Colunista Ivone Rocha: Direito da Energia – Um instrumento para a sociedade

Colunista Ivone Rocha: Direito da Energia – Um instrumento para a sociedade

A propósito da constituição da APDEN – Associação Portuguesa de Direito da Energia, justificam-se algumas reflexões sobre a emergência do Direito da Energia como instrumento da atividade económica, quer sob o ponto de vista da sua regulação – produção e consumo -, quer sob o ponto de vista da atribuição de financiamentos.

Todos consensualmente reconhecemos a importância da energia. Empresários, cidadãos, engenheiros, economistas e juristas, seja como custo de produção, seja como atividade económica, seja como consumo doméstico, têm, sobretudo nos últimos tempos – fruto da escassez dos recursos e aumento da procura, associado às necessidades de descarbonização – fomentado debates, subscrito petições, reivindicando direitos, denunciando privilégios.

A verdade é que, falar de energia é falar de custos e/ou oportunidades para as empresas e para os cidadãos, mas também é falar de investigação e investimento de capital intensivo, com ciclos de produção e rentabilidade longos. A energia de 2040 começa a ser preparada hoje, as novas formas de energia carecem de apoio, a investigação não pode parar, as opções de investimento têm que ser tomadas.

Se, sob o ponto de vista científico, a definição de energia há muito que foi encontrada, sob o ponto de vista económico os impactos das medidas vão sendo determinados, sob o ponto de vista jurídico, pouco se tem feito, e a sua definição carece de conteúdo.

O direito da energia tem sido a prática legal que mais tem crescido nas duas últimas décadas. Porém, muito pouco temos refletido sobre o seu conteúdo. Afinal, o que é o direito da energia? Considerado como uma multifacetada súmula de regulação nacional e internacional que os Governos desenvolvem para regular o seu uso e as suas fontes que vai desde a forma como usamos os recursos naturais para a sua produção, passando pela forma como a transportamos, os serviços energéticos, a fixação de preços (…), o direito da energia tem sido alvo de sucessivas apropriações, ora visto como regulação, ora visto como ramo de direito público. Tem sido precisamente a falta de uma abordagem integrada que tem permitido os abusos que tem sido alvo, ora gerando direitos economicamente insustentáveis, ora gerando restrições e medidas governamentais mais ou menos demagógicas.

No Reino Unido foi criada a Energy Bar Association, à semelhança do que já existe nos Estados Unidos, com a função de estabelecer pontes entre a academia e a prática do direito da energia, entre a legislação nacional e a legislação internacional.

Na União Europeia, na sequencia do Acordo de Paris e do novo ciclo que se iniciou com a entrada em funções dos novos membros da Comissão Europeia, está em fase de implementação o chamado Pacote de Inverno.

Com boas ou más opções, esse é o debate que se impõe, este documento é estruturante para o setor energético, com reflexos concretos nos transportes, na eficiência energética, na produção de energia, no chamado mercado europeu de energia. A partir deste pacote serão publicadas as diretivas que obrigarão os Estados membros à sua transposição.

O mercado europeu da energia terá novas regras. De uma forma mais ou menos intensa, direta ou indiretamente, cada setor económico, cada cidadão, cada governo, cada organização, será afetada por este novo pacote legislativo. É, pois, essencial, conhecer o seu conteúdo, saber quais as práticas dos diversos estados membros, e compatibilizar a sua aplicabilidade. Só um conhecimento claro, integrado e multifacetado sobre as regras legais da energia é que permitirá a sua defesa e, com ela, a defesa da economia, da investigação e do ambiente.

Através do seu conhecimento, das necessidades do setor e da sua contextualização económica, saberemos estabelecer as regras e direcionar os incentivos comunitários à sua produção, investigação ou uso.

No próximo dia 18 de julho, vai ter lugar o primeiro evento realizado pela APDEN – Associação Portuguesa de Direito da Energia que em setembro integrará uma entidade europeia de partilha de conhecimento jurídico em torno das questões da energia. A APDEN foi constituída, na sequência do desafio lançado pelos membros fundadores da Associação Italiana de Direito da Energia – AIDEN, no passado mês de junho de 2017 e tem por objeto a promoção e o desenvolvimento do conhecimento da energia, de forma sistemática e integrada, nela envolvendo, o conhecimento académico e a prática do direito, num quadro de total independência e multidisciplinariedade.

Pela importância, o Pacote de Inverno, será o documento de reflexão, o ponto de partida para o desenvolvimento de uma nova abordagem à energia. Uma abordagem independente sobre a sua implementação efetiva, sem nenhuma apropriação, seja ela económica, seja teórica, num claro reconhecimento de que o direito da energia não é apenas regulação, não é uma área de direito da concorrência ou de direito público. O Direito da energia está para lá disso tudo, tem alma própria e deverá ter voz própria. A voz que impedirá a sua apropriação, a sua aplicação demagógica e/ou distorcida, a violação direitos e de obrigações …

Ivone Rocha é licenciada em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra (1989) e mestre em Direito Público pela Faculdade de Direito da Universidade Católica Portuguesa – Centro Regional do Porto (2008). Possuiu uma Pós-graduação em Estudos Europeus, pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, na variante de Direito (1992), uma Pós-graduação em Ciências Jurídicas, na vertente Direito Público, pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa (2000) e ainda uma Pós-Graduação em Contencioso Administrativo pela Faculdade de Direito da Universidade Portuguesa – Centro Regional do Porto (2005). Está inscrita na Ordem dos Advogados como Advogada (1991). É membro da Direção da Plataforma para o Crescimento Sustentável e co-autora do livro, recentemente publicado, “Climate Chance! Uma reflexão jurídico-económica do mercado de carbono no combate às alterações climáticas”. Tem vários artigos publicados, sendo regularmente convidada para participar como oradora em conferências da especialidade.

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