
Sá da Costa (Renováveis): O futuro mercado para a eletricidade renovável baixa custos ao consumidor
Em setembro passado expliquei como funciona o mercado spot de eletricidade, tendo aproveitado para referir que o atual sistema de mercado, por se basear em ofertas que incorporam em exclusivo o custo marginal do combustível, não se afigura sustentável para o futuro, uma vez que o peso da eletricidade renovável começa a ter uma cada vez maior preponderância e, com um custo marginal quase nulo é simplesmente um price taker, tornando os mercados cada vez mais voláteis e deprimidos, com risco acrescido de não remunerar nenhuma das tecnologias de produção de eletricidade.
Há, pois, que encontrar uma forma de remunerar os produtores de eletricidade de uma forma correta, competitiva e que traga benefícios para o consumidor. Claro que este novo modelo tem de considerar como pano de fundo o objetivo de alcançar uma sociedade descarbonizada, e que um dos principais setores a descarbonizar, e, porventura, aquele que é mais custo‑eficaz, é o da produção de eletricidade.
Um dos fatores que mais influencia o preço da eletricidade, agravando-o, é o risco associado ao investimento, ao qual nem sempre terá sido dedicada a devida atenção, mas agora, em que os preços estão cada vez mais esmagados, vai surgir como um fator determinante que irá agravar o valor da produção e subsequentemente o encargo a suportar pelo consumidor.
Por risco entendo que pode ser quantificado e valorizado financeiramente, nomeadamente, o risco de falta de recurso, e este tanto pode ser renovável – a falta de vento, de chuva ou de sol, como a falta de combustível, por exemplo originado por uma interrupção no abastecimento por causa de uma catástrofe natural, por causa de um conflito armado, por causa de uma greve ou por um acidente na cadeia produtora/transportadora. Mas também existe um risco associado à incerteza no preço, este só afeta os combustíveis fósseis pois os renováveis atrás mencionados são gratuitos.
Ora o sistema a adotar em Portugal deverá ter isto em linha de conta, e minimizar o risco pois qualquer produtor de eletricidade não tem outra forma de atuar que não seja o de passar esse agravamento de custo ao consumidor.
Procurar um sistema que seja ao mesmo tempo competitivo, que faz baixar os preços, e com pouco risco pode parecer difícil, mas não o é, pois já está a ser implementado noutros países, nomeadamente da Europa.
Em primeiro lugar defendo que o processo para ser competitivo deve basear-se num leilão da tarifa. Em segundo lugar o leilão deve ser direcionado, pelo menos na próxima década, para uma tecnologia, não se deve misturar renováveis com fósseis, ou renováveis entre si. Em terceiro lugar tem de se fixar um prazo de aplicação para a tarifa, que deve de ser entre 15 e 20 anos, bem como as condições de apresentação de garantias e penalizações a quem não cumprir com a oferta no prazo estabelecido. Finalmente deve ser estabelecido um racional para a fixação do valor de referência do preço de oferta máximo para o leilão.
Olhando para o futuro, digamos daqui a 10‑15 anos, pode facilmente pensar-se que apenas haverá duas formas de gerar eletricidade em Portugal: usando fontes renováveis ou gás natural. Não creio que se consiga construir mais alguma central a carvão em Portugal ou existam condições de instalar uma central nuclear.
Deste modo o valor de partida poderia ser o custo marginal completo e real do gás natural para gerar 1 MWh, garantindo assim que o consumidor beneficiaria duma eletricidade mais barata do que a alternativa fóssil, e por sua vez o produtor receberia uma retribuição justa e que satisfaria os seus objetivos. Esta tarifa poderá ser fixa ou atualizável com a inflação, sendo que no primeiro caso implica um risco para o investidor que julgo ser, hoje em dia, facilmente aceitável por ele.
Defendo que estes leilões deveriam ser efetuados com uma periocidade anual ou semestral, com uma potência entre 250 a 500 MW de cada vez, ajustados, potência e periocidade, às necessidades do País e aos potenciais custo‑eficácia de cada tecnologia de geração de eletricidade renovável a preços competitivos. Tudo isto traria previsibilidade para o mercado, diminuindo o risco, e consequentemente o custo para o consumidor.
Se a alternativa fosse apostar mais nas centrais a gás natural, então estaríamos perante um sistema que seria entre 20 a 40% mais caro para os consumidores e lá se perderia o objetivo de descarbonizar o setor, além de continuarmos a ter de importar o combustível.
É necessário esclarecer que esta forma (preço de leilões) de remunerar a produção de eletricidade apenas deverá abranger 80 a 90% da produção pois a restante seria remunerada ou através de um mercado spot, como o atual, ou através de um sistema de garantia de serviços de sistema, em que o valor a pagar teria que contemplar o financiamento e a remuneração dos ativos, a O&M e o custo do combustível.
Falta definir como é que o risco do investimento é repartido entre os diversos atores. Considero que ele deverá ser assumido na sua larga maioria pelo Governo integrado na sua política energética, visto que ao definir o leilão já terá escolhido a tecnologia mais custo‑eficaz necessária para o País em cada momento, mas, por outro lado, o produtor não poderá ficar de fora desse esforço, garantindo uma gestão eficiente do seu ativo, com elevada grau de disponibilidade e complementada por serviços de sistema que contribuam para a gestão mais eficiente da Rede Elétrica Nacional, fazendo as suas ofertas no mercado de forma a minimizar os desvios.
Com este tipo de procedimento o investidor necessitará uma menor taxa de retorno, ser-lhe-á mais fácil obter melhores condições de financiamento, o que se refletirá em custos mais baixos para o consumidor, que é o que se pretende. Paralelamente aumentará significativamente a penetração das tecnologias que usam fontes renováveis.
A terminar devo referir que se o valor da potência colocada em concurso de cada vez for relativamente pequeno permite que as evoluções tecnológicas sejam captadas pelo sistema elétrico, ao mesmo tempo que permitiria corrigir alguma distorção que, entretanto, surja.
Desta forma a eletricidade renovável assegurará no futuro próximo a forma mais barata e mais sustentável de dar a Portugal, à sua economia e à sua população uma forma de cumprir os seus compromissos:
Portugal precisa da nossa energia.
António Sá da Costa é presidente da APREN – Associação Portuguesa de Energias Renováveis e Vice-Presidente da EREF – European Renewable Energy Federation e da ESHA – European Small Hydro Association. Licenciou-se como Engenheiro Civil pelo IST- UTL (Instituto Superior Técnico da Universidade Técnica de Lisboa) (1972) e tem PhD e Master of Science pelo MIT (Massachusetts Institute of Technology (USA) em Recursos Hídricos (1979). Foi docente do IST no Departamento de Hidráulica e Recursos Hídricos de 1970 a 1998, tendo sido Professor Associado durante 14 anos; tem ainda leccionado disciplinas no âmbito de cursos de mestrado na área das energias renováveis, nomeadamente na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa e na Escola Superior de Tecnologia e Gestão de Portalegre; Exerceu a profissão de engenheiro consultor durante mais de 30 anos, sendo de destacar a realização de centenas de estudos e projectos na área das pequenas centrais hidroeléctricas; Foi fundador do Grupo Enersis de que foi administrador de 1988 a 2008, onde foi responsável pelo desenvolvimento de projectos no sector eólico e das ondas e foi Vice-Presidente da APE – Associação Portuguesa da Energia de 2003 a 2011.