
Paulo Praça (Resíduos - Tendências): O PERSU 2020+
Realizou-se na cidade de Bragança, no passado dia 21 de março, um relevante seminário organizado pela APEMETA, com o tema central da proposta de PERSU 2020+, recentemente em consulta pública e do qual ainda não se conhece a versão final.
Aproveitando a presença de um ilustre painel de oradores, que tive a honra de moderar, gostava de destacar alguns dos temas em debate.
O PERSU2020+ identifica, com justiça, que o país possui um peculiar sistema de recolha de resíduos urbanos (RU) onde, com algumas exceções, a recolha de resíduos indiferenciados e de resíduos separados na fonte têm responsabilidades distintas.
A necessidade de coordenação (com integração empresarial e operacional, ou não) das duas tipologias de recolhas tem sido apontada como uma potencial área para ganhos de eficiência técnica e económica, para o aumento da separação de resíduos na fonte e aumento da reciclagem de qualidade. Por exemplo, na sequência de uma medida prevista no PERSU2020, a ERSAR promoveu um estudo (Avaliação de Sinergias da Integração da Recolha Seletiva com a Indiferenciada e a Partilha de Infraestruturas e Serviços) com o objetivo de identificar potenciais economias resultantes da integração e coordenação das recolhas. Adicionalmente, na consulta às entidades, o problema da necessidade de integração ou, pelo menos, uma coordenação eficaz entre as várias tipologias de recolhas, foi identificado como uma questão relevante por várias entidades.
Adicionalmente, em matéria de recolhas, surgiu recentemente a obrigatoriedade de recolha seletiva de resíduos urbanos biodegradáveis (RUB) a partir de 2024, o que constitui uma oportunidade para discutir em detalhe a problemática da articulação das várias recolhas visando o aumento de eficiência, capacidade técnica e inovação. Porém, o PERSU2020+, além de reconhecer a necessidade de recolha de RUB e a necessidade de otimização das recolhas, não analisa o problema com a profundidade adequada, não fornece orientações de política para essa necessária otimização, nem tem reflexos ao nível dos investimentos que serão necessários realizar para o efeito.
O problema da afetação das novas metas de reciclagem, recolhas seletivas e desvio de aterro foi um dos problemas que levou a esta revisão do PERSU2020, por se ter constatado que a afetação de metas aos Sistemas de Gestão de Resíduos Urbanos (SGRU) para o cumprimento das obrigações comunitárias até 2020 continha incoerências, e mesmo injustiças, e carecia de uma revisão para o período após 2020.
Estando nós em 2019, e sendo já conhecidas de todos as variáveis com influência neste processo (metas europeias, metas das entidades gestoras, entre outras), havia uma legítima expectativa no setor que a revisão do PERSU2020+ trouxesse uma proposta de metodologia para o cumprimento das metas, com a devida afetação de responsabilidades, que pudesse ser transparentemente analisada e discutida no setor, o que não se verifica.
A cenarização para o horizonte 2025, feita na proposta de PERSU2020+, contém múltiplos aspetos que, na nossa opinião, carecem de justificação, afigurando-se, contudo, que a abordagem Região a Região é adequada.
Por exemplo, segundo a cenarização feita, a reciclagem multimaterial, em 3 anos, entre 2022 e 2025, aumenta 80% na Região Norte, 66% na Região Centro, 81% na Região LVT, 101% na Região Alentejo e 116% no Algarve.
Acresce que, na simulação apresentada, estas reduções de envio de resíduos para aterro são conseguidas graças a grandes taxas de aumento de reciclagem (multimaterial e de biorresíduos) e com uma total inversão do destino da fração resto (FR), face ao que atualmente se verifica.
Ora, como é sabido a FR está a ir praticamente na totalidade para aterro e os equipamentos de produção de combustíveis derivados de resíduos (CDR) estão parados por falta de escoamento do material.
Concluiu-se pois, de forma unânime, que a FR carece de resolução e que a mesma deve ser encontrada dentro do setor dos resíduos.
Por último, referir que há grande desconforto do setor relativamente ao modelo de Taxa de Gestão de Resíduos (TGR) atualmente em vigor, o qual se configura mais como um imposto do que como uma taxa que possa ser um instrumento de política de gestão de resíduos. Havia grandes expectativas que a revisão do PERSU2020 viesse trazer uma nova orientação para a TGR. Porém, embora a TGR seja referida várias vezes ao longo do PERSU2020+, não se encontra uma proposta concreta de um novo modelo de TGR que possa ser analisado e discutido pelo setor. Esta omissão é causa, naturalmente, de apreensão no setor.
Espera-se que a versão final do PERSU2020+ venha a incorporar estas e outras questões, em prol do desenvolvimento do setor em Portugal.
Paulo Praça é licenciado em Direito com pós-graduações em Direito Industrial, Direito da Interioridade e Direito das Autarquias Locais. Título de Especialista em Solicitadoria. É Diretor-Geral da empresa intermunicipal Resíduos do Nordeste e Presidente da Direção da ESGRA – Associação para a Gestão de Resíduos. Professor-Adjunto Convidado na Escola Superior de Comunicação, Administração e Turismo do Instituto Politécnico de Bragança, no Mestrado de Administração Autárquica e na Licenciatura de Solicitadora, nas matérias de Ordenamento, Urbanismo e Ambiente. Investigador do Núcleo de Estudos de Direito das Autarquias Locais (NEDAL), subunidade orgânica da Escola de Direito da Universidade do Minho (EDUM). Foi Adjunto da Secretária de Estado Adjunta do Ministro da Economia, no XV Governo Constitucional, Assessor do(s) Ministro(s) da Economia e do Ministro das Finanças e da Economia, no XIV Governo Constitucional, e Assessor do Ministro da Economia, no XIII Governo Constitucional. Nos últimos anos tem participado em diversas ações de formação como orador e como participante. É também autor de trabalhos publicados.