
Colunista Ivone Rocha (Energia-Apoios Comunitários): Estabilidade e Não Retroatividade
No passado dia 14 de agosto, foi publicado, na segunda série do Diário da República, o Despacho nº 7087/2017 que vem impor, além do mais, a consulta, pela DGEG, à Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos (ERSE), nos procedimentos para autorização do sobre-equipamento de centros electroprodutores antes de concluída a sua instrução, impondo ainda que, os pedidos só sejam deferidos se não existirem impactos negativos para o Sistema Elétrico Nacional. No mesmo despacho, vem estabelecido um prazo de 60 dias para que a Direção Geral de Energia (DGEG) apresente uma proposta de revisão do procedimento de autorização em causa.
A disciplina aplicável à potência adicional e à energia adicional ao sobre-equipamento e à energia do sobre-equipamento de centros electroprodutores eólicos, com energia remunerada pelo regime de remuneração garantida, foi estabelecida pelo Decreto Lei 94/2014 de 24 de junho, tendo iniciado a sua implementação em 2015, com a publicação da Portaria 102/2015 de 7 de abril que veio aprovar os procedimentos administrativos para a injeção desta energia adicional.
Concretamente, estes diplomas legais vieram permitir que os centros electroprodutores injetem energia adicional na rede, até ao limite de 20% da potência atribuída, podendo a injeção de energia na rede ser interrompida sempre que o operador de rede ou o gestor técnico global do sistema considerar que pode estar em causa a segurança e a fiabilidade da rede.
De referir que, esta energia, para além de não ultrapassar os 20% da potência atribuída, é remunerada, sem qualquer direito de atualização, a 60€/MWh, ou seja, valor, de certa forma, compatível com os valores de venda em mercado, pelo CUR (Comercializador de Último Recurso) entidade que adquire por imposição legal esta energia e procede à sua venda aos consumidores finais ou a outros comercializadores – os consumidores pagam precisamente, em média, entre 60 a 70€/MWh, dependendo das horas do consumo.
A tudo isto acresce ainda o facto de que 20% da potência atribuída na grande maioria dos parques não é sequer suficiente para que esta opção seja uma realidade, uma vez que, tal percentagem, representa tão pouco que não há como rentabilizar ou implementar tecnicamente o acréscimo.
Em suma, falar da energia adicional abrangida pelo presente despacho é falar de uma percentagem muito abaixo dos 20% da potência atribuída e com uma remuneração de apenas 60€/MWh.
Pelo que não se percebe nem a oportunidade, nem a fundamentação do despacho.
Alterar legislação com apenas dois anos de existência, alterando permanentemente as regras do jogo, numa atividade tão importante como a energia, só pode ter inconvenientes, salvo casos excecionais. A presente alteração parece ser órfã de causa, por vários motivos.
Em primeiro lugar porque viola a hierarquia legislativa, estamos a falar de um Despacho que vem alterar, na medida em que estabelece uma obrigação de diligência acrescida, um procedimento regulado por Portaria – nº 102/2015;
Em segundo lugar porque a sua fundamentação é insuficiente, em lado nenhuma é referido que o regime que se pretende alterar tem impactos negativos no Sistema Elétrico Nacional e em que termos;
Em terceiro lugar por violação dos princípios da estabilidade e da não retroatividade importantíssimos no setor energético, com reconhecimento internacional, tendo em conta, precisamente, o seu impacto na captação de investimento estrangeiro.
Não se pode alterar legislação de dois em dois anos, sobretudo quando estamos a falar de alterações com implicações diretas nas circunstâncias económicas de investimentos de capital intensivo.
Com efeito, quer o Tratado da Carta da Energia, no seu artigo 10º, consigna como essencial ao tratamento justo e equitativo a garantia de condições estáveis e transparentes de investimento; quer o recentemente apresentado Pacote de Inverno e o artigo 6º da diretiva que estabelecem o princípio da não retroatividade.
A política energética deve ser estável e deve estabelecer um equilíbrio entre custos e proveitos, entre produtores e consumidores, entre regulação e mercado (…) resumir a abordagem energética do Estado ao combate ao défice, em desconsideração de tudo o resto, pode ser popular (entendido populismos como uma ideologia de baixa densidade que divide a sociedade – neste caso a energia – em dois pólos, o bom – neste caso os consumidores e o mau – neste caso os produtores) mas não é estratégico, convém sempre lembrar que sem produtores não há energia, sem renováveis não há energia limpa. À semelhança dos exemplos que temos seguido um pouco por todo o mundo, o populismo na energia também é perigoso.
Ivone Rocha é licenciada em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra (1989) e mestre em Direito Público pela Faculdade de Direito da Universidade Católica Portuguesa – Centro Regional do Porto (2008). Possuiu uma Pós-graduação em Estudos Europeus, pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, na variante de Direito (1992), uma Pós-graduação em Ciências Jurídicas, na vertente Direito Público, pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa (2000) e ainda uma Pós-Graduação em Contencioso Administrativo pela Faculdade de Direito da Universidade Portuguesa – Centro Regional do Porto (2005). Está inscrita na Ordem dos Advogados como Advogada (1991). É membro da Direção da Plataforma para o Crescimento Sustentável e co-autora do livro, recentemente publicado, “Climate Chance! Uma reflexão jurídico-económica do mercado de carbono no combate às alterações climáticas”. Tem vários artigos publicados, sendo regularmente convidada para participar como oradora em conferências da especialidade.