
Colunista António Sá da Costa (Energia-Renováveis): Não é produção de eletricidade o que mais pesa na fatura
Muito se fala sobre o custo da eletricidade, e mais ainda quando se trata de fazer previsões dos custos futuros.
Referindo-me de uma forma sumária a fatura dum consumidor doméstico tem basicamente quatro grandes parcelas de dimensão mais ou menos parecida:
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A produção da eletricidade (cerca de 23,1%)
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As redes de transporte e distribuição (cerca de 22,3%)
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As taxas e impostos, incluindo o IVA (cerca de 23.6%)
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Os CIEGs – Custos de Interesse Económico Geral onde se incluem um conjunto de custos associados a opções políticas (cerca de 28.8%)
e finalmente uma pequena parcela de 2.2% relativa aos comercializadores.
Apenas me pronuncio sobre a primeira parcela, pois as outras ou são escrutinadas pela ERSE ou resultam de políticas fiscais ou de outro tipo de opções feitas pelos sucessivos Governos.
É muito frequente ouvir dizer, mas sem justificar, que a eletricidade está cara, isto apesar da eletricidade ser um bem imprescindível hoje em dia, e segundo os dados do INE representa 3.7% dos gastos das famílias em Portugal, na mesma ordem de grandeza das despesas em telecomunicações (3.1%), do vestuário e calçado (3.5%) e dos serviços culturais e recreativos (4.2%). Mas muito abaixo dos gastos com combustíveis e transportes (6.2%) ou com restaurantes e hotéis (8.8%).
Quando se diz que a eletricidade está cara aponta-se logo o dedo aos produtores e dentro destes os principais responsáveis são as renováveis e dentro destas as eólicas.
Devo salientar que a produção de eletricidade é apenas responsável por menos de um quarto da fatura. Mesmo que a produção fosse gratuita, uma utopia das grandes e impossível de se concretizar, a fatura que hoje é de 100 € passaria a 76.9 €.
Temos que perceber que nos temos que preocupar com todas as componentes da fatura, em especial aquelas em que o Estado se vai financiar aos consumidores e que, portanto, os comercializadores atuam como cobradores de impostos encapotados.
No final do ano passado a ERSE previu que o custo anual da eletricidade em 2018 seria de 53.8 €/MWh. A média dos primeiros 7 meses do ano foi 51.6 €/MWh, mas a média de junho já foi 58.5 €/MWh e em julho 61.8 €/MWh. A tendência dos contratos “forward” para o último trimestre de 2018 é de 67 €/MWh, portanto o valor médio deste ano rondará 57 €/MWh. Mas isto é tudo um prognóstico, e estes só são corretos quando feitos “depois do jogo”, mas então dirá o leitor isso não é prognóstico …
Pois é se nós tivéssemos um sistema de remuneração da eletricidade renovável que não dependesse dos “humores” dos combustíveis fósseis, das centrais nucleares, ou de outra coisa qualquer, o custo da eletricidade seria mais previsível e sujeito a menos volatilidade. Mais uma vez não estou a pedir tarifas apoiadas, estou sim a pensar num sistema em que as novas centrais renováveis fossem remuneradas por um sistema competitivo, baseado em leilões públicos, e com preços abaixo dos que se praticam atualmente no MIBEL. Mas parece que este não é o que se pretende para o País. O importante parece ser dizer que os produtores de eletricidade ganham muito, o que não é verdade, e não olhamos para o futuro, não nos preocupamos com o verdadeiro custo para os consumidores.
O mercado MIBEL, bem como os outros são mercados marginalistas, isto é, as centrais são ordenadas por ordem crescente dos preços marginais de produção. O das renováveis são quase nulos por isso são as primeiras a entrar sendo o preço de mercado estabelecido pela última central a entrar.
Este é o sistema que vigora há cerca de 40 anos, quando a maior percentagem de produção elétrica foi de origem térmica. A questão que se coloca é se será este o sistema que deverá vigorar quando o sistema elétrico for abastecido maioritariamente geração elétrica renovável.
A minha resposta é não. A discussão sobre o tema está a decorrer por toda a EU pois até ao final do ano pretende-se definir um novo mercado.
Não vou entrar nesta discussão neste artigo, mas desafio o leitor a estar presente na Conferência da APREN já no dia 9 de outubro no Museu do Oriente, pois este será um dos principais temas em debate. Não falte pois a Portugal precisa da nossa energia.
Temos de replicar o que se está a fazer na Europa nesta matéria, adaptar á nossa realidade e acreditar que podemos fazer melhor com a nossa renovável, pois: Portugal precisa da nossa energia.
António Sá da Costa é presidente da APREN – Associação Portuguesa de Energias Renováveis e Vice-Presidente da EREF – European Renewable Energy Federation e da ESHA – European Small Hydro Association. Licenciou-se como Engenheiro Civil pelo IST- UTL (Instituto Superior Técnico da Universidade Técnica de Lisboa) (1972) e tem PhD e Master of Science pelo MIT (Massachusetts Institute of Technology (USA) em Recursos Hídricos (1979). Foi docente do IST no Departamento de Hidráulica e Recursos Hídricos de 1970 a 1998, tendo sido Professor Associado durante 14 anos; tem ainda leccionado disciplinas no âmbito de cursos de mestrado na área das energias renováveis, nomeadamente na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa e na Escola Superior de Tecnologia e Gestão de Portalegre; Exerceu a profissão de engenheiro consultor durante mais de 30 anos, sendo de destacar a realização de centenas de estudos e projectos na área das pequenas centrais hidroeléctricas; Foi fundador do Grupo Enersis de que foi administrador de 1988 a 2008, onde foi responsável pelo desenvolvimento de projectos no sector eólico e das ondas e foi Vice-Presidente da APE – Associação Portuguesa da Energia de 2003 a 2011.