
Critérios ambientais nos concursos para contratação de OGR beneficiam nos REEE instalações em Portugal
Ao abrigo das novas licenças de fluxos específicos, que entraram em vigor este ano, os concursos para a contratação de operadores de gestão de resíduos (OGR) têm de contemplar critérios mínimos, definidos pela Agência Portuguesa do Ambiente (APA) e a Direção-Geral de Atividades Económicas (DGAE), em que os requisitos ambientais para a adjudicação da melhor proposta pesam, pelo menos, 50%, além do preço.
No fluxo de resíduos de equipamentos elétricos e eletrónicos (REEE), já foram realizados dois concursos e aumentou a contratação de empresas portuguesas, apurou o Água&Ambiente Online. Contudo, a AEPSA - Associação das Empresas Portuguesas para o Setor do Ambiente entende que isto ainda é “insuficiente” para equilibrar a concorrência no mercado.
O cumprimento destes critérios está previsto no UNILEX, e os requisitos foram divulgados em abril. Entre as exigências ambientais, incluem-se a pegada ambiental relativa ao transporte ou a taxa de reciclagem alcançada no último ano, pelas entidades concorrentes, valores que têm de ser validados por entidades independentes. Os concorrentes também saem beneficiados se detiverem certificações baseadas em normas internacionais, como a CENELEC atribuída a instalações de tratamento de REEE, por via do WEEELABEX. Já em janeiro, os critérios foram revistos e densificadas algumas exigências: a auditoria dos critérios ambientais tem de envolver a visita às instalações e são explicitadas as evidências que devem ser solicitadas por entidades independentes para validação da pegada ambiental ou da taxa de reciclagem dos concorrentes.
Electrão entrega mais de 80% dos REEE a instalações em Portugal
No fluxo de REEE, o Electrão lançou, em novembro, um procedimento concorrencial para a seleção de OGR para os próximos três anos (2025-2027), com possibilidade de prorrogação até 2029. O concurso envolveu 18 lotes, tendo sido adjudicados serviços a 8 empresas de um total de 19 concorrentes, e qualificadas 10 empresas para adjudicações futuras, entre 14 candidatos.
“Temos a situação esclarecida para os próximos três a cinco anos”, observa Ricardo Furtado, Diretor-Geral do Electrão. A entidade gestora registou um aumento dos concorrentes e da contratação de empresas portuguesas. “Mais de 80% das quantidades foram atribuídas a instalações localizadas no território nacional”, concretiza. No plano financeiro, o concurso também “foi muito positivo”: nas categorias de REEE com preços de tratamento negativos (como os frigoríficos, os ecrãs e as lâmpadas), “houve uma diminuição do custo de tratamento” e nas categorias com valor de mercado positivo (como os equipamentos informáticos ou de pequenas dimensões), “houve uma tendência significativa para a melhoria dos preços de colocação”.
Ricardo Furtado considera “importante” que exista “uma estrutura base para nortear estes concursos” e os critérios definidos “positivos e equilibrados”. Contudo, para o Electrão, a certificação WEEELABEX “devia ser obrigatória” para as categorias perigosas de REEE e a entidade gestora exigiu este requisito nos seus concursos. “É um instrumento essencial de segurança de que aquela unidade está a ser bem operada”, justifica.
O Electrão fez também um esforço para “tornar o processo o mais independente e transparente possível”. Foi promovida uma “discussão prévia” com os interessados, colocou-se “uma entidade independente a executar todo o concurso” (KPMG) e constituiu-se uma comissão de acompanhamento, que inclui, além do Electrão, a ZERO e o escritório de advogados Marques Bom & Associados.
Os concursos decorreram “sem grandes sobressaltos”, avalia o gestor, ainda que tenha sido necessário repetir alguns leilões, porque “as plataformas informáticas de leilão que existem ainda não estavam totalmente ajustadas a estes leilões multicritério cada vez mais complexos”.
Também a ERP Portugal concluiu, no final de 2024, um concurso para a seleção de OGR para o ano de 2025. Foram colocados a concurso 17 lotes de subcategoria única, bem lotes one-off. Concorreram 19 empresas e foram qualificadas e contratadas 15.
Harmonizar critérios nas embalagens
Nas embalagens, o Electrão teve a decorrer, até 29 de janeiro, um procedimento para a retoma de papel/cartão no mês de fevereiro. A entidade gestora já tinha lançado, em 2024, concursos baseados nos novos critérios, mas “um ofício da APA” veio suspender esta aplicação até janeiro, esclarece Susana Ferreira, responsável da área de Operações de Gestão de Resíduos.
A partir de agora, a fase de qualificação das empresas e avaliação dos critérios ambientais será feita “uma vez por ano”, esclarece e, depois, “os leilões irão decorrendo no seu prazo normal”: com periodicidade mensal no papel/cartão e trimestral nos restantes materiais. A qualificação para os restantes materiais avança em março “no concurso do segundo trimestre”, diz.
Sendo este um fluxo onde existe concorrência, a entidade gestora defende ainda uma “definição mais objetiva de alguns critérios” por parte da APA e da DGAE. “Somos três entidades gestoras do SIGRE a aplicar os mesmos critérios e alguns deles têm uma interpretação um pouco subjetiva”, justifica Susana Ferreira, dando como exemplo os documentos que têm de ser entregues para validar critérios como a taxa de reciclagem. As alterações feitas em janeiro “já resolvem” algumas preocupações, admite, “mas alguns critérios poderão ficar ainda mais claros”.
A Novo Verde também tem previstos dois leilões, agendados para 30 de janeiro, para a retoma de embalagens de papel/cartão no mês de fevereiro.
Já a Sociedade Ponto Verde incluiu, em novembro, os critérios mínimos nas condições de participação nos concursos, prevendo a celebração prévia de contratos-quadro com os OGR interessados, segundo a informação no site da entidade. Em dezembro, foram realizados 26 leilões para retoma de materiais durante o primeiro trimestre de 2025 e de papel/cartão no mês de janeiro, que envolveram 51 concorrentes, resultando em 39 contratos.
No fluxo de baterias, Ricardo Furtado antecipa que, “no segundo trimestre” do ano, possa avançar a qualificação dos operadores. Contudo, não existindo empresas em Portugal que reciclem grande parte das categorias abrangidas, pretendem aferir com a APA “de que forma podemos ajustar estes critérios a uma consulta mais internacional”.
AEPSA considera evolução positiva, mas insuficiente
Do lado das empresas, o privilégio dado a critérios ambientais na avaliação dos concorrentes “é um aspeto positivo”, avalia o presidente da AEPSA, Eduardo Marques, “porque o preço não diz tudo, ou, muitas vezes, diz muito pouco”. Mas não é suficiente.
Por um lado, a associação não entende porque é que as entidades gestoras, “que são financiadas pelo ecovalor”, para cumprimento da responsabilidade alargada do produtor nos vários fluxos, não estão sujeitas ao Código dos Contratos Públicos (CCP). “Por razões de transparência e da concorrência, deviam estar abrangidas”, sublinha Eduardo Marques, dado que, nos concursos lançados ao abrigo do CCP, “há uma transparência total”. “Há entidades gestoras que fazem os concursos de forma mais transparente e outras mais opaca”, avalia o presidente da AEPSA, que entende que o procedimento devia ser “uniforme”, em todos os fluxos.
Já para o Electrão, a questão está clara na lei. “O CCP aplica-se a entidades públicas e o Eletrão é uma associação privada, assim como as outras entidades gestoras”, contrapõe Ricardo Furtado, e, “como tal, deve reger-se pelo enquadramento legal definido, que não é do CCP”.
A exportação de resíduos para outros países - em particular, para Espanha - é outra questão que preocupa as empresas e que está longe de estar resolvida com a aplicação de novos critérios ambientais. Apesar de reconhecer que “o mercado é aberto”, o dirigente da AEPSA salienta que as empresas dos dois países não estão “nas mesmas circunstâncias”. “Em Portugal, a deposição em aterro é cerca de 200 euros, em Espanha, não chega a 50”, ilustra, o que torna “muito mais barato exportar para Espanha”. As exigências ambientais, “em determinados fluxos e materiais”, também são diferentes. No fluxo de veículos em fim de vida, por exemplo, a APA classificou como perigosa uma fração de plásticos, que “não é considerada perigosa” em Espanha e isto “vai introduzir um custo muito acrescido no destino final daquele resíduo”. “A concorrência é saudável, mas com regras iguais para todos”, resume Eduardo Marques. A AEPSA defende ainda que haja “um controle efetivo” dos resíduos “até ao destino final”, e “em situações em que há um desequilíbrio total de valores”, que sejam ponderados “incentivos”. “Há situações que têm de ser corrigidas, porque senão o mercado nacional desaparece”, avisa.
Além disso, Eduardo Marques recorda ainda que, em alguns fluxos, as entidades gestoras estão “muito distantes” das metas de recolha e, por esse motivo, “o material disponível para concurso é manifestamente insuficiente para dar trabalho às entidades que se prepararam para isso”. É o caso dos REEE, ilustra, que apresenta “um desvio de 80%” dos objetivos ambientais.