
Esgotamentos de aterros: os 9 sinais vermelhos
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Os aterros sanitários em Portugal estão à beira da saturação, colocando em risco a gestão sustentável de resíduos urbanos. De acordo com o Plano de Ação TERRA - Transformação Eficiente de Resíduos em Recursos Ambientais, apresentado pelo Governo no passado dia 7 de março, dos 35 aterros existentes, apenas 13 apresentam capacidade disponível superior a 20% da sua lotação licenciada. Nove aterros estão numa situação muito crítica e podem atingir o esgotamento total já nos próximos dois anos: estão em causa os aterros de Braga (Braval), Fafe (Resinorte), Coimbra (ERSUC), do Fundão (Resiestrela), de Mato da Cruz (Valorsul), Palmela e Seixal (ambos da Amarsul), Portimão (Algar Barlavento), e Loulé (Algar Sotavento). O Água&Ambiente Online foi perceber o que se passa em cada um destes casos.
Aterros em estado muito crítico
Começando pelo Norte, uma das realidades mais alarmantes está no aterro de Braga, da Braval, que se prevê que esgote este ano. De acordo com os dados do último Relatório Anual dos Serviços de Águas e Resíduos em Portugal, referentes ao ano de 2023, este tinha ultrapassado já a capacidade prevista na licença, tendo atingido, nesse ano, uma utilização de 122,7%. Contactada pelo Água&Ambiente Online, a Braval afirmou que foi solicitada com urgência, e já está em curso, a realização do Estudo de Impacto Ambiental para a construção de uma nova célula. Entretanto, está a ser utilizada uma área de união das duas células existentes para a “colocação de resíduos em altura”. Para a diminuição das descargas durante este ano, a Braval “não autorizou as descargas de mistura de resíduos urbanos e equiparadas de algumas empresas grandes produtoras”.
Segundo este sistema de gestão de resíduos urbanos (SGRU), "a imposição legal de realização do estudo de impacto ambiental tem sido um fator determinante na demora do processo", bem como o atraso no reconhecimento de interesse público estratégico da utilidade pública municipal do alargamento.
Ainda no norte do país, a Resinorte, pertencente ao grupo EGF, enfrenta o problema mais premente com o aterro de Fafe, que pode atingir o limite da sua capacidade entre 2025 e 2026. A criação de um novo aterro naquela localidade foi bloqueada pelo município, impedindo soluções alternativas, estando “previstos estudos de viabilidade técnica para a expansão dos aterros existentes em Celorico de Basto e Boticas”, segundo a EGF. “No caso da Resinorte (…), ao longo do tempo, os vários processos de viabilização de aterros sanitários foram sistematicamente interrompidos, o que faz com que a situação esteja parada neste momento”, refere ainda a empresa.
No centro do País, o aterro de Coimbra, gerido pela ERSUC, que também integra o universo EGF, enfrenta risco de saturação já em setembro de 2025. De acordo com o concessionário, a empresa formalizou um pedido de aumento de cota junto da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional (CCDR) Centro, mas “o processo está condicionado pelos entraves burocráticos inerentes à legislação vigente, sendo ainda necessária uma Avaliação de Impacte Ambiental (AIA) para que o mesmo ocorra.” Contudo, contactada pelo Água&Ambiente Online, a CCDR Centro declarou que este aterro já esgotou a capacidade licenciada e que a entidade está a aguardar a submissão de um pedido de alteração ao licenciamento que consiste na reengenharia entre as duas células existentes, “tendo esta CCDR decidido, enquanto entidade licenciadora, que a alteração não requer AIA”.
Quanto ao caso do aterro de Coimbra, a EGF destacou também a “resistência por parte das populações e dos seus representantes locais quanto à localização e à atividade realizada por empresas que tratam e gerem os resíduos urbanos da região”.
Já a Resiestrela enfrenta um cenário crítico com o aterro do Fundão, necessitando de alterar o Título Único Ambiental (TUA) para assegurar a continuidade da operação até à conclusão do processo de licenciamento, prevendo-se que atinja a capacidade máxima entre 2026 e 2027.
"O setor encontra-se numa situação grave e o risco de colapso é real. Os procedimentos ambientais são complexos e demorados, e é crucial que sejam cumpridos sem atrasos, porque não temos tempo"
Na região de Lisboa e Vale do Tejo, os alertas soam sobretudo nos aterros do Seixal e de Palmela, geridos pela Amarsul, que poderão atingir a capacidade máxima até 2026, caso não sejam adotadas medidas corretivas. A ampliação do aterro do Seixal enfrenta forte oposição por parte do município e da população local, tendo sido interposta uma providência cautelar para o desenvolvimento de uma nova célula. No entanto, segundo a EGF, esta célula “tem uma pequena capacidade e não se perspetivam possibilidades de mais reengenharias, nem de possíveis expansões no terreno”. Também aqui, a EGF volta a destacar “o desafio da burocracia associada ao processo de licenciamento” dos aterros, sublinhando que, no caso do Seixal, qualquer expansão futura requer uma avaliação de impacte ambiental. A empresa alerta ainda para a morosidade destes processos, que “não estão ajustados, quanto ao fator tempo de realização, às necessidades de decisão mais urgentes que são necessárias nesta fase”.
Em Palmela, a única solução possível passa pela reengenharia da infraestrutura, aumentando a cota disponível, estando problemas administrativos a atrasar a respetiva ampliação.
A Valorsul enfrenta desafios semelhantes, com o aterro de Mato da Cruz a necessitar urgentemente de uma AIA para viabilizar uma capacidade adicional de 100 mil toneladas. A paralisação da incineração agrava mais o problema, reduzindo as opções disponíveis para o tratamento de resíduos.
Não menos preocupante é o quadro no Algarve, com os aterros de Portimão e Loulé a aproximarem-se rapidamente da saturação. Nas palavras da EGF, o aterro de Portimão “está em risco de esgotar em 2026” e o de Loulé "em risco de esgotar a capacidade existente antes de estar concluída” a AIA para a respetiva expansão. Embora a Algar tenha assegurado os terrenos para a expansão das infraestruturas, os processos de licenciamento e avaliação ambiental são demorados, dificultando a implementação de soluções eficazes a curto prazo.
“O risco de colapso é real”
Além de processos de licenciamento demorados e da resistência política e popular, a insuficiência de financiamento também constitui um problema preocupante. O setor enfrenta dificuldades económicas que comprometem a capacidade de investimento na melhoria e expansão dos aterros. Paulo Praça, presidente da ESGRA - Associação para a Gestão de Resíduos destaca que "a insuficiência de recursos financeiros é um dos maiores constrangimentos, sendo necessário um esforço e adoção de medidas de financiamento a nível nacional”.
Para mitigar esta crise, o Plano de Ação TERRA, apresentado pelo Governo, delineia um conjunto de medidas prioritárias, incluindo a agilização dos processos de licenciamento e de AIA, a reengenharia das capacidades dos aterros existentes para prolongar a sua vida útil e a identificação de soluções alternativas para evitar o colapso iminente dos aterros em condição mais crítica.
Paulo Praça sublinha a urgência na implementação destas medidas: "O setor encontra-se numa situação grave e o risco de colapso é real. Os procedimentos ambientais são complexos e demorados, e é crucial que sejam cumpridos sem atrasos, porque não temos tempo". E alerta: “É necessário adotar uma postura de resolução dos problemas com o pragmatismo e assertividade que a gravidade e seriedade da atual situação exige, e encontrar consensos em prol do interesse nacional e do bem coletivo”.