
Integração na Águas do Douro e Paiva: não há consenso entre os municípios, mas Governo garante sucesso da operação
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A integração de nove municípios no sistema multimunicipal de abastecimento de água, gerido pela Águas do Douro e Paiva, do grupo Águas de Portugal, tem gerado polémica, com algumas autarquias a denunciarem a falta de transparência no processo e a manifestarem reservas quanto à adesão. Já o Ministério do Ambiente e Energia (MAEN) assegura ao Água&Ambiente Online que a iniciativa foi conduzida com a devida auscultação das autarquias e que está assegurado o sucesso da operação.
O processo destinado a reconfigurar a gestão dos recursos hídricos no sul do Grande Porto foi aprovado em Conselho de Ministros, a 7 de março, através de um decreto-lei, que prevê a integração dos municípios de Mangualde, Nelas, Oliveira de Frades, Penalva do Castelo, São Pedro do Sul, Sátão, Vale de Cambra, Viseu e Vouzela no sistema gerido pela Águas do Douro e Paiva.
A integração visa reforçar a resiliência hídrica de uma região que, em 2017, enfrentou uma grave crise no abastecimento de água. Em complemento, tinha já sido anunciada a construção de uma nova barragem em Fagilde, com um investimento estimado em 30 milhões de euros, para colmatar as limitações da infraestrutura atual e evitar episódios recorrentes de escassez.
Municípios da região de Viseu dividem-se
Apesar de a aprovação do diploma pela tutela incluir os 9 municípios da região, a integração na Águas do Douro e Paiva ainda não está consensualizada com todos eles.
A Câmara Municipal de Mangualde, por exemplo, critica duramente a ausência de compromissos documentados e a falta de rigor na comunicação. Em declarações ao Água&Ambiente Online, o município afirmou não possuir qualquer documento da Águas do Douro e Paiva que “sustente ou permita tomar uma decisão sobre a adesão do município ao sistema”, apesar de os ter começado a pedir há três anos. Em vez disso, apenas recebeu “promessas de tarifários baixos e uma narrativa muito pouco coerente no discurso dos responsáveis deste sistema” como justificação para a adesão. “Todo o processo tem sido muito pouco transparente (…). Não assinamos cheques em branco pela gestão da nossa água”, defende a autarquia mangualdense.
A falta de documentação é apontada como um fator decisivo para a rejeição do sistema, que, segundo a autarquia, carece de qualquer base técnica sólida que justifique a alteração do modelo de gestão hídrica. Para o município, a situação agravou-se com a imposição do projeto sem consulta prévia: “(…) o projeto de Decreto-Lei foi uma ‘surpresa’ para nós. Não fomos ouvidos na sua construção como parte integrante do seu articulado, nem foi sequer respeitado o prazo de consulta prévia aos municípios, num claro desrespeito pelo poder local e pela nossa autonomia”. Segundo a autarquia, esta prática tem sido “um hábito neste processo”.
“Todo o processo tem sido muito pouco transparente (…)”, garante o município de Mangualde. “Não assinamos cheques em branco pela gestão da nossa água”
Além disso, o município acusa o Governo de usar a barragem de Fagilde como um "Cavalo de Troia", transferindo-a para as Águas de Portugal por decreto, com o intuito de assumir o controlo do sistema de abastecimento de água para consumo humano.
Face a esta situação, a Câmara Municipal de Mangualde instou o MAEN a apresentar os estudos que sustentam este Decreto-Lei e solicitou ao Presidente da República o veto do diploma, considerando-o “ferido de constitucionalidade porque o município de Mangualde não foi ouvido”.
Em sentido oposto, o Presidente da Câmara Municipal de Viseu, Fernando Ruas, garante que o município foi consultado pelo Governo para se pronunciar sobre o Decreto-Lei recentemente aprovado em Conselho de Ministros, tendo respondido dentro do prazo estabelecido. A autarquia também é favorável à integração do abastecimento em alta no subsistema das Águas do Douro e Paiva e destaca que esta solução resultou de um estudo solicitado pelos municípios à entidade do grupo AdP para identificar a melhor alternativa para a região. Segundo o município, trata-se da opção "mais económica, mais rápida e que melhor serve os municípios envolvidos", tendo todo o processo decorrido de forma aberta e transparente.
Outros municípios da região já vieram expressar diferentes posições, nomeadamente na imprensa regional, relativamente à adesão ao sistema. Oliveira de Frades garante que, para já, não integrará o sistema, mas não exclui essa possibilidade no futuro. Penalva do Castelo condiciona a adesão à obtenção de uma compensação pelos investimentos realizados na década de 80. Já Nelas mantém a sua pré-adesão, mas subordina a decisão final à análise de viabilidade económica prevista no próprio diploma.
“O sucesso da operação não está em causa”
Contactado pelo Água&Ambiente Online, o Ministério do Ambiente e Energia (MAEN) assegura que o alargamento do sistema de abastecimento de água em alta à região de Viseu, incluindo a interligação das atuais origens em Lever e Fagilde, “foi amplamente divulgado e participado por todos os intervenientes”. A tutela destaca que a Águas do Douro e Paiva promoveu 24 reuniões com os municípios envolvidos, contando com a participação de técnicos, administradores do Grupo Águas de Portugal, presidentes de Câmara e vereadores. O processo foi também objeto de parecer da ERSAR - Entidade Reguladora dos Serviços de Águas e Resíduos, tendo a solução merecido acolhimento.
Além disso, reforça o MAEN, todos os municípios, tanto os já integrados como os potenciais aderentes, foram notificados para se pronunciarem sobre a adesão, tendo a “esmagadora maioria” manifestado interesse. Dessa forma, com “as adesões firmes já conhecidas, o sucesso da operação não está em causa”, assegura o Ministério.
“O alargamento do sistema de abastecimento de água em alta à região de Viseu (…) foi amplamente divulgado e participado por todos os intervenientes”, assegura o Ministério do Ambiente e Energia
Os próximos passos incluem a abertura de um processo negocial para definir as condições de integração e utilização do sistema de água em alta na região, através da Águas do Douro e Paiva, em articulação com cada município, garantindo sempre a “vontade de cada autarquia” e a “autonomia das suas decisões”, esclarece ainda a tutela.
O Ministério sustenta que, independentemente da adesão imediata, a decisão reforça a qualidade do serviço público, ajudando a evitar crises como as ocorridas em Fagilde. Relativamente à gestão da nova barragem, sublinha que o objetivo principal é garantir um abastecimento robusto e eficiente e que, mesmo os municípios que optem por não integrar o sistema de imediato, não serão prejudicados.
Esta não é a primeira vez que o projeto de alargamento do sistema de Águas do Douro e Paiva à região de Viseu é posto em causa. Em 2024, Pedro Perdigão criticava o que considerava um exemplo de “má engenharia civil e ambiental e má engenharia financeira”, tendo o CEO da Indaqua voltado a abordar o tema no episódio mais recente do podcast sobre Água do Água&Ambiente Online. Em resposta, António Borges, presidente da Águas do Douro e Paiva, salientava, à data, os benefícios de uma gestão integrada para otimizar a distribuição de água e reforçar a resiliência hídrica.