
Paulo Praça (Resíduos - Tendências): PNEC – A Produção de Energia pelo Setor dos Resíduos Urbanos
O Plano Nacional para a Energia e Clima (PNEC), que esteve em consulta pública até 5 de junho pp., constitui uma iniciativa de saudar e que nos merece anotações no que ao setor dos resíduos urbanos concerne.
Na apresentação do contexto atual, é descrito o peso atual dos vários setores, referindo-se que os setores processos industriais e uso de produtos (IPPU), agricultura e resíduos têm um peso aproximado, representando 11,0%, 9,8% e 6,6%, respetivamente, sendo que, no respeita ao setor dos resíduos, se verifica uma tendência negativa face a 2016, da ordem de 1,3%, que se presume corresponder a uma diminuição das emissões.
De acordo com o PNEC, a redução das emissões do setor dos resíduos, nos anos mais recentes, está relacionada com o aproveitamento energético do biogás em sistemas de tratamento de resíduos e águas residuais, bem como a aposta nos Tratamentos Mecânicos e Biológicos, que visam a redução dos resíduos urbanos (RUB) em aterro e o aumento do quantitativo de resíduos recicláveis recuperados.
De referir que em Portugal, a generalidade dos Sistemas de Gestão de Resíduos Urbanos (SGRU), em alta, produz energia fundamentalmente a partir de resíduos urbanos (RU) através de três tipos de instalações: motogeradores utilizando biogás produzido em unidades de digestão anaeróbia (DA), motogeradores utilizando biogás produzido em aterros sanitários e centrais de incineração dedicada de RU, sendo a energia elétrica produzida parcialmente consumida na instalação e o remanescente injetado na rede elétrica de serviço público (RESP).
A produção de energia proveniente de RU encontra-se abrangida pelo regime aplicável à Produção de Energia em Regime Especial, através do pagamento de uma tarifa garantida pelo fornecimento de energia à RESP. Acontece que, de acordo com o mesmo regime, a remuneração garantida começará a cessar a partir do início de 2020. A este propósito importa referir que a produção de eletricidade pelos SGRU é um subproduto da gestão de resíduos, na medida em que os RU produzidos têm de ser adequadamente tratados independentemente do aproveitamento energético, o qual constitui um benefício adicional com ganhos para o ambiente, nomeadamente, através do desvio de aterro dos resíduos utilizados para a produção de energia e de fornecimento à rede que de outra forma seria desperdiçada.
Com efeito, a produção de energia a partir de resíduos, seja por via da incineração seja da digestão anaeróbia, permite o desvio de resíduos de aterro, contribuindo para a redução de emissões de gases com efeito de estufa (GEE), sendo de referir que atualmente os aterros são responsáveis por 6% das emissões totais de GEE do país, o que não é negligenciável num quadro ambicioso de descarbonização.
Neste contexto, e considerando a mais-valia ambiental da produção de energia proveniente do aproveitamento de RU e o seu contributo para a redução de GEE, não podemos deixar de alertar para a necessidade desta matéria ser devidamente ponderada, tendo em conta o seu peso na sustentabilidade do setor dos resíduos, sendo que o seu eventual sobrecusto decorrente da venda da eletricidade à RESP pelos SGRU em termos globais é diminuto e, tratando-se de empresas reguladas, é neutro do ponto de vista social, uma vez que o resultado financeiro dessa venda é devolvido ao cidadão na redução da tarifa de tratamento de resíduos, ou utilizado em investimentos no tratamento de resíduos, portanto igualmente devolvido ao cidadão em qualidade ambiental, conforme se pode verificar da análise efetuada no plano em análise, no que se refere ao seu impacto ao nível da emissão de gases com efeito de estufa.
Em abono do já referido, acresce que a produção de eletricidade com resíduos, consistindo em fontes não intermitentes, reflete-se em potência garantida para o sistema elétrico o que é uma grande mais-valia num quadro de elevada penetração de fontes intermitentes, como a solar e a eólica, e é fundamental para substituir outros fornecimentos de base em fase out, como é o caso do carvão.
Importa, pois, dar especial atenção à produção de energia pelos SGRU, contribuindo para o desenvolvimento de Portugal.
Paulo Praça é licenciado em Direito com pós-graduações em Direito Industrial, Direito da Interioridade e Direito das Autarquias Locais. Título de Especialista em Solicitadoria. É Diretor-Geral da empresa intermunicipal Resíduos do Nordeste e Presidente da Direção da ESGRA – Associação para a Gestão de Resíduos. Professor-Adjunto Convidado na Escola Superior de Comunicação, Administração e Turismo do Instituto Politécnico de Bragança, no Mestrado de Administração Autárquica e na Licenciatura de Solicitadora, nas matérias de Ordenamento, Urbanismo e Ambiente. Investigador do Núcleo de Estudos de Direito das Autarquias Locais (NEDAL), subunidade orgânica da Escola de Direito da Universidade do Minho (EDUM). Foi Adjunto da Secretária de Estado Adjunta do Ministro da Economia, no XV Governo Constitucional, Assessor do(s) Ministro(s) da Economia e do Ministro das Finanças e da Economia, no XIV Governo Constitucional, e Assessor do Ministro da Economia, no XIII Governo Constitucional. Nos últimos anos tem participado em diversas ações de formação como orador e como participante. É também autor de trabalhos publicados.