Colunista António Sá da Costa (Energia): Como funciona o mercado spot de eletricidade
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Colunista António Sá da Costa (Energia): Como funciona o mercado spot de eletricidade

A organização do mercado de eletricidade tem sido alvo ao longo dos tempos de vários modelos e aperfeiçoamentos, sendo que na Europa tem prevalecido o modelo de “mercado marginalista de energia” também conhecido por “mercado spot de energia”, complementado por um mercado de serviços de sistema.

Vou tentar em poucas linhas explicar o essencial do mercado grossista de energia e como funciona, correndo o risco de ser acusado pelos profundos conhecedores desta matéria, coisa que eu não sou, de estar a simplificar a explicação, mas, mesmo assim, arrisco tentar apresentar a minha explicação.

Diariamente as empresas produtoras de eletricidade de grande dimensão, as chamadas  PRO (Produtores em Regime Ordinário) diretamente ou através de terceiros fazem as suas ofertas de produção para o dia seguinte, discriminadas em períodos horários. Destas ofertas constam fundamentalmente dois valores: a potência ofertada para cada hora e o respetivo valor.

Este valor traduz o custo marginal da produção do último MWh ofertado. Isto é, apenas incorpora os custos variáveis, não incluindo: os custos de investimento, de operação e manutenção, impostos e muito menos qualquer margem de lucro. Exemplificando: para as centrais a carvão ou a gás natural o custo marginal é o custo da matéria prima, o combustível, para produzir 1 MWh, para as centrais hídricas que possuem alguma capacidade de regularização a oferta representa o custo da produção térmica fóssil evitada, enquanto que para as centrais renováveis sem regularização e cuja produção é direta e imediatamente dependente da disponibilidade de recurso, o preço da oferta é zero Euros.

Para cada hora o operador do mercado ibérico (OMIE), ordena as centrais do MIBEL por ordem crescente destes preços marginais. Como é óbvio, e de uma forma normal, neste ordenamento aparecem primeiro as centrais que oferecem a zero, caso das renováveis sem regularização e das nucleares, depois as centrais térmicas a carvão e depois as de gás natural.

Perante este ordenamento o OMIE vai “casar” as ofertas com a procura. O ponto de cruzamento destas duas curvas determina o preço de fecho do mercado spot para essa hora. As centrais com o preço de oferta inferior ao preço de fecho são chamadas a produzir e recebem todas ao valor de fecho. As que têm um custo marginal superior ao valor de fecho ficam sem produzir nessa hora.

Esta forma de mercado premeia as centrais mais eficientes no uso do recurso, isto é, em primeiro lugar as centrais renováveis e só depois as centrais térmicas, sendo estas as que requerem a compra efetiva do combustível.

Como é óbvio nenhuma empresa sobrevive apenas a receber os custos marginais da sua produção. As empresas têm‑se mantido ativas pois possuem uma combinação de centrais e os eventuais menores rendimentos nalgumas delas são cobertos pelas eventuais mais valias das centrais que produziram eletricidade.

Este mercado existe em toda a Europa há cerca de 40 anos e foi capaz de dar a resposta adequada. Mas esta forma de remunerar os produtores de eletricidade necessita de ser revista pois conduz a um absurdo dos resultados quando forem implementadas as políticas da EU que defendem a descarbonização do setor energético.

Aliás isto mesmo foi dito recentemente a 18 de julho de 2017 por Paula Abreu Marques, redatora da Comissão Europeia responsável pela apresentação da nova diretiva das renováveis, quando apresentou na APDEN (Associação Portuguesa do Direito da Energia) o pacote “Clean Energy For ALll Europeans”. Eu apenas acrescentaria, como exemplo limite o caso português, quando a eletricidade for 100% renovável em que na maioria das horas o custo marginal de produção será zero, o que se refletirá em   0 €/MWh de remuneração. Ora nenhum sistema, nenhuma empresa pode sobreviver sem cobrir os seus custos de investimento, financiamento, operação e manutenção, etc.

Portanto este mercado tem de ser revisto e existem soluções, que aliás já estão a ser implementadas em muitos países da EU mas, por falta de espaço, guardarei este tema para um próximo artigo.

A eletricidade renovável assegurará num futuro muito próximo a forma mais barata e mais sustentável, para bem de Portugal, da sua economia, das populações e do ambiente, nunca podendo esquecermo-nos que:


Portugal precisa da nossa energia.

Já depois de escrita esta mensagem faleceu O Eng. António Eira Leitão, que além de amigo de há quase 50 anos, foi companheiro na defesa da eletricidade renovável. Na APREN foi Presidente da Direção de 1997 a 2000 e presidiu à Assembleia Geral de 1994 a 1996 e de 2006 a 2017. Não tenho palavras para expressar o vazio que a sua falta nos deixa a todos, e em especial a mim que sempre pude contar com o seu conselho e com as sãs análises que em conjunto nos habituámos a fazer sobre os diferentes problemas com que o setor se foi deparando. A sua prematura partida é muito mais sentida pela sua família a quem expresso o meu profundo pesar por esta perda irreparável.

António Sá da Costa é presidente da APREN – Associação Portuguesa de Energias Renováveis e Vice-Presidente da EREF – European Renewable Energy Federation e da ESHA – European Small Hydro Association. Licenciou-se como Engenheiro Civil pelo IST- UTL (Instituto Superior Técnico da Universidade Técnica de Lisboa) (1972) e tem PhD e Master of Science pelo MIT (Massachusetts Institute of Technology (USA) em Recursos Hídricos (1979). Foi docente do IST no Departamento de Hidráulica e Recursos Hídricos de 1970 a 1998, tendo sido Professor Associado durante 14 anos; tem ainda leccionado disciplinas no âmbito de cursos de mestrado na área das energias renováveis, nomeadamente na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa e na Escola Superior de Tecnologia e Gestão de Portalegre; Exerceu a profissão de engenheiro consultor durante mais de 30 anos, sendo de destacar a realização de centenas de estudos e projectos na área das pequenas centrais hidroeléctricas; Foi fundador do Grupo Enersis de que foi administrador de 1988 a 2008, onde foi responsável pelo desenvolvimento de projectos no sector eólico e das ondas e foi Vice-Presidente da APE – Associação Portuguesa da Energia de 2003 a 2011.

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