
Colunista Ivone Rocha (Energia - Apoios Comunitários): Energia 2018
Em início de ano o que mais ouvimos, dizemos e desejamos são os votos de um excelente ano para todos os que connosco contactam, sejam mais próximos ou mais afastados, independentemente do setor em que trabalham.
Sendo a energia um fator de produção, uma atividade económica própria e um bem essencial que faz parte do conceito de serviço público, torna-se legítimo perguntar o que será um excelente ano para a energia?
Seguramente todos responderão – um ano com energia limpa, ao menor custo possível e totalmente produzida em Portugal – sustentabilidade ambiental, económica e social.
Na impossibilidade de semelhante perfeição, o ano energético será tanto melhor quanto mais nos aproximarmos desta trilogia. Para isso, precisamos de estabilidade legislativa e regulatória, de mobilização e consensos, de planeamento a médio e longo prazo. A energia que produzirmos em 2040 é a que planeamos hoje.
O Orçamento de Estado para 2018, publicado no passado dia 29 de dezembro, à semelhança do anterior, veio estabelecer alterações legislativas que, apesar de avulsas, são importantes, tendo em conta o seu impacto. Parece que o legislador passou a optar por, substituir a sua função “macro” regulatória e sistémica, por uma atitude casuística que tenta resolver uma questão concreta, desconsiderando o sistema elétrico nacional como um todo. Para o efeito, tem vindo a instrumentalizar a lei do Orçamento de Estado, que supostamente deveria definir receitas e despesas para o Estado, num diploma legal casuisticamente substantivo, num claro reconhecimento de carência de politica energética nacional.
Se olharmos para o passado encontramos, entre outros, dois exemplos comparáveis. Em 2013, perante a intervenção da Troika, promoveram-se reuniões, chegou-se a um consenso e o Decreto Lei 35/2013 de 28 de fevereiro criou uma compensação a suportar pelos produtores do regime especial que gera um contributo, para o abatimento ao défice tarifário, anual e efetivo de c. d. 19M€. Em 2017, o legislador optou por unilateralmente estabelecer a necessidade de restituição de verbas, usando o Orçamento de Estado de 2017, para ilegalmente ficcionar conceitos substantivos de apoios estatais, com efeitos retroativos. Inscreveu uma receita previsível, mas até hoje esta medida gerou zero euros de receita. A medida é ilegal por violação de vários princípios, entre os quais, o principio da proteção da confiança estabelecido no artigo 2ª da Constituição da Republica Portuguesa.
Planificação e o consenso trazem receita. Casuísmo e a imposição, trazem litígios, geram despesa.
No Orçamento de 2018 encontramos, mais uma vez, a instrumentalização de uma lei orçamental para a realização de alterações substantivas casuísticas das quais se destaca a alteração do Decreto-Lei n.º 172/2006, de 23 de agosto, que desenvolve os princípios gerais relativos à organização e ao funcionamento do Sistema Elétrico Nacional (SEN), regulamentando o regime jurídico aplicável ao exercício das atividades de produção, transporte, distribuição e comercialização de eletricidade e à organização dos mercados de eletricidade. Desta vez tenta-se resolver o problema da inadequação de rede de distribuição fazendo caducar as licenças com perda da caução prestada e atribuindo a licença de produção ou emissão de comunicação prévia, ao abrigo do regime remuneratório geral − quando, no mesmo período sejam apresentados pedidos que, globalmente, excedam a capacidade de receção de eletricidade da zona de rede − através de sorteio.
Não é possível prever e avaliar a real eficácia desta alteração, mas se tivermos presente de que o princípio da não retroatividade da lei vai limitar a aplicação deste dispositivo legal, fácil será de perceber que dificilmente resolverá as pendências cumuladas. Acresce ainda que, uma rede de distribuição energética não pode estar à mercê da disponibilidade dos investidores, pelo contrário, deve ser definida a rede e a sua expansão e depois abertos leilões para atribuição de potência de produção renovável.
Planear a rede de distribuição, tendo em conta a produção, mas também o impacto da produção descentralizada, dos prosumers e da mobilidade elétrica, é algo que se impõe!
Por tudo isto, voltando à pergunta inicial a resposta deve ser planear, dialogar, gerar consensos, criar estabilidade no mercado energético, olhar para o futuro e para as metas que temos que cumprir. Assim teremos um bom 2018 pois estaremos a descarbonizar a energia, a diminuir os seus custos, a captar financiamento comunitário e a usar os nossos recursos endógenos.
Ivone Rocha é licenciada em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra (1989) e mestre em Direito Público pela Faculdade de Direito da Universidade Católica Portuguesa – Centro Regional do Porto (2008). Possuiu uma Pós-graduação em Estudos Europeus, pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, na variante de Direito (1992), uma Pós-graduação em Ciências Jurídicas, na vertente Direito Público, pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa (2000) e ainda uma Pós-Graduação em Contencioso Administrativo pela Faculdade de Direito da Universidade Portuguesa – Centro Regional do Porto (2005). Está inscrita na Ordem dos Advogados como Advogada (1991). É membro da Direção da Plataforma para o Crescimento Sustentável e co-autora do livro, recentemente publicado, “Climate Chance! Uma reflexão jurídico-económica do mercado de carbono no combate às alterações climáticas”. Tem vários artigos publicados, sendo regularmente convidada para participar como oradora em conferências da especialidade.