
Henrique Gomes: Mercado interno e interligações. "Espero por ti em Lisboa" - Um novo Godot?
O MERCADO INTERNO DE ENERGIA E O REFORÇO DAS INTERLIGAÇÕES IBÉRICAS. (Parte 1/2)
“ESPERO POR TI EM LISBOA” – UM NOVO GODOT?
A União da Energia e Clima é uma das 10 prioridades da actual Comissão Europeia (CE) e pretende tornar a energia mais segura, sustentável e acessível do ponto de vista dos preços num processo que se pretende socialmente justo e que mantenha a economia em crescimento. A energia circulará livremente através das fronteiras nacionais da UE. As novas tecnologias, as medidas de eficiência energética e a renovação das infraestruturas contribuirão para a redução das despesas dos agregados familiares, a criação de novos empregos e competências e a promoção do crescimento e das exportações. Em 2017 obtiveram-se progressos consideráveis em todas estas áreas.
A questão das infraestruturas energéticas é pois critica para garantir aos cidadãos e às empresas um abastecimento energético seguro, acessível e respeitador do ambiente. Numa das pontas da Europa, as infraestruturas energéticas da península ibérica têm um istmo ainda mais intransponível que o geográfico o que nos vai impedindo de alcançar estes objectivos.
Não obstante, Portugal não se mexe mas é mexido pelos interesses rentistas. Como sempre, Portugal é respeitador e espera. “Espero por ti em Lisboa”. Por D. Sebastião ou por Godot?
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“- Vladimir: A gente não pode.
- Estragon: Porque?
- Vladimir: Estamos esperando Godot.”
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Mercado Interno da Energia
O processo de estabelecimento do Mercado Interno da Energia, conduzindo à liberalização dos mercados do gás e da electricidade, iniciou-se com a adopção de 2 pacotes legislativos, aprovados em 1996/98 e 2003.
Estes 2 primeiros pacotes abordaram o acesso ao mercado, a transparência e a regulamentação, a defesa do consumidor, o apoio às interligações e os níveis adequados de abastecimento.
No início do século XXI, novas preocupações, como a sustentabilidade e a segurança do abastecimento, tinham entrado na agenda política europeia, desencadeadas por circunstâncias externas (o apagão de 2003 na Itália e as disputas de gás entre Rússia e Ucrânia em 2006-9) e a mudança na relevância de externalidades de mercado anteriormente ignoradas (como as emissões de carbono). As crises de 2008 e da zona do euro aumentaram a complexidade e o escrutínio sobre as implicações económicas da política energética tanto no esforço de acesso pelas famílias como no da competitividade industrial.
Sem competência formal para a energia até 2009, a Comunidade Europeia dispersava os temas do sector por outras áreas, pela economia como o mercado interno e a política de concorrência nos sectores de electricidade e do gás e também pela política climática. Com a entrada em vigor do Tratado de Lisboa nesse ano, a energia tornou-se uma área específica com competências partilhadas entre a UE e os Estados-Membros.
Em 2009 é ainda promulgado o terceiro pacote Legislativo para o Mercado Interno da Electricidade (Directiva 2009/72/EC), que entrou em vigor em 3 de março de 2011. O seu principal objetivo é o do aumento da concorrência forçando as empresas integradas de energia ao seu desmembramento, separando as actividades de produção e importação das de transporte e distribuição e estabelecendo as condições de acesso às redes. Novas exigências de cooperação para promover o desenvolvimento da infra-estrutura de electricidade, tanto dentro como entre os Estados-Membros, aparecem então consubstanciadas nos TYNDP (Plano Decenal de Desenvolvimento de Rede) a elaborar a cada 2 anos.
Paralela e simultaneamente, a EU adoptou o Pacote Clima e Energia estabelecendo, para 2020 e vinculativas para cada Estado Membro, metas para as emissões de gases com efeito de estufa, penetração de energias renováveis e melhorias na eficiência energética.
Desenvolvidas de forma relativamente independente, as duas iniciativas entraram em tensão.
Em outubro de 2014, numa tentativa de integração e harmonização de políticas, o Conselho Europeu concordou com o quadro climático e energético para 2030 visando, com a salvaguarda da acessibilidade / competitividade e segurança do abastecimento no âmbito de um mercado energético mais integrado, uma maior descarbonização da economia permitindo uma maior flexibilidade aos Estados-Membros para escolher as políticas mais adequadas às suas preferências, desde que compatíveis com os objetivos de descarbonização e concorrência a nível da União Europeia.
A política energética da actual Comissão Europeia
A Comissão é formada por um colégio de 28 Comissários, um de cada país da EU, sob a liderança do Presidente da Comissão, a coordenação de 6 Vice-Presidentes e acção dos restantes 21 Comissários. A energia é uma das 10 grandes prioridades desta Comissão sendo o foco exclusivo do Vice-Presidente Maroš Šefčovič com o projecto da União da Energia. O Comissário Arias Cañete com a área da Acção Climática e Energia, contribui essencialmente para os projetos orientados e coordenados pelos Vice-Presidentes para a União da Energia e para o Emprego, Crescimento, Investimento e Competitividade.
Em 15 de julho de 2014, sob o titulo “Um novo começo para a Europa”, Jean Claude Juncker apresentava em Estrasburgo a sua “agenda para empregos, crescimento, equidade e mudança democrática” sendo uma das suas dez prioridades “uma União de Energia Resiliente com uma Política de Mudança Climática Voltada para o Futuro”. Disse nessa altura que:
- Os eventos geopolíticos recentes tinham lembrado que a Europa confiava demais nas importações de combustível e gás. Seria pois necessário evoluir para uma nova União Europeia da Energia que unisse os nossos esforços e recursos, combinasse infra-estruturas, aumentasse o poder de negociação face a países terceiros, diversificasse as fontes de energia e reduzisse a alta dependência energética de vários dos nossos Estados-Membros. Por razões de preço ou políticos, a Europa deveria poder ser capaz de reverter os fluxos de energia quando necessário e mudar rapidamente as suas fontes de abastecimento.
- Seria necessário aumentar a participação das renováveis no nosso continente, não apenas por razões de política responsável de alterações climáticas mas também por imperativo da política industrial em dispor de energia a preços acessíveis a médio prazo. Acreditando no crescimento verde, queria que a União Europeia da Energia se tornasse na líder mundial das energias renováveis.
- Gostaria também de aumentar significativamente a eficiência energética para além de 2020 nomeadamente ao nível dos edifícios. Queria, em nome das gerações futuras, que a União Europeia conduzisse a luta contra o aquecimento global mesmo antes da reunião das Nações Unidas em Paris em 2015.
“Uma união energética europeia que garanta que a Europa tenha energia segura, acessível e respeitadora do clima. A utilização mais inteligente da energia, ao mesmo tempo que combate as alterações climáticas, é simultaneamente um estímulo para novos empregos e crescimento e um investimento no futuro da Europa.”
Estratégia e Infraestruturas na União de Energia
A estratégia da UE em matéria de União da Energia é composta por cinco vertentes estreitamente relacionadas e que se reforçam mutuamente: Segurança, solidariedade e confiança; mercado interno da energia plenamente integrado; eficiência energética; acção climática – descarbonização da economia; investigação, inovação e competitividade.
Um mercado interno da energia plenamente integrado que permita um fluxo livre de energia em toda a UE através de infraestruturas adequadas e sem quaisquer barreiras técnicas ou regulamentares é uma forma eficiente de garantir o aprovisionamento e proporcionar aos consumidores o melhor negócio energético.
Só num mercado interno energético totalmente integrado a oferta de energia será eficiente e a Europa poderá atingir plenamente o seu potencial de energia renovável. A CE tem actualmente três áreas prioritárias de atenção: um novo desenho do mercado, capacitar os consumidores de energia e ajudar a energia a atravessar fronteiras.
O desenvolvimento e o investimento da Rede de Transporte europeia, interligando e integrando as várias redes nacionais, possibilitará o fluxo de energia pela Europa, aumentará a segurança energética, diminuirá a dependência de importações e preparará as redes para as renováveis. É um capacitador para gerir a variabilidade das energias intermitentes e possibilitar fluxos transfronteiriços a longa distância tirando partido dos padrões e variedade dos mixes de produção.
Em Out14 o Conselho Europeu confirmando esta visão e princípios da política energética, reafirmava a necessidade de garantir o cumprimento de uma meta mínima de 10% de capacidade da interligação eléctrica entre países, ”… com carácter de urgência, e o mais tardar até 2020, pelo menos para os Estados-Membros que ainda não atingiram um nível mínimo de integração no mercado interno da energia,..”.
Actualmente, a UE impôs a si própria objetivos energéticos e climáticos para as datas de 2020, 2030 e 2050, estabelecendo para 2030 uma capacidade de interligação elétrica entre países de 15%.
(Continua).
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“- O menino. - Godot não virá hoje, talvez amanhã.”
- ESTRAGON. - O que! Vamos?
- VLADIMIR. - Vamo-nos
(Não se movem.)
(Fecham-se as cortinas - Fim do primeiro acto).”
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Nota: A ENTSO-E e os Planos decenais da rede de transporte europeia (TYNDP), os benefícios esperados dos projectos previstos para a região sudoeste continental (CSW) da rede eléctrica europeia (PT, ES e FR) e o ponto de situação do reforço das suas interligações, serão assuntos da 2ª parte deste artigo).
Henrique Gomes é Licenciado em Engenharia Mecânica pelo IST-UTL e MBA pela FE-UNL. Foi administrador da GDP – Gás de Portugal e da REN – Redes Energéticas Nacionais e também SEE do XIX Governo Constitucional (até 13Mar12). Actualmente, não tem remuneração nem participações sociais em nenhuma empresa ou associação ligada à energia.