
Baixa tensão: com concurso a avançar só em 2026, haverá contratos prolongados por dez anos sem ir à concorrência
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Mais um ano, mais um adiamento. O concurso para a atribuição das concessões municipais em baixa tensão chegou a estar previsto para 2025, mas o atual Governo, que já havia descartado o calendário definido na anterior legislatura, adiou por 12 meses a entrega do relatório da Comissão de Coordenação para a Baixa Tensão (CCBT) através de uma resolução de Conselho de Ministros. Para os municípios, que detêm estas concessões, é uma decisão que traz “prejuízos para as populações”, observou ao Água&Ambiente Online a Associação Nacional de Municípios Portugueses (ANMP), que espera que o concurso avance em 2026, não vendo necessidade de definir “novas linhas orientadoras”. Já as empresas aguardam com expetativa, mas também com alguma frustração, os novos desenvolvimentos, apontando oportunidades de melhoria para fomentar o investimento e a concorrência.
Uma coisa é certa: num processo que se arrasta há quase uma década, com o concurso a avançar em 2026, haverá concessões municipais, como as de São João da Madeira ou Lisboa, cujo prazo original terminou em 2016 e 2017, respetivamente, que vão ter contratos prorrogados por praticamente 10 e 9 anos sem ir à concorrência.
A CCBT, criada em setembro, tinha inicialmente de concluir até final do ano passado uma nova proposta de calendarização e linhas orientadoras para o procedimento concorrencial, após o Executivo ter descartado o modelo e calendário aprovados no final da anterior legislatura.
A prorrogação do prazo até 15 de dezembro para a submissão desta proposta é justificada, no diploma publicado em fevereiro, pela necessidade de “aprofundar as conclusões em função das mudanças ocorridas no plano técnico, legislativo e regulamentar”, a nível nacional e europeu; de assegurar “uma articulação técnica e operacional eficiente entre os diferentes níveis de tensão das redes de distribuição elétrica” e de “atualizar os pressupostos de condições das concessões municipais”, para que estejam alinhados com as “prioridades estratégicas” do setor.
ANMP alerta para “prejuízos” para municípios e populações
A ANMP recorda que “este é um dossiê que tem sofrido atrasos consideráveis ao longo do tempo” e alerta para as consequências de mais este adiamento na “indispensável” criação de condições para o lançamento dos concursos. “Tendo em conta o histórico do processo, que tem a duração de uma década, a ANMP discorda de qualquer mecanismo que seja introduzido com o objetivo de atirar mais para a frente no tempo o lançamento dos procedimentos concursais”, explica ao Água&Ambiente Online. “Adiar, uma vez mais, tem consequências negativas e geradoras de prejuízos para os municípios e para as populações”. Havendo eleições autárquicas em 2025, a associação espera agora “que os ajustamentos a que seja necessário proceder neste processo sejam feitos durante esse ano, para permitir que no início do próximo mandato autárquico, isto é, em 2026, se concretize o lançamento dos procedimentos respetivos”. De resto, para os municípios, tendo já sido desenvolvidos “estudos por várias entidades”, e “regulamentadas as peças procedimentais”, “é somente necessário que o novo Governo possa concretizar ainda alguns aspetos que entendemos em falta e que um lançamento sincronizado de procedimentos exige”. “Não nos parece que sejam necessárias quaisquer novas linhas orientadoras”, frisa a associação. “O que é necessário é fixar uma data para o lançamento dos concursos”, vinca a ANMP.
“Adiar [o lançamento dos procedimentos concursais], uma vez mais, tem consequências negativas e geradoras de prejuízos para os municípios e para as populações”
Últimos contratos a terminar
As 278 concessões municipais da rede elétrica de baixa tensão estão todas elas contratadas com a E-REDES. “A E-REDES aguarda os desenvolvimentos deste processo”, observa a empresa, “mantendo a sua operação integrada nos três níveis de tensão - AT, MT e BT - com foco na garantia da qualidade do serviço prestado aos clientes e na resposta aos desafios da transição energética”. A data de término originalmente prevista nos contratos de concessão em baixa tensão “já ocorreu para a generalidade deles”, nota ainda, “havendo sete com data de término entre 2025 e 2026”. No entanto, “todos os contratos estão atualmente em vigor, tendo sido prolongados até à efetiva entrada em operação de novas concessões”.
Além da atual concessionária, há outras empresas que têm manifestado interesse neste procedimento. “A Endesa analisará com interesse o lançamento do leilão relativo à distribuição de eletricidade em baixa tensão”, afirma o Diretor-Geral da Endesa em Portugal, Guillermo Soler, mas “precisamos perceber qual será o modelo e quais vão ser as regras de funcionamento”. Para o gestor, a criação da CCBT “é uma nova oportunidade para decidir sobre o melhor modelo de redes para Portugal, com o objetivo de delinear a transição energética e preparar as cidades para a eletrificação e a digitalização”. E este desafio implica a articulação entre diferentes níveis de tensão: “Acreditamos que as redes têm um desafio espetacular pela frente, não só no que diz respeito à baixa tensão, mas também às de média e alta tensão, pelo que é recomendável uma estratégia integrada em todos os níveis de tensão para maximizar a eficiência dos desenvolvimentos a realizar”, realça. Neste sentido, a empresa defende que o cenário a prever pela CCBT deve envolver “um esforço relevante de investimento, um prazo de concessão adequado para o desenvolvimento das redes e um modelo de regulação e retribuição estável e previsível que assegure os investimentos num contexto de modernização e expansão das diferentes infraestruturas”, concretiza Guillermo Soler.
Aumentar a concorrência
Já a Indaqua não esconde “alguma frustração” com este adiamento, dado “o longo histórico de sucessivos adiamentos”. Mas isto não altera a intenção da empresa de participar neste procedimento e há oportunidades de melhoria no modelo estabelecido. “Para garantir a qualidade de serviço, em todas as dimensões, vemos como crítico garantir que as entidades escolhidas em concurso têm capacidade para acelerar, em coordenação e proximidade com cada município, a construção de novas ligações e ampliações de rede”, aponta o CEO da empresa, Pedro Perdigão. “Sobre a eficiência, importa lembrar que os consumidores e os municípios (são também concedentes, logo, clientes) beneficiam sempre de maior concorrência num setor em que exista um regulador ativo e com poder”, resume. De resto, a Indaqua aponta vários fatores no atual modelo que podem afastar a concorrência e que “devem ser repensados”. “Desde logo, não pode permitir-se o incumprimento dos prazos dos contratos, que mantêm os concessionários em operação sem os necessários concursos para renovação”, realça o gestor. A “agregação da iluminação pública à rede de distribuição” e as “dimensões geográficas mínimas” das concessões são também “potenciais inibidores da concorrência”. Além disso, Pedro Perdigão espera que sejam reavaliadas as limitações à participação nos concursos, que exigem prévia qualificação. “As atuais limitações excluem todos os operadores menos um, já que implicam experiência de cinco anos na exploração de redes de baixa tensão, com uma dimensão de clientes não inferior a dois terços dos da área a concessionar”, nota.
Para aumentar a concorrência, defendem o envolvimento da Autoridade da Concorrência neste processo, uma maior “recorrência” nos concursos, “reduzindo os prazos de concessão” (mas acautelando “regras de valorização dos ativos no final da concessão claras e adequadas”) e que não seja nunca “pré-estabelecido administrativamente um número máximo de entidades”. “Num setor monopolista, uma saudável concorrência no acesso ao mercado será sempre o fator que trará maior eficiência e qualidade do serviço”, argumenta Pedro Perdigão.