
ERSAR trabalha no mecanismo de alocação e compensação para viabilizar a colaboração entre SGRU e entidades gestoras no SIGRE
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A alteração ao regime jurídico dos fluxos específicos de resíduos (UNILEX), promovida em março de 2024, abriu a possibilidade de uma maior colaboração entre os Sistemas de Gestão de Resíduos Urbanos (SGRU) e as entidades gestoras, no fluxo de embalagens. Contudo, a Entidade Reguladora dos Serviços de Águas e Resíduos (ERSAR) revelou ao Água&Ambiente Online que os acordos diretos entre estas partes podem “colidir com o mecanismo de alocação e compensação”, estando o regulador, neste momento, a trabalhar neste mecanismo, com os contributos dos intervenientes do setor, de forma a facilitar as interações sem afetar a concorrência.
A última alteração ao UNILEX representou uma viragem importante no setor dos resíduos, ao permitir que as entidades gestoras (EG) de embalagens possam celebrar acordos com municípios ou SGRU, tendo em vista financiar projetos que incrementem a recolha e o tratamento dos materiais recolhidos. Apesar desta nova perspetiva, a ERSAR considera que os acordos diretos entre os dois comportam o risco de possibilitar que as EG do SIGRE - Sistema Integrado de Gestão de Resíduos de Embalagens transfiram valor para os SGRU por outra via que não os valores de contrapartida, podendo “realmente colidir com o mecanismo de alocação e compensação, aplicável aos fluxos em concorrência”. Segundo o regulador, esta situação “requererá da ERSAR uma atenção regulatória acrescida, de forma a não se desvirtuar a definição dos valores de contrapartida” e o correto funcionamento deste mecanismo, que assegura que os encargos financeiros e operacionais sejam distribuídos de forma justa.
Regulador considera que acordos diretos entre EG e SGRU podem “colidir com o mecanismo de alocação e compensação”
Esta preocupação centra-se, segundo a ERSAR, na preservação do equilíbrio do mercado e na garantia de que as responsabilidades de cada interveniente sejam cumpridas rigorosamente, bem como em não desvirtuar a “saudável concorrência entre os agentes do mercado”.
Este risco não se coloca no desenvolvimento de projetos conjuntos noutros fluxos, como os Resíduos de Equipamentos Elétricos e Eletrónicos (REEE) ou baterias, esclarece o regulador.
Promover a cooperação, sem afetar a concorrência
Reconhecendo que a estas parcerias são importantes para serem alcançadas as exigentes metas de recolha a que Portugal está vinculado, a ERSAR está a trabalhar o mecanismo de alocação e compensação, com os contributos dos intervenientes do setor, no sentido de “facilitar as interações entre as EG do SGRU e do SIGRE, de modo a promover a colaboração entre os diversos agentes nos momentos certos, sem afetar a concorrência”.
Para a ERSAR, neste processo, é fundamental acautelar a manutenção do “pagamento de valores de contrapartida condizentes com o nível de serviço exigível a cada fase” e “a cobrança de prestações financeiras em que são aplicados princípios de ecomodelação, de modo a onerar o custo do produto/embalagem com maior impacto negativo sobre o ambiente”. Tais princípios visam não só a transparência, mas também a sustentabilidade dos investimentos que se pretendem dinamizar com os novos acordos.
Segundo a última versão do UNILEX, a ERSAR ficará responsável pela definição do mecanismo de alocação e compensação para o fluxo de embalagens e, no final de janeiro, o regulador deu início a este processo, solicitando o envio de contributos dos interessados.
Rigidez regulatória limita potencial
Ricardo Furtado, Diretor-Geral do Electrão, defende que, embora a alteração legal permita, em teoria, uma cooperação mais estreita, a prática revela entraves significativos. Nas suas palavras, “a experiência que o Electrão tem tido evidência que ainda existem muitos bloqueios à livre colaboração entre os diferentes agentes do setor e que esses bloqueios concorrem para que se separem e se reciclem menos resíduos”.
Do ponto de vista de Ricardo Furtado, essas limitações decorrem da “carga regulatória” e da “interpretação altamente restritiva que as entidades fazem dessa mesma regulação”. E esta rigidez regulatória “não permite libertar o potencial dos agentes que nele participam”.
As limitações à cooperação decorrem da "carga regulatória" e da "interpretação altamente restritiva que as entidades fazem dessa mesma regulação"
Para o Electrão, se o setor pretende aproximar-se dos objetivos do PERSU 2030, é urgente que o quadro regulatório seja catalisador do investimento que é preciso para as diferentes infraestruturas de gestão de resíduos. “É impensável estarmos a realizar um novo estudo para determinar valores de contrapartida para SGRU daqui a um par de anos. Essa perspetiva é inimiga do próprio investimento por ampliar muito o cenário de risco de retorno que os valores de contrapartida permitem”. Assim, na sua visão, municípios/sistemas de gestão de resíduos urbanos e entidades gestoras devem alinhar-se quanto aos investimentos e ao modelo de operação dos diferentes sistemas de reciclagem de embalagens, elétricos e até pilhas. “Eventualmente, ter-se-á de abandonar o processo hoje existente de relação de todas as EG do SIGRE com todos os municípios/SGRU. É necessário fomentar relações diretas (…) livremente estabelecidas para preparar o investimento e a operação que o PERSU2030 exige”, sugere Ricardo Furtado.
Neste campo, o Electrão desenvolveu um projeto, em 2023, que consistiu na análise dos processos dos TMB (tratamento mecânico e biológico) de vários sistemas, visando identificar frações com potencial de recuperação. Durante o estudo, verificou-se que, apesar de o universo dos resíduos urbanos ser vasto, nas frações dos TMB surgem materiais como pilhas e vidro que são depositados erradamente no lixo comum, mas que podem ser recuperados e reciclados. O projeto identificou oportunidades de recuperação desses materiais e propôs um processo técnico de separação a nível nacional. “Embora não sejam relevantes em termos mássicos e económicos para os sistemas de gestão de resíduos urbanos, a separação eficaz de pilhas, vidro e pequenos equipamentos elétricos é essencial para EG como o Electrão”.
É necessária “maior colaboração entre todas as partes”
A Sociedade Ponto Verde (SPV) tem também desenvolvido iniciativas que fomentem a parceria com outros intervenientes. Ana Trigo Morais, CEO da SPV, assegura que a entidade gestora “está ao lado de toda a cadeia de valor da reciclagem”, desde o início. Para continuar “a ajudar o SIGRE a evoluir e a ser mais eficiente” é necessária “uma maior articulação e colaboração entre todas as partes”, sustenta.
São várias as iniciativas em que a SPV participou. Por exemplo, lembra Ana Trigo Morais, o “inovador sistema de baldeamento assistido com foco no vidro” — o único material de embalagens em Portugal que, até à data, não cumpre as metas europeias de reciclagem. Este projeto, testado com a Resinorte, Lipor, Cascais Ambiente e Algar, obteve “aumentos significativos” na retoma de vidro, refletindo o potencial de parcerias que transcendem os obstáculos regulatórios.
Ana Trigo Morais afirma ainda que a SPV está disponível para continuar a colaborar com o SIGRE aportando “inovação” e garantindo “articulação” entre os diferentes intervenientes da cadeia de valor.
A contribuição dos cidadãos
Já Paulo Praça, Presidente da ESGRA - Associação para a Gestão de Resíduos, aponta a falta de confiança entre as partes como um dos obstáculos que impedem uma maior cooperação. E salienta que “uma maior comunicação e conhecimento sobre os constrangimentos verificados nos processos de recolha e triagem” são medidas essenciais.
O Presidente da ESGRA enfatiza que sendo os resíduos urbanos produzidos pela população, as pessoas podem e deveriam “assumir um papel determinante na melhoria do desempenho do setor”. Nesta linha, a ESGRA defende a implementação de “ferramentas sociais baseadas em estudos e critérios identificados pelas ciências sociais e humanas” para promover uma mudança real no comportamento da sociedade em matéria de separação e gestão de resíduos. Segundo Paulo Praça, tal mudança teria um efeito determinante na diminuição do nível de contaminação de resíduos que impedem a maximização da sua valorização enquanto recursos, permitindo deste modo contribuir para o aumento das taxas de reciclagem.
Embora reconheça a existência de exemplos de boas práticas no âmbito de parcerias, lamenta que, “por vezes, não tenham a divulgação necessária de modo a serem amplamente conhecidas e replicadas”, o que dificulta a adoção em larga escala de projetos colaborativos que podiam transformar o desempenho do setor.