Crise nos aterros de resíduos industriais não perigosos põe em risco setor empresarial, avisa APERA
resíduos

Crise nos aterros de resíduos industriais não perigosos põe em risco setor empresarial, avisa APERA

Muito em breve, só a assinatura do Jornal Água&Ambiente Online garantirá a sua leitura.

Não perca a melhor informação sobre Energia, Resíduos e Água. Assine aqui.

Apoie a informação plural e independente.

O esgotamento dos aterros para resíduos industriais não perigosos ameaça comprometer o sistema de deposição final e a sustentabilidade de muitas empresas. O alerta é lançado por Celso Rocha, presidente da Associação Portuguesa de Empresas de Resíduos e Ambiente (APERA), que, em declarações ao Água&Ambiente Online, descreve uma “situação de emergência” face à saturação da capacidade instalada no país.

O Plano de Ação TERRA - Transformação Eficiente de Resíduos em Recursos Ambientais, recentemente apresentado pelo Governo, reconhece o “elefante na sala” e destaca a crescente pressão sobre estes aterros - a par do que sucede com as soluções de deposição final para resíduos urbanos - mencionando unidades que já atingiram ou ultrapassaram os seus limites. Segundo o documento, dos 11 aterros licenciados para resíduos não urbanos (RNU) no continente, quase metade (cinco) encontra-se em situação crítica. Dois já esgotaram a sua capacidade - Beja (Biosmart) e Setúbal (CITRI) - e três estão encerrados ou com atividade suspensa - Aveiro (CITRAVE), Lousada (RIMA) e Azambuja (Triaza). Em Beja, o Governo assinala mesmo uma situação prioritária, alertando para a falta de alternativas no sul do país.

Para a APERA, os problemas apontados ilustram uma realidade mais vasta, que afeta “todos os aterros de resíduos não perigosos (RNP), atualmente com capacidades disponíveis abaixo de 30% ou próximas deste limiar”. A paragem dos aterros em Lousada, Aveiro e Azambuja agrava ainda mais a pressão sobre as infraestruturas restantes.

Empresas sem soluções

A escassez de capacidade nos aterros está a comprometer a atividade industrial. A APERA alerta que “muitas empresas já não têm soluções para os resíduos”, dado que “não há alternativas para o tratamento a montante, nas zonas onde estão instaladas”. Esta limitação torna os custos de deposição incomportáveis, refletindo-se no preço final ao consumidor. Com a redução de opções a nível nacional, “a curto-médio prazo, muitas indústrias e até empresas de gestão de resíduos terão de optar pela exportação dos mesmos”, afirma Celso Rocha. Este cenário ameaça a competitividade da indústria nacional. “Se não resolvermos esta questão, a sustentabilidade de muitas empresas estará em risco, pois não conseguirão competir com os produtores estrangeiros, que encontram, nos seus países, uma resposta”.

“O desinvestimento em soluções de tratamento de resíduos, no qual se incluem os aterros, corresponde a um condicionamento intolerável da atividade industrial e comercial em Portugal”, alerta Celso Rocha, presidente da APERA

A APERA salienta que o setor dos resíduos é estratégico para a economia e para a transição climática. “O desinvestimento em soluções de tratamento de resíduos, no qual se incluem os aterros, corresponde a um condicionamento intolerável da atividade industrial e comercial em Portugal”, avalia a associação. “Não estamos a dizer que os aterros são a solução preferencial, contudo, devem fazer parte de uma solução sustentável e pensada, porquanto vão existir sempre resíduos em que não será possível a sua reciclagem e valorização”, acrescenta Celso Rocha.

Uma equação complexa e urgente

A ausência de políticas claras, aliada à dificuldade em licenciar novos aterros ou ampliar os existentes, está na origem da situação crítica que o país enfrenta no tratamento de resíduos, alerta a APERA. O risco do “reaparecimento das lixeiras” e os consequentes impactos ambientais e na saúde pública são cada vez mais reais. Esta realidade decorre, em grande parte, da “relutância dos municípios, através de fenómenos NIMBY (Not In My Backyard)”, que condicionam fortemente a política local.

Apesar da importância de definir critérios rigorosos na construção e operação de aterros, essenciais para proteger o ambiente e a saúde, a dependência do licenciamento da vontade do poder local tem atrasado a implementação de soluções. “Os licenciamentos de infraestruturas estruturantes do país não podem estar dependentes de vontades várias”, afirma Celso Rocha.

A APERA sublinha que os aterros, enquanto infraestruturas de “serviço público”, são tão relevantes para o bem-estar da população e o desenvolvimento nacional como hospitais ou escolas, além de serem indispensáveis à atividade industrial. Nesse sentido, considera “necessária e urgente” uma maior intervenção do Governo, que permita acelerar os licenciamentos e promover o entendimento entre administração central, municípios e empresas do setor.

Aterros suspensos: os casos de Aveiro e Azambuja

Para conhecer a posição dos municípios envolvidos em conflitos com empresas gestoras de aterros, o Água&Ambiente Online contactou as câmaras municipais de Aveiro e da Azambuja.

José Ribau Esteves, presidente da Câmara de Aveiro, afirmou que a autarquia agiu em defesa do interesse público, destacando que o projeto da CITRAVE não avançou devido a falhas no licenciamento, como a ausência de projetos obrigatórios e a falta de prova da legitimidade dos terrenos. Em 2017, a empresa apresentou um novo pedido, reconhecendo a inviabilidade do anterior, o que resultou na caducidade do licenciamento original em 2018. O autarca frisou que essa decisão não foi um bloqueio, mas sim uma medida necessária para cumprir exigências legais e técnicas.

Ribau Esteves salientou ainda que a oposição municipal assenta em preocupações com “a proteção ambiental, o ordenamento do território e a qualidade de vida das populações”. Destacam-se a localização inadequada do aterro, a apenas 220 metros de um aglomerado urbano e a 100 metros da Ribeira da Horta, inserida no ecossistema sensível do Baixo Vouga Lagunar. Outras preocupações da autarquia incluem a sobrecarga de resíduos na região, impactos logísticos e sociais pela falta de acessos rodoviários dedicados, o aumento do tráfego pesado e a ausência de conduta específica para águas residuais da Unidade de Tratamento Mecânico e Biológico (UTMB).

A Câmara Municipal de Azambuja, por seu lado, declarou a caducidade do licenciamento do aterro da Triaza, devido ao incumprimento da calendarização da empresa para a construção das células e à desconformidade do novo pedido com o Plano Diretor Municipal (PDM). A autarquia levantou questões de ordenamento do território, uma vez que o aterro está situado perto de zonas sensíveis, como áreas residenciais e furos de captação de água para consumo humano, e sobre uma falha tectónica. A localização é incompatível com o PDM, que classifica a área como “Espaços de Indústria Extrativa”, onde só são permitidas indústrias dessa natureza. A câmara considera que tal situação compromete o bem-estar da população e o equilíbrio ambiental da região, além de violar o plano.

Os municípios de Aveiro e Azambuja defendem soluções alternativas para tratar os resíduos 

Ambos os municípios defendem uma abordagem mais moderna e sustentável na gestão de resíduos. Aveiro propõe a construção de uma incineradora noutro ponto da região Centro para tratar a fração resto dos resíduos. A autarquia de Azambuja, por sua vez, apela a “alternativas modernas, alinhadas com as melhores práticas internacionais”, como sistemas avançados de tratamento e políticas que promovam a separação eficiente de resíduos na origem.

Governo reconhece problemas, mas soluções levantam dúvidas

O Plano de Ação TERRA representa, para a APERA, o reconhecimento “de um problema que se encontrava ignorado há vários anos”. Embora considere a iniciativa um “passo importante”, alerta para o longo caminho que falta percorrer, questionando a sua operacionalização.

Uma das soluções apontadas para o tratamento da fração resto, a construção e entrada em funcionamento de incineradoras, poderá demorar mais de cinco anos e, durante este período de transição, torna-se crucial “assegurar que os sistemas para tratamento de RNP não entram em rutura”. Isto porque, para a APERA, garantir “a continuidade das soluções de aterro nos próximos anos é essencial para o crescimento económico do país”.

Topo
Este site utiliza cookies da Google para disponibilizar os respetivos serviços e para analisar o tráfego. O seu endereço IP e agente do utilizador são partilhados com a Google, bem como o desempenho e a métrica de segurança, para assegurar a qualidade do serviço, gerar as estatísticas de utilização e detetar e resolver abusos de endereço.