João Peças Lopes (Energia): O Desenvolvimento da Mobilidade Elétrica em Portugal

João Peças Lopes (Energia): O Desenvolvimento da Mobilidade Elétrica em Portugal

Um dos vetores mais importantes da transição energética com vista à descarbonização da economia e sociedade é a mobilidade. Há, pois, que repensar de forma abrangente toda a mobilidade, o que inclui a mobilidade terrestre, o transporte aéreo e o marítimo. Focando a atenção no transporte terrestre, a mobilidade assume uma dimensão de grande complexidade nomeadamente nas zonas urbanas onde há que formular um problema com múltiplas variáveis que envolvem o transporte ferroviário (comboios e metropolitano), rodoviário de passageiros (bicicletas, veículos individuais e transporte coletivo). A descarbonização da mobilidade terrestre passa pois em grande parte por eletrificar estes meios de transporte, em particular o transporte individual e o transporte coletivo urbano, podendo os transportes de longo curso e de mercadorias envolver a progressiva eletrificação dos meios de tração e a utilização do H2.

A mobilidade elétrica associada ao veículo elétrico individual ou aos Táxis tem vindo a crescer significativamente na Europa, nos EUA e na China. Apesar de em 2018 ter ocorrido um crescimento significativo das vendas de veículos elétricos na Europa, a parcela de mercado em termos de vendas destes veículos foi de apenas 2,5 %, sendo os mercados de maiores vendas a Noruega (49%), Suécia (8,8%), Holanda (6,7%), Finlândia (4,7%) e Portugal (3,4%). Isto significa em 2019 um parque automóvel elétrico na Europa de apenas cerca de 100.000 veículos elétricos. As projeções para 2025 da indústria automóvel apontam para que se atinja um valor próximo dos 350.000 veículos elétricos (híbridos plug-in e com apenas bateria).

O crescimento e consolidação da mobilidade elétrica tem, pois, um longo caminho a percorrer e tal passa obrigatoriamente por desenvolver uma infraestrutura de carregamento das baterias que pode explorar o carregamento lento, o semi-rápido, o rápido ou muito rápido e também a troca de baterias. A troca de baterias foi um modelo de negócio que teve o seu arranque no final da década passada, mas que não se desenvolveu por os seus promotores terem um modelo de negócio errado que levou à falência das empresas que então lançaram a ideia. É, contudo, uma alternativa que merece ser revisitada pelo impacto técnico positivo que tem no sistema elétrico, permitindo o carregamento lento das baterias de acordo com a disponibilidade dos recursos renováveis, o que tem benefícios para as baterias e para o sistema elétrico como um todo.

Em Portugal quando a rede Mobi.E arrancou na década passada, tratou-se sem dúvida de uma forma de promover a mobilidade elétrica, envolvendo nomeadamente carregamentos gratuitos. Contudo, com o passar do tempo a rede Mobi.e acabou por se tornar uma barreira ao desenvolvimento da mobilidade elétrica em Portugal, pois não havia incentivos ao aparecimento de novos postos de carregamento numa lógica de exploração comercial de uma oportunidade de mercado. Finalmente (e mais vale tarde do que nunca) este governo vai privatizar através de um concurso público esta rede de carregamento, estabelecendo concessões, e levando a que todos os carregamentos das baterias sejam pagos. Esta medida vai permitir que apareçam mais postos de carregamento (pagos), pois a oportunidade de negócio passa a ser real. O crescimento do número de Postos de carregamento permitirá assim reduzir o efeito de ansiedade dos utilizadores dos veículos elétricos e dar confiança aos condutores para avançarem para a compra de veículos elétricos.

Importa depois fazer com que a gestão deste carregamento das baterias utilize as energias primárias renováveis, o que face às projeções de crescimento do PNEC2030 significa promover o carregamento das baterias durante a noite, explorando a produção eólica, e durante o dia entre as 12 e as 15 horas explorando a disponibilidade do recurso solar fotovoltaico. Haverá, pois, que pensar em soluções competitivas de preço de carregamento mais baixo para estes períodos.

Simultaneamente há necessidade de desenvolver e instalar rapidamente soluções de carregamento inteligente e controlado das baterias dos veículos elétricos, explorando a flexibilidade que os standards disponibilizam (e em alguns casos indo até mais longe), em condomínios, parques de estacionamento, superfícies comerciais de forma a que tal não implique reforços de rede que venham a onerar esta solução. O V2G e o V2H são também soluções a explorar, implicando neste caso uma capacidade alargada de resposta da indústria automóvel e a definição de um quadro regulatório e remuneratório que promova estas soluções, numa lógica de prestação de serviços de sistema, sendo que adoção destas soluções é particularmente interessante em ilhas (Açores e Madeira) ou ainda como forma de aumentar a resiliência das redes de distribuição de eletricidade.

O sistema científico e tecnológico e a indústria Portuguesa são capazes de responder a todos estes desafios, desenvolvendo soluções standard ou à medida, que podem inclusivamente ser integradas no âmbito de comunidades energéticas, garantido um carregamento com diferentes formas de pagamento e total interoperabilidade.

João Peças Lopes é diretor associado do Instituto de Engenharia de Sistemas e Computadores, Tecnologia e Ciência (INESC TEC) e Professor Catedrático da Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto. É doutorado em Engenharia Eletrotécnica e de Computadores e foi responsável por dezenas de projetos nacionais ou europeus nesta área, tais como a definição de especificações técnicas para a integração de energia eólica no Brasil. É vice-presidente da Associação Portuguesa de Veículos Elétricos.

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