
Nova associação quer incentivar uso de lamas de ETAR tratadas na agricultura e floresta
A recém-criada Associação de Empresas de Valorização de Orgânicos (AEVO), constituída em dezembro de 2019, quer incentivar o uso de lamas de ETAR (Estação de Tratamento de Águas Residuais), como fertilizante, em terrenos agrícolas e florestais.
“Esta atividade é um exemplo concreto de economia circular. Proporciona ganhos económicos a todas as partes envolvidas no processo. A isto alia-se a questão ambiental, já que só esta atividade permite que estas lamas recebam o tratamento recomendado, não sendo encaminhadas para soluções menos correctas, como aterro ou incineração, e permitindo que as ETAR mantenham o seu normal funcionamento”, explica ao Água&Ambiente na Hora, o presidente da associação, Ricardo Silva.
O dirigente da AEVO reconhece que ainda existe preconceito em relação a esta aplicação, sobretudo na agricultura, mas acredita que a melhor arma para combater este estigma é o conhecimento.
“Atualmente dispomos de uma legislação e regulação muito exigente. Há um enorme conhecimento e muitas ferramentas que permitem analisar as lamas antes de estas serem aplicadas nos campos. Há também muito controle dos produtos agrícolas. Por exemplo, as lamas de ETAR não são utilizadas em culturas de consumo cru e fresco”, esclarece.
As empresas associadas da AEVO são Operadores de Gestão de Resíduos (OGR) responsáveis pela recolha, tratamento e reutilização de cerca de 70 por cento da produção nacional de lamas de ETAR. Atualmente, os associados da AEVO fazem a recolha destas lamas em mais de 120 concelhos portugueses. As lamas são utilizadas em valorização agrícola em mais de 40 concelhos.
As lamas de ETAR correspondem a uma parcela significativa da atividade, mas não é o único resíduo orgânico a ser tratado nas instalações dos associados da AEVO, existindo já resíduos orgânicos recolhidos seletivamente a serem alvo de tratamento nas suas plataformas.
Um dos impactos da gestão destes resíduos prende-se com o odor, que é libertado aquando do transporte e espalhamento pelos campos, o que se deve à fração não estabilizada.
“A AEVO está a trabalhar com os seus associados na adoção de práticas que diminuam a libertação de odores. É o caso, por exemplo, da utilização de coberturas estanques e da lavagem de rodados e de contentores. Estas são algumas das práticas já executadas e com bons resultados”, revela.
No entanto, Ricardo Silva, lembra que quando existe uma maior estabilização dos resíduos nas ETAR através, por exemplo, da adição de cal, o impacto associado à libertação de odores no transporte é consideravelmente menor.
“Quanto ao espalhamento nos campos, os associados da AEVO, fazem-no maioritariamente em solos florestais, regra geral afastados de aglomerados populacionais e no mais curto período de tempo possível”, esclarece.
Ricardo Silva sublinha que no âmbito da Valorização Agrícola Direta (VAD) o que se aplica nos solos são resíduos orgânicos higienizados, tal como prevê o Decreto Lei 276/2009.
HÁ CASOS EM QUE O LICENCIAMENTO DEMORA TRÊS ANOS
O dirigente da AEVO garante que a dificuldade dos operadores não se prende com dificuldade em encontrar agricultores que pretendam que as suas parcelas de terrenos sejam beneficiadas. “Quem utiliza a VAD pretende voltar a utilizar, e quem ainda não utilizou, vendo os resultados alcançados pelos vizinhos, quer começar a utilizar. Existe uma procura cada vez maior por este tipo de serviço”, assegura.
As dificuldades dos operadores prendem-se, sim, com o processo de licenciamento para VAD. “Infelizmente existem algumas entidades que demoram mais de três anos a licenciar um processo, quando, de acordo, com a legislação o deveriam fazer num prazo máximo de 35 dias. Este facto impede que se possa beneficiar determinada cultura em tempo útil, e simultaneamente desenquadra por completo as licenças quando estas são finalmente emitidas”.
Ricardo Silva revela que as empresas têm sentido uma dificuldade enorme no aproveitamento das áreas licenciadas, pela perda da oportunidade agrícola associada ao tempo de apreciação. “Raros são os empresários agrícolas que podem esperar três ou mais anos para instalar uma cultura, que muitas vezes é de caráter anual”, constata.
Por outro lado, e tendo em conta a interpretação diversa por parte de cada uma das entidades regionais que tutelam esta atividade, “por vezes a atribuição das licenças para VAD parece estar mais subordinada às convicções de quem analisa os processos do que ao cumprimento da legislação”, lamenta.
PERDAS DE MASSA PODEM ULTRAPASSAR OS 70%
O presidente da associação realça também as especificidades dos resíduos em questão e dos processos associados ao seu tratamento. As lamas de ETAR têm cerca de 80 por cento de humidade na origem e sofrem perdas de massa que podem variar entre os 20 e os 70 por cento, ou até mais, “dependendo do período de tempo em que os resíduos são submetidos a armazenagem ou se são posteriormente encaminhados para compostagem”, sublinha.
“A compostagem, sendo um processo de digestão aeróbio exotérmico com a libertação de CO2 e vapor de água, contribui para que em condições normais existam balanços de massa superiores a 60 por cento”, pormenoriza.
É por isso se deve ler com cuidado os números da Agência Portuguesa do Ambiente (APA), que têm em conta os dados referentes a estes resíduos quando do momento do registo nas e-GAR [Guias Eletrónicas de Acompanhamento de Resíduos], defende.
“É necessário perceber que as e-GAR podem ser emitidas com 48 horas de antecedência e fechadas até 10 dias após a sua autorização. O que permite que exista mais do que uma e-GAR para a mesma viatura em determinados momentos. É por isso muito importante não fazer uma leitura demasiado simples dos números disponibilizados pela APA”, alerta.
Ricardo Silva revela que tendo em conta as dificuldades na obtenção de licenças para a VAD, as empresas deste setor têm vindo a investir para aumentar a capacidade de tratamento por compostagem como forma a dar resposta às suas necessidades.
Os associados da AEVO detêm atualmente uma capacidade de aproximadamente 250 mil toneladas, estando em curso projetos que aumentarão a capacidade em, pelo mais, 200 mil toneladas.
Ricardo Silva recorda que é público que em algumas regiões do país existiu um problema de sobredimensionamento das licenças de compostagem emitidas. “Ainda que exista uma capacidade licenciada suficiente para tratar 95 por cento das lamas [segundo dados da APA], ou até mais, essa capacidade não existe na realidade. Urge, por isso, a criação de mecanismos de verificação das capacidades reais das instalações existentes”, apela.
Ana Santiago