Colunista Susana Rodrigues (Resíduos - Recolha): Resíduos urbanos e fronteiras na gestão

Colunista Susana Rodrigues (Resíduos - Recolha): Resíduos urbanos e fronteiras na gestão

A fronteira que define o que é um resíduo urbano (RU) do que não é, e respectiva responsabilidade de gestão, é uma questão que desde sempre acompanha a gestão de resíduos e que se mantém sem resposta.

O artigo publicado na última edição do jornal Água & Ambiente (página 9) - “Pingo Doce e Zara produzem resíduos urbanos?” aborda esta problemática, onde a ambiguidade existente em torno da definição do que é um RU é concretizada de forma muito clara. De facto, uma empresa com actividade comercial ou industrial pode utilizar livremente os sistemas de gestão de resíduos urbanos existentes na zona, passando o ónus do custo da sua gestão para os municípios e portanto para todos nós, enquanto consumidores.

A nomenclatura utilizada para a identificação dos RU tem evoluído ao longo do tempo: a designação “resíduos municipais” ou “resíduos sólidos urbanos” é ainda vulgarmente usada para referir os resíduos gerados em habitações e em entidades não residenciais, e para diferenciar estes dos resíduos líquidos ou semi-líquidos, como as lamas de depuração de estações de tratamento de águas residuais, com origem doméstica. Com a transposição da Directiva do Concelho 1999/31/EC e publicação do Regime Geral da Gestão de Resíduos, a designação de “resíduo sólido urbano” (RSU), é substituída por “resíduo urbano”(RU), definido como “resíduo proveniente de habitações bem como outro resíduo que, pela sua natureza ou composição, seja semelhante ao resíduo proveniente de habitações”. Mas o ponto fulcral da ambiguidade da definição resulta da responsabilidade de gestão, baseada na quantidade produzida, uma vez que no caso dos RU a responsabilidade deixa de ser do seu produtor e passa para a alçada dos municípios quando “a produção diária não seja superior a 1100 litros por produtor” [1].

Assim, enquanto os RU com produção inferior a esta quantidade devem ser geridos pelos municípios, no caso dos restantes a responsabilidade de gestão é do produtor, apesar de, na prática, se verificar que estes resíduos acabam nos contentores existentes na via pública, muitas vezes com a conivência dos Municípios, que aprovam tarifários distintos para estes “grandes produtores” mas que depois não fiscalizam.

Esta definição baseada no critério quantidade, permite assim que resíduos com a mesma origem e natureza, possam ser geridos por entidades distintas – entidades públicas, os municípios, ou privadas, a quem os produtores devem recorrer quando ultrapassam a quantidade máxima legal diária de 1100 litros. Mas este critério, baseado na quantidade, é muito difícil de ser fiscalizado pelas entidades competentes principalmente quando não existem zonas industriais bem delimitadas, e na prática o que acontece é que os municípios/empresas municipais/prestadores de serviços inserem estas recolhas nos circuitos domésticos, sendo a descarga realizada em conjunto, sem guia de acompanhamento de resíduos (dispensada, no caso dos RU). A introdução das guias (modelo A) electrónicas foi um passo importante, mas não irá resolver esta questão, se as empresas com produções acima dos 1100 litros/dia.produtor, continuarem a usar o sistema de recolha destinado aos RU.

Esta problemática não é de fácil resolução, não só pela falta de ordenamento urbano mas também pela natureza mista do fluxo “municipal”, resultante do consumo doméstico, e também da produção em pequenas empresas, que complica o quadro. Na prática, o que se pretende identificar quando se fala em RU, são os resíduos produzidos nas habitações, ou “resíduos domésticos”. Acontece, no entanto, que existem resíduos no tecido urbano que, apesar de terem uma origem distinta das habitações, têm natureza semelhante, como é o caso dos resíduos de origem comercial, de restaurantes e cafetarias, de escolas, de hospitais, prisões e instituições similares. Existem ainda empresas que, mesmo que não estejam no tecido urbano, se produzirem quantidades pequenas de resíduos são englobadas na definição de RU e portanto, mesmo tendo uma origem completamente diferentes, a sua gestão mantém-se sob a alçada dos municípios, cujos custos de gestão devem ser suportados pelo tarifário municipal, podendo ainda somar-se ao fluxo de RU uma parcela significativa dos resíduos perigosos domésticos e médicos cujo manuseamento e deposição apresenta enormes riscos.

É de facto uma questão complexa cuja solução não pode passar apenas por imposição legal e regulatória, devendo ser complementada pela separação logística dos sistemas de recolha aplicada a cada tipo de origem (habitacional ou não), e aumento da capacidade de fiscalização, para que o princípio do poluidor-pagador possa ser uma realidade.

Susana Sá e Melo Rodrigues é licenciada em Engenharia do Ambiente pelo Instituto Superior Técnico (IST/UTL), tem uma pós-graduação em Gestão Integrada e Valorização de Resíduos da Faculdade de Ciências e Tecnologia (FCT/UNL) e Doutoramento em Ambiente (FCT/UNL). É membro do grupo de investigadores da FCT/UNL, Waste@Nova e do MARE - Centro de Ciências do Mar e do Ambiente, centrando a seu trabalho de investigação na Gestão de Resíduos. Iniciou a sua actividade profissional no Instituto da Água, onde foi membro da Comissão de Acompanhamento da Directiva-Quadro da Água. Foi consultora na área de projecto e de fiscalização ambiental de empreitadas na FBO - Consultores, S.A. (DHV international), e esteve 11 anos na HPEM (empresa municipal de Sintra responsável pela recolha de resíduos urbanos e limpeza pública) como Gestora do Departamento de Planeamento e posteriormente nos SMAS de Sintra. Exerceu funções na EcoAmbiente, S.A., como Directora do Departamento Técnico e Comercial, estando actualmente na Luságua – Serviços Ambientais, S.A., como Coordenadora da Área de Resíduos. A autora não segue, por opção, o novo acordo ortográfico.

[1] Artigo 5º do DL 178/2006: “1- A responsabilidade pela gestão dos resíduos, incluindo os respectivos custos, cabe ao produtor inicial dos resíduos, sem prejuízo de poder ser imputada, na totalidade ou em parte, ao produtor do produto que deu origem aos resíduos e partilhada pelos distribuidores desse produto se tal decorrer de legislação específica aplicável. 2 - Exceptuam-se do disposto no número anterior os resíduos urbanos cuja produção diária não exceda 1100 l por produtor, caso em que a respectiva gestão é assegurada pelos municípios.”

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