
Ricardo Bessa (Energia): Previsão da produção de energia renovável: onde a matemática é mais importante que o “artificial”
Durante os últimos 20 anos assistimos a uma evolução notável do erro de previsão dos modelos físicos para previsão numérica do tempo, com um impacto significativo na redução do erro de previsão da produção de energia elétrica de base renovável. Esta melhoria foi essencialmente motivada pela necessidade de melhorar o alerta e gestão de fenómenos meteorológicos adversos e estudar o impacto das alterações climáticas. Em paralelo, cientistas das áreas da estatística e extração de conhecimento de dados desenvolveram modelos matemáticos avançados para converter previsões meteorológicas em energia elétrica, envolvendo uma quantificação da incerteza associada à previsão. O resultado final foi uma melhoria do erro médio quadrático da previsão renovável (energia eólica e solar) em 50%, em comparação com o estado-da-arte no início deste século, para um horizonte temporal até três dias.
Estes resultados foram alcançados através de projetos de I&D financiados por fundos europeus e nacionais na área de previsão de séries temporais aplicadas a sistemas elétricos de energia, tais como os projetos Europeus ANEMOS, SafeWind e ANEMOS.plus, projeto nacional EPREV (envolvendo o INESC TEC, INEGI, Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto e a Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa), projeto internacional ARGUS (envolvendo a Argonne National Laboratory e o INESC TEC), resultando em algoritmos e sistemas de previsão com Technology Readiness Level (TRL) superior a 7 (i.e., sistemas comerciais/operacionais em ambiente real). Atualmente, estes resultados são explorados por um conjunto de empresas que fornecem este serviço a diferentes atores do sector elétrico, como por exemplo operadores de rede e agentes do mercado de eletricidade.
“(…) assumiu-se [erradamente] que o mercado de previsão renovável teria atingido um ponto de maturidade muito elevado e que uma melhoria adicional do erro de previsão seria apenas marginal e obtida à custa de um investimento elevado”.
Neste contexto, assumiu-se que o mercado de previsão renovável teria atingido um ponto de maturidade muito elevado e que uma melhoria adicional do erro de previsão seria apenas marginal e obtida à custa de um investimento elevado. Esta perceção (que se revelou errada) fez com que a Europa abandonasse esta área de investigação prematuramente (o último projeto Europeu de I&D nesta área terminou em 2012), ao contrário dos E.U.A. e China, que continuaram a desenvolver I&D em modelos de previsão.
“Recentemente a Comissão Europeia realizou uma chamada de novos projetos para esta área [previsão de séries temporais aplicadas a sistemas elétricos de energia]. [A Comissão Europeia quer] “dar resposta aos novos desafios para a digitalização do setor elétrico”.
Recentemente a Comissão Europeia realizou uma chamada de novos projetos para esta área, tendo sido selecionado para financiamento o projeto Smart4RES (Next Generation Modelling and Forecasting of Variable Renewable Generation for Large-scale Integration in Energy Systems and Markets).
Este projeto visa dar resposta aos novos desafios para a digitalização do sector elétrico, nomeadamente desenvolver algoritmos inovadores que suportem novos modelos de negócio na área da previsão, nomeadamente mercado de dados (i.e., valorização económica dos dados) e previsão colaborativa entre diferentes proprietários de dados, e onde a confidencialidade dos dados é uma barreira para o seu desenvolvimento. A combinação de diferentes fontes de informação (e.g., imagens de satélite, sky cameras, modelos de previsão numérica do tempo, medidas das turbinas eólicas e painéis solares) é também considerada como um objetivo para reduzir o erro da previsão numérica do tempo e produção renovável. O sucesso destas novas abordagens irá resultar numa melhoria significativa do erro de previsão e menor custos na operação do sistema elétrico com elevada integração de produção de base renovável.
“Torna-se fundamental desenvolver novas ferramentas baseadas em inteligência computacional para apoiar os agentes de decisão e com elevada capacidade de interpretabilidade na gestão do risco, considerando o ser humano como um “componente” do processo de decisão”.
A integração da produção de base renovável no sistema elétrico de energia e mercado de eletricidade também apresenta desafios aos agentes de decisão devido à sua variabilidade e incerteza na previsão. Torna-se fundamental desenvolver novas ferramentas baseadas em inteligência computacional para apoiar os agentes de decisão e com elevada capacidade de interpretabilidade na gestão do risco, considerando o ser humano como um “componente” do processo de decisão. O futuro passa por uma hibridização entre modelos físicos, dados e características fundamentais do ser humano, como a memória, atenção e conhecimento empírico ou de domínio.
Concluindo, este é um cenário onde o Portugal “do digital” e “da energia renovável” se deve posicionar como um líder tecnológico e maximizar a competitividade das empresas portuguesas com investimento em I&D e colaborações com as universidades/institutos de I&D. Partimos tarde, mas ainda vamos a tempo de evitar sermos um mero seguidor das tecnologias digitais.
Ricardo Bessa escreve este artigo de opinião a convite do Professor João Peças Lopes, que é desde fevereiro de 2017 o autor dos artigos de opinião da coluna "Energia-Tecnologia" no Ambiente Online. Ricardo Bessa é licenciado em Engenharia Eletrotécnica e Computadores pela Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto, mestre em Análise de Dados e Sistemas de Apoio à Decisão pela Faculdade de Economia da Universidade do Porto e doutorado em Sistemas Sustentáveis de Energia pela FEUP. É Investigador no INESC TEC desde 2006 no Centro de Sistemas de Energia. Foi investigador em diversos projetos relacionados com previsão eólica e sua integração na gestão do sistema elétrico de energia. Tem participado ativamente em projetos relacionados com redes elétricas inteligentes, nomeadamente os Projetos Europeus FP7 SusTAINABLE e evolvDSO e os projetos Horizonte 2020 UPGRID e InteGrid, de que é coordenador técnico.