
Colunista Ivone Rocha (Energia-Apoios Comunitários): Relatório Energia EU
Foi emitido no passado dia 9 de abril, pela Comissão Europeia, o quarto relatório sobre o Estado da União da Energia. Sendo a criação da “União da Energia” uma das áreas prioritárias da Comissão Juncker, este relatório reflete o estado de evolução da implementação desta União, assinalando os aspetos que carecem de maior atenção. Uma espécie de balanço de mandato.
De entre as suas referências, destaca-se no relatório a realização da União Energética, através da existência de um quadro legal e regulatório abrangente, o qual veio, entre outros aspetos, promover uma descarbonização gradual da economia, em linha com os objetivos firmados no Acordo de Paris, garantir a estabilidade e permitir a fixação de metas ambiciosas, para a descarbonização da economia.
Para além destas conclusões, o relatório apresenta ainda dados concretos ilustrativos do estado evolutivo da União da Energia. Desde logo, é estimada a existência de mais de 4 milhões de “empregos verdes”, sendo que entre 2000 e 2014, o emprego no sector da economia verde cresceu consideravelmente mais (+49%), do que o emprego global (+6%). São apresentados dados relativos às emissões de Gases com efeitos de estufa e consumo energético, os quais demonstram que a evolução destes valores começa a estar desfasada do crescimento económico.
Quanto às energias renováveis, os dados apresentados demonstram que estas continuam a crescer significativamente, contudo, a penetração das mesmas varia bastante consoante o sector, sendo que, enquanto no sector da eletricidade as renováveis atingem 30.8% da produção, no sector da climatização (aquecimento, arrefecimento) atinge 19.5% e no sector dos transportes apenas 7.6%.
O relatório termina por concluir que, grosso modo, as medidas tomadas devem ser mantidas e reforçadas, sendo essencial a existência de uma forte cooperação entre os Estados-Membros e as instituições europeias.
Este relatório tem, assim, a virtualidade de olhar para as iniciativas da Comissão Europeia, no âmbito da União da Energia, de forma integrada, fazendo um retrato paranómico do estado da transição energética na Europa.
Ora, a agenda política portuguesa relativa à transição energética é regida pela política climática adotada pela Europa, sendo que têm sido fixadas metas progressivamente mais ambiciosas quanto a estas matérias, em face das quais Portugal tem feito um esforço de acompanhamento, mas, em alguns casos insuficiente.
Um dos pilares do corpo legal da União Energética hoje é o Novo Pacote Energético, «Energias Limpas para Todos os Europeus» que inclui oito propostas legislativas, as quais abrangem todos os domínios relevantes sobre esta matéria. A saber: a: (i) Governação, (ii) Configuração do mercado da eletricidade (Diretiva Eletricidade, Regulamento Eletricidade e Regulamento Preparação para Riscos), (iii) Eficiência Energética, (iv) Desempenho energético dos edifícios, (v) Energias renováveis e (VI) Regras aplicáveis ao regulador ACER.
Em dezembro de 2018, foram publicados três documentos estruturais do referido Pacote Energético, concretamente, a Diretiva (UE) 2018/2001 do Parlamento Europeu e do Conselho de 11 de dezembro de 2018, relativa à promoção da utilização de energia proveniente de fontes renováveis; a Diretiva (UE) 2018/2002 do Parlamento Europeu e do Conselho 11 de dezembro de 2018, relativa à eficiência energética; e o Regulamento (UE) 2018/1999 do Parlamento Europeu e do Conselho de 11 de dezembro de 2018, relativo à Governação da União da Energia e da Ação Climática.
A Diretiva relativa às renováveis traduz-se no documento essencial na realização da Transição energética, porquanto vem, antes de mais, referir a conveniência do cumprimento da meta de, pelo menos, 32% de energia renovável, para 2030, fixando para o efeito, as “regras relativas a apoios financeiros à eletricidade de fontes renováveis, ao autoconsumo dessa eletricidade, à utilização de energia de fontes renováveis nos setores do aquecimento e do arrefecimento e no setor dos transportes e à cooperação regional entre Estados-Membros e à cooperação entre Estados-Membros e países terceiros, às garantias de origem, aos procedimentos administrativos e à informação e formação” (cfr. art. 1.º da Diretiva (UE) 2018/2001).
Por sua vez, a Diretiva relativa à eficiência energética veio estabelecer a necessidade de redução do consumo de energia, independentemente dos níveis de crescimento económico, com a definição de uma meta de 32% para 2030.
Finalmente, o Regulamento relativo à Governação da União da Energia e da Ação Climática com a função de definir uma “base legislativa necessária para uma governação fiável, inclusiva, eficiente em termos de custos, transparente e previsível da União da Energia e da Ação Climática […]”. Garantindo, assim, “o cumprimento dos objetivos e das metas da União da Energia para 2030 e de longo prazo, em consonância com o Acordo de Paris de 2015 sobre as alterações climáticas (o «Acordo de Paris»), através de esforços complementares, coerentes e ambiciosos, envidados pela União e pelos Estados-Membros, e que, simultaneamente, limite a complexidade administrativa”.
O “mundo energético” do seculo XXI será radicalmente diferente do “mundo energético do seculo XX, a União Europeia está a preparar a liderança. Países com Portugal, com recursos endógenos para a produção de energia renovável abundantes, têm tudo a ganhar, assim o saiba aproveitar!
Ivone Rocha é Sócia da Telles Advogados. Licenciada em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra (1989) e mestre em Direito Público pela Faculdade de Direito da Universidade Católica Portuguesa – Centro Regional do Porto (2008). Possuiu uma Pós-graduação em Estudos Europeus, pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, na variante de Direito (1992), uma Pós-graduação em Ciências Jurídicas, na vertente Direito Público, pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa (2000) e ainda uma Pós-Graduação em Contencioso Administrativo pela Faculdade de Direito da Universidade Portuguesa – Centro Regional do Porto (2005). Está inscrita na Ordem dos Advogados como Advogada (1991). É membro da Direção da Plataforma para o Crescimento Sustentável e co-autora do livro, recentemente publicado, “Climate Chance! Uma reflexão jurídico-económica do mercado de carbono no combate às alterações climáticas”. Tem vários artigos publicados, sendo regularmente convidada para participar como oradora em conferências da especialidade.