Graça Martinho (Resíduos-Tendências): Desvio da deposição de resíduos em aterro e economia circular

Graça Martinho (Resíduos-Tendências): Desvio da deposição de resíduos em aterro e economia circular

As discussões em torno da economia circular na UE têm colocado um enfoque especial na aplicação de determinados instrumentos que visam o desvio de resíduos de aterro, como a taxa de deposição em aterro ou a proibição da deposição em aterro, como forma de alcançar o “zero waste”, promover a redução e reciclagem, ou seja, fechar o ciclo dos materiais/resíduos.

Em Portugal, e no âmbito da fiscalidade verde introduzida com a Lei n.º 82-D/2014, os valores tabelados para a taxa de gestão de resíduos (TGR) preveem um aumento linear de 5,5 €, em 2015, até 11 €, em 2020. Este assunto constituiu um dos temas de debate do 10º Forum Nacional de Resíduos, realizado no passado mês de abril, numa sessão que tive oportunidade de moderar sobre a TGR e o seu papel para o alcance das metas. Das intervenções dos oradores convidados conclui-se que a TGR não está a servir como um instrumento de incentivo para a alteração necessária dos sistemas de gestão de resíduos (SGR), dos municípios ou dos cidadãos, para o necessário aumento da  redução e reciclagem. Os valores são baixos para inverter de forma significativa a forma como os resíduos estão a ser geridos, mais parecem uns trocos quando comparados com o valor médio da UE27 (80 €/t). Contudo, vários estudos revelam que não é evidente a relação entre elevadas taxas de deposição em aterro e a redução da deposição de resíduos em aterro, e que este instrumento económico por si só não garante os objetivos da política de gestão de resíduos, sendo necessária uma combinação bem articulada com outros instrumentos económicos e legislativos.

Em relação à proibição de deposição de resíduos em aterro (landifill ban), uma medida em vigor em sete países europeus, o estudo realizado pela ZWE - Zero Waste Europe (1, 2) alerta para os problemas “colaterais” que resultam da aplicação estrita deste tipo de instrumento. Para os autores, as metas impostas pela Diretiva Aterros de desvio de RUB de aterro, sem especificar alternativas para a sua valorização, em conjunto com a Directiva-Quadro Resíduos, que classifica a incineração com recuperação de energia como uma operação de valorização, vieram impulsionar o mercado europeu da incineração o que resultou na construção de novas incineradoras ou de novas linhas nas já existentes, sem qualquer aumento percetível na prevenção ou ganhos proporcionais a favor da reciclagem. Como constatam os autores, de 2009 a 2013, a deposição em aterro diminuiu oito pontos percentuais, mas apenas metade destes resíduos foram desviados para reciclagem, compostagem ou reutilização, a outra metade foi direta para incineração. A incineração, comparativamente à reciclagem, aumentou duas vezes na Alemanha e três vezes na Holanda, e na Áustria e Noruega a proibição de deposição em aterro foi acompanhada por uma diminuição na reciclagem. Concluem que este aumento da incineração acabou por gerar um efeito contrário aos objetivos da economia circular, serviu apenas para desviar os resíduos de um sítio para outro. As incineradoras necessitam de resíduos para a sua sustentabilidade técnica e económica o que tem inibido os incentivos ou a possibilidade dos sistemas locais poderem promover a redução, reutilização e recuperação de material.

A análise dos outros países, muitos deles usualmente identificados como os melhores da classe face aos indicadores estatísticos utilizados em benchmarking, revela que quando os instrumentos se focam exclusivamente no desvio de resíduos de aterro e não são complementados com opções estratégicas desenhadas para "quebrar o ciclo", a consequência é a continuação num registo de economia linear. Os autores recomendam não a proibição de deposição em aterro, mas sim uma TGR obrigatória, suficientemente elevada e idêntica para aterros e incineração, combinada com estratégias bem articuladas de redução da produção/deposição em aterro dos refugos e rejeitados de instalações de tratamento de resíduos. Isto exige tecnologias e processos mais flexíveis e otimizados, e um aumento da quantidade e qualidade dos resíduos recolhidos seletivamente.

Mas o conceito operacional da economia circular não se reduz à problemática ou à forma de gestão dos resíduos, começa nos comportamentos individuais dos cidadãos, administração, empresas, desde as suas opções de compras até à separação em casa ou no local de trabalho dos resíduos que geram. É urgente uma reeducação pública para as mudanças de comportamentos e uma revisão corajosa da parte da Comissão Europeia da Diretiva Ecodesign. O ecodesign de produtos e processos deve assegurar a durabilidade, reparabilidade e disponibilidade/acessibilidade de peças de reposição, e os fabricantes deverão disponibilizar a informação necessária que permita a identificação dos materiais constituintes dos produtos e a forma de os reparar, reutilizar ou desmontar para reciclar.

Estas são as verdadeiras variáveis antecedentes e cruciais para a economia circular. Sem isto, o setor dos resíduos e os instrumentos económicos como a TGR ou sistemas PAYT, embora importantes, não serão suficientes para promover uma economia circular, e será injusto, mais tarde, acusar o setor por não se ter conseguido alcançar este paradigma.

(1) Zero Waste Europe (2015). “Zero waste landfill and/or landfill bans: false paths to a circular economy”, November 2015,  disponível em: https://www.zerowasteeurope.eu/wp-content/uploads/2015/11/Policy-Paper-on-landfill-ban.pdf

(2) Zero Waste Europe (2015). Zero Waste Case Studies”, Disponível em: https://www.zerowasteeurope.eu/zw-library/case-studies/

Graça Martinho é doutorada em Engenharia do Ambiente, especialidade sistemas sociais, exerce as funções de subdiretora da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa e a docência de disciplinas de gestão de resíduos. É membro da Comissão de Acompanhamento para a Gestão dos Resíduos da APA, do Conselho Consultivo da ERSAR, do Conselho de Ambiente e Sustentabilidade da EDP e da Comissão Consultiva de I&D da SPV. Tem vários artigos científicos e livros publicados na temática da gestão de resíduos. A autora escreve, por opção, ao abrigo do Novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa.

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