Por um sistema de depósito de embalagens não reutilizáveis que acrescente valor
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Por um sistema de depósito de embalagens não reutilizáveis que acrescente valor

O sistema de depósito de embalagens não reutilizáveis de bebidas em plástico, vidro, metais ferrosos e alumínio não reutilizáveis, em vias de ponderação, definição, implementação (…) foi criado pela Lei n.º 69/2018, de 26 de dezembro, que procedeu à primeira alteração ao Decreto-Lei n.º 152-D/2017, de 11 de dezembro - que por sua vez visava a unificação do regime aplicável aos fluxos de resíduos urbanos num só diploma - a mesma lei que resolveu criar como projeto piloto, um sistema de incentivo de incentivo, sob a forma de projeto-piloto, à devolução de embalagens de bebidas em plástico não reutilizáveis.

 

Um projeto piloto, por natureza, destina-se a testar uma solução num determinado período e âmbito delimitados para permitir obter conhecimento e experiência a habilitar a implementação de uma solução já não experimental.

 

De acordo com o calendário fixado na Lei da Assembleia da República, o projeto-piloto, isto é, o sistema de incentivo de devolução de embalagens de bebidas em plástico não reutilizáveis seria implementado até 31 dezembro de 2019, e, a partir de 1 de janeiro de 2022, obrigatória a existência de um sistema de depósito de embalagens de bebidas em plástico, vidro, metais ferrosos e alumínio com depósito não reembolsáveis.

 

Neste momento, os atuais decisores políticos encontrar-se-ão a ponderar a implementação deste sistema, mas antecipam-se sérias dificuldades que se espera não venham a resultar em mais uma solução avulsa, não integrada que em vez de resolver um problema atual e grave de natureza ambiental e de sustentabilidade, não seja o sistema em si também mais um problema.

 

E este receio deve-se a várias razões.

 

Ora vejamos, a primeira dificuldade resulta desde logo do facto de se ter procurado obter conhecimento e experiência a partir de um projeto-piloto que tem subjacente um modelo com pressupostos completamente diferentes num aspeto muito importante. É que o projeto piloto tem subjacente um incentivo que é dado ao consumidor por devolver a embalagem de bebida. A natureza da medida indutora do comportamento é um incentivo, um benefício, algo que se oferece. Ora no sistema de depósito de implementação obrigatória o que acontece por definição é a devolução do depósito que foi pago pelo consumidor que só receberá o seu reembolso se depositar a embalagem nos locais destinados a este sistema.

 

O que significa que a ponderação em curso desde logo não pode contar verdadeiramente com a experiência do projeto piloto porque pura e simplesmente têm premissas distintas.

 

A segunda grande dificuldade prende-se com a forma como será a articulação com as soluções que existem atualmente no país, mais específica e concretamente com o Sistema de Gestão Integrado de Resíduos de Embalagens (SIGRE), instalado e em funcionamento há mais de 20 anos em todo o território nacional, para tratar o mesmo tipo de embalagens sobre o qual este novo sistema de depósito vai incidir.

 

Assim, e sendo incontestáveis os objetivos preconizados por este sistema de depósito que aparentemente o atual sistema não conseguiu atingir, como uma maior abrangência em termos de quantidade de embalagens recolhidas e valorizadas com maior qualidade, a verdade é que se a sua implementação não for cuidadosamente pensada corre-se o risco de causar um sério impacto negativo na sustentabilidade e no equilíbrio económico e financeiro do sistema de gestão que atualmente trata do mesmo tipo de resíduos de embalagens. Desde logo porque se ao invés de se traduzir no aumento do espectro de embalagens recolhidos que atualmente não são depositadas pelas pessoas nos locais adequados, apenas operar um desvio destes resíduos de embalagens de um sistema para o outro, com a agravante que no sistema depósito supostamente o valor do depósito constituiu um custo acrescido que só é reembolsado se as embalagens forem depositadas nos locais afetos ao sistema de depósito.

 

De acordo com o previsto na Lei n.º 69/2018, na versão publicada a 26 de dezembro de 2018, este sistema reger-se-ia pelas regras aplicáveis ao sistema de gestão de embalagens reutilizáveis, ao abrigo do qual é cobrado um valor de depósito no ato da compra que é reembolsado no ato da sua devolução, estando os resíduos destas embalagens reutilizadas excluídos dos circuitos municipais de recolha de resíduos.

 

Com o Decreto-Lei n.º 102-D/2020, de 10 de dezembro, que alterou o Decreto-Lei n.º 152-D/2017, foi revogada a disposição que previa a aplicação do regime das embalagens reutilizáveis a este sistema de depósito, prevendo-se que os seus termos e critérios são definidos mediante portaria.

 

No sistema de incentivo também criado pela Lei n.º 69/2018, os Sistemas de Gestão de Resíduos Urbanos (SGRU) foram afastados de qualquer intervenção, resultando um desvio de resíduos que sempre foram da responsabilidade dos SGRU de acordo com o regime jurídico vigente no país.

 

A nosso ver, o tipo de resíduos alvo deste sistema continuam a ser do domínio do circuito municipal, porque os diferentes diplomas sobre as suas competências não foram alterados nesse sentido.

 

Na maioria dos países onde o sistema de depósito de embalagens de bebidas existe atualmente, aquando da sua implementação não se colocou a questão da sua articulação com um sistema integrado de gestão de resíduos de embalagens, até porque Portugal foi dos primeiros países europeus a implementar um sistema de gestão ao abrigo da responsabilidade alargada do produtor.

 

Assim, tendo em conta o enquadramento legal vigente, não só no que respeita ao sistema de gestão integrado de resíduos de embalagem atual cuja responsabilidade está atribuída aos municípios, quer também tendo em conta os projetos relativos sistema de incentivo à devolução de embalagens de bebidas que entretanto foi implementado por diferentes agentes, entre os quais municípios, através de apoios financeiros, é fundamental que o sistema de depósito de bebidas que venha a ser definido para Portugal não só não ponha em causa todo o edifício jurídico subjacente à gestão deste fluxo de resíduos a operar há cerca de vinte anos, como também não faça tábua rasa do que entretanto também já se investiu para iniciar este novo modelo.

 

A transição para um modelo de desenvolvimento circular e o caminho para uma sustentabilidade crescente obriga a soluções que não usem e descartem o que já existe, mas sim que se recicle e que não se desperdice 20 anos de investimento, conhecimento, experiência e não menos importante num Estado de Direito, a confiança e estabilidade.

 

Em suma, qualquer que seja o modelo que venha a ser implementado para o sistema de depósito obrigatório, deve ser necessariamente acautelado o equilíbrio do funcionamento da gestão de resíduos como um todo, tendo em consideração as bases e os equilíbrios em que o sistema de gestão de resíduos urbanos se encontra estabelecido há duas décadas.

 


Paulo Praça é licenciado em Direito com pós-graduações em Direito Industrial, Direito da Interioridade e Direito das Autarquias Locais. Título de Especialista em Solicitadoria. É Diretor-Geral da Resíduos do Nordeste e Presidente da Direção da ESGRA – Associação de Empresas Gestoras de Sistemas de Resíduos. 

Docente convidado na Escola Superior de Comunicação, Administração e Turismo do Instituto Politécnico de Bragança, no Mestrado de Administração Autárquica e na Licenciatura de Solicitadora, nas matérias de Ordenamento, Urbanismo e Ambiente.

Foi Adjunto da Secretária de Estado Adjunta do Ministro da Economia, no XV Governo Constitucional, Assessor do(s) Ministro(s) da Economia e do Ministro das Finanças e da Economia, no XIV Governo Constitucional, e Assessor do Ministro da Economia, no XIII Governo Constitucional.

Nos últimos anos tem participado em diversas ações de formação como orador e como participante. É também autor de trabalhos publicados.

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