
Em 2023, ainda havia juntas de freguesia a gerir serviços de água em 27 concelhos, mas ERSAR relata “avanço significativo” em 2024
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Desde 2009 que o regime jurídico dos serviços municipais de abastecimento público de água prevê a progressiva extinção das situações em que este serviço é prestado por freguesias ou associações de utilizadores, mas em 2023, ainda havia zonas de abastecimento geridas desta forma na área de intervenção de 23 entidades gestoras de serviços de água em baixa, revelam os dados de base do último Relatório Anual dos Serviços de Águas e Resíduos em Portugal (RASARP), divulgado no final de fevereiro. Segundo as contas do Água&Ambiente Online, esta situação abrangia 27 municípios e 111 freguesias (ver tabela).
Em agosto de 2023, com a publicação do novo regime jurídico da qualidade da água destinada ao consumo humano, esta exigência foi reforçada, clarificando-se que, nos casos em que não tenha ainda ocorrido a transferência deste serviço por parte das freguesias ou associações de utilizadores, estas infraestruturas seriam transferidas para os municípios, mediante o pagamento de uma indemnização, a partir de 1 de janeiro de 2024.
“Avanço significativo” em 2024, garante ERSAR
Questionada pelo Água&Ambiente Online, a Entidade Reguladora dos Serviços de Águas e Resíduos (ERSAR) não forneceu dados concretos sobre quantas juntas de freguesia estão, atualmente, mais de um ano após o prazo estipulado no decreto-lei n.º 69/2023, de 21 de agosto, a fornecer água para consumo humano, mas o regulador assegura que, deste a publicação deste diploma, houve “um avanço significativo na transferência da responsabilidade pelo controlo da qualidade da água para consumo humano para as entidades gestoras responsáveis naquela área territorial”, citando como exemplos de “algumas destas situações recentes” as registadas “nas áreas geográficas geridas pela Águas do Alto Minho, Águas da Região de Aveiro, Águas do Norte, Águas do Planalto, Águas Públicas da Serra da Estrela, Águas da Covilhã, Município de Arganil, entre outros”.
Segundo os dados do último RASARP, na área de intervenção destas entidades, havia, em 2023, 29 juntas de freguesia a gerir o serviço de abastecimento, abrangendo 10 municípios.
Esta não é, de resto, a primeira vez que é fixado um prazo na legislação para a extinção destes sistemas autónomos: no diploma de 2009, antecipava-se que este processo ficaria concluído em 2015. “A ERSAR tem promovido, ao longo da última década, contactos com as entidades gestoras municipais para que seja centralizada nelas a gestão do abastecimento público de água nas respetivas áreas geográficas”, esclarece o regulador, salientando que, “desde 2020, o reporte dos programas de controlo de qualidade da água (PCQA) vinha já sendo feito pelas entidades responsáveis em cada município”.
Fonte: Dados de base do RASARP 2024 (publicado em fevereiro de 2025). Nota: na informação reportada à ERSAR, algumas entidades gestoras identificam zonas de abastecimento, que correspondem a povoações e não a freguesias, pelo que foram identificadas e quantificadas as respetivas freguesias, assim como os concelhos abrangidos, no caso de entidades que atuam em vários municípios.
Uma década de avanços e recuos
Sobre a evolução registada na última década na transferência desta gestão para os municípios, o regulador remete para os relatórios publicados. Estes relatórios, relativos ao período entre 2015 e 2023, revelam dados pouco comparáveis, também porque, nos primeiros anos, o regulador ainda admitia que os municípios, por via da delegação de competências, transferissem para as freguesias tarefas inseridas no âmbito das suas atribuições (de acordo com o regime jurídico das autarquias locais, publicado em 2013). De facto, até 2019, a ERSAR continuou a aprovar os PCQA submetidos por juntas de freguesia, desde que tivessem um protocolo de delegação de competências e os dados de base dos relatórios desse período referem-se a juntas de freguesia que prestam o serviço ao abrigo de um protocolo/contrato.
O grau de informação do regulador sobre a prevalência destas situações também parece ter evoluído ao longo da década. Assim, por exemplo, em 2015, tinham sido aprovados 41 PCQA de juntas de freguesia ou associações de utilizadores relativos a situações de delegação de competência, 78% das quais formalizadas por protocolo (segundo o volume 2 do RASARP de 2016), e estavam identificadas 43 juntas de freguesia ou associações de utilizadores a atuar em 10 concelhos, servindo 34 mil habitantes (segundo o volume 1 do mesmo relatório). Dois anos depois, em 2017, já se assinalava a existência de 61 juntas a fornecer água para abastecimento, em 9 concelhos, abrangendo 41 mil pessoas. Este valor foi baixando até 2019: o RASARP de 2020 referia a existência de 48 juntas de freguesia a atuar em 7 concelhos e o volume 2 registava a submissão de 47 PCQA por juntas com protocolo e mais 9 PCQA entregues por entidades sem contrato interadministrativo ou protocolo.
Mas esta informação não correspondia a uma fotografia completa da realidade. No relatório de 2021, a ERSAR anunciava que “após um novo levantamento exaustivo de informação” sobre estas situações, e enquanto autoridade competente para a qualidade da água destinada ao consumo humano, não tinha aprovado para o ano de 2020 nenhum dos PCQA submetidos por juntas de freguesia, com ou sem contrato interadministrativo ou protocolo de delegação de competências, “por essas situações não respeitarem o quadro jurídico vigente, sendo integrados nos PCQA da entidade gestora a operar no concelho”. Os dados de base desse relatório evidenciavam uma situação bem mais disseminada: eram listadas situações nas áreas de intervenção de 26 entidades gestoras de serviços de água, que, segundo as contas do Água&Ambiente Online, abrangiam 31 concelhos e 138 juntas de freguesia.
Nos anos seguintes, para os quais existem dados publicados, ou seja, até 2023, esse valor baixou ligeiramente, passando a abranger 27 concelhos e 111 freguesias.
Riscos acrescidos
“Tipicamente, os “sistemas autónomos” ainda operacionalizados no terreno por juntas de freguesia correspondem a zonas de abastecimento pequenas, localizadas essencialmente na região norte e centro do país”, observa a ERSAR, na resposta às questões do Água&Ambiente Online. “São situações em que as partes envolvidas (municípios, freguesias/associações de utilizadores, entidades gestoras) não conseguiram chegar a um acordo para a transferência efetiva da responsabilidade das infraestruturas, mantendo-se as juntas de freguesia, contrariamente ao disposto na legislação, a operar os sistemas de abastecimento de água no terreno e a contratar o fornecimento de água aos utilizadores, com riscos acrescidos em termos da qualidade da água para consumo humano, menores garantias da qualidade do serviço prestado e uma escala que não assegura a eficiência desejável”, contextualiza.
Para o regulador, a questão da escala é essencial também para a garantia da qualidade da água fornecida. “Nas zonas de abastecimento mais pequenas, que servem até 500 habitantes, o cumprimento da frequência de amostragem está situado entre 99,74%, enquanto nas zonas de abastecimento maiores, acima de 50 mil habitantes, este cumprimento é de 100%”, nota a ERSAR. O mesmo se verifica no cumprimento dos valores paramétricos: “apenas nas zonas de abastecimento mais pequenas, com menos de 500 habitantes, não foi atingida a meta de 99% estabelecida para o indicador água segura”.
Ainda assim, o regulador faz notar que os casos com incumprimentos dos valores paramétricos em zonas de abastecimento operadas por juntas de freguesia, “ainda que com a monitorização da entidade gestora municipal, têm sido acompanhados pelas Autoridades de Saúde e pela ERSAR, e comunicados pela ERSAR ao Ministério Público”. E cita apenas um exemplo em que a entidade gestora não cumpriu a obrigação legal de incluir, no seu PCQA todas as zonas de abastecimento da sua área de intervenção, por falta de entendimento entre as entidades envolvidas. Esta situação verificou-se na ADIN - Águas do Interior Norte, no município de Torre de Moncorvo, nas zonas de abastecimento geridas pela União das Freguesias de Felgar e Souto da Velha, e no município de Freixo de Espada à Cinta, das zonas de abastecimento geridas no terreno pela Junta de Freguesia de Poiares, União de Freguesias de Lagoaça e Fornos e União das freguesias de Freixo de Espada à Cinta e Mazouco. “A ERSAR comunicou esta situação ao Ministério Público e, a pedido da AdIN, iniciou um processo de conciliação entre as partes”, esclarece o regulador. Também implementou campanhas de controlo da qualidade da água nessas zonas, para “assegurar a qualidade da água fornecida às populações”.
Alguns processos, nenhuma decisão final
A ERSAR tem ainda a autoridade para fiscalizar, instruir processos de contraordenação e aplicar coimas às entidades gestoras que não cumpram as disposições legais. Questionado pelo Água&Ambiente Online, o regulador esclarece que “relativamente a situações vigentes no passado, a ERSAR instaurou alguns processos relativos à falta de integração, por parte da entidade gestora designada pelo município, no seu PCQA de todas as zonas de abastecimento localizadas no seu território, incluindo os subsistemas autónomos ainda operados por freguesias ou associações de utilizadores”. No entanto, “estes processos encontram-se atualmente em fase de instrução, não tendo ainda sido proferidas decisões finais”, conclui a ERSAR.