. O reforço da participação pública nos processos de decisão e no acompanhamento dos serviços. A disponibilização regular de informação fiável. Com essa política pública vai criar estabilidade do setor, proporcionar confiança e atrair investidores.

Proponho que seja utilizado um misto de instrumentos financeiros, aproveitando melhor os já existentes, como orçamento do Estado, programas de apoio ao desenvolvimento, bancos públicos e instituições financeiras internacionais. Mas deverão procurar novos instrumentos financeiros, como investidores institucionais (fundos de pensões e de seguros), fundos soberanos, fundos ambientais, títulos verdes e fundos climáticos. E terão que promover uma boa política tarifária, a implementar a médio prazo.

Proponho que não deixem os mais pobres para trás, através de gestão conjunta e integrada dos serviços de águas nas zonas urbanas e rurais, uniformização tarifária que significa solidariedade do urbano com o rural, monitorização da macro-acessibilidade económica da população e monitorização da micro-acessibilidade económica das famílias, com tarifas social e familiar.

Proponho uma mais efetiva divulgação do conhecimento existente sobre a água, passando-o para decisores, profissionais, indústria e sociedade em geral.

Proponho que deem mais atenção às recomendações de entidades internacionais reconhecidas, como por exemplo os 12 Princípios para os Recursos Hídricos (OECD, 2015), a Carta de Lisboa orientando as Políticas Públicas e Regulação do Abastecimento de Água Potável, Saneamento e Serviços de Gestão de Águas Residuais  (IWA 2015) e os Comportamentos Colaborativos (SWA, 2015).

Em resumo, Senhores Ministros das Finanças, espero ter-vos alertado para o facto de o investimento no setor da água ser um dos melhores investimentos para o crescimento dos vossos países. Os vossos colegas Ministros da Água certamente agradecerão. E nós também!

 

Jaime Melo Baptista, engenheiro civil especializado em engenharia sanitária, é Investigador-Coordenador do LNEC, Presidente do Conselho Estratégico da PPA e Comissário de Portugal ao 8.º Fórum Mundial da Água 2018. Foi membro do conselho de administração e do conselho estratégico da IWA. Foi presidente da ERSAR (2003-2015), responsável pelo Departamento de Hidráulica (1990-2000) e pelo Núcleo de Hidráulica Sanitária (1980-1989) do LNEC, diretor da revista Ambiente 21 (2001-2003) e consultor. Foi distinguido com o IWA Award for Outstanding Contribution to Water Management and Science.

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