Grande Entrevista | Graça Carvalho: “Vai haver mais dinheiro para os resíduos”
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Grande Entrevista | Graça Carvalho: “Vai haver mais dinheiro para os resíduos”

Para aumentar a reciclagem e valorização de resíduos urbanos, o setor dos resíduos tem necessidades de investimento elevadas, a que acrescem os novos projetos previstos no plano de emergência para os resíduos, recentemente apresentado pelo Governo. A Ministra do Ambiente e Energia, Maria da Graça Carvalho, realça que, na reprogramação do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), ainda em negociação com Bruxelas, haverá mais financiamento para o setor. No entanto, a ministra acredita que, para alcançar resultados, há que mudar a cultura, e a grande campanha de sensibilização, a lançar em breve nos meios de comunicação, nacionais e locais, visa contribuir para isso.      

Esta é a segunda parte de uma grande entrevista realizada pelo Água&Ambiente Online à Ministra do Ambiente e Energia, centrada nas áreas da Água, Resíduos, Energia e Conservação da Natureza e Biodiversidade, que será publicada ao longo desta semana. 

O Governo apresentou um plano de emergência para os resíduos, tendo em conta o esgotamento iminente de aterros em várias regiões, que prevê um investimento de 2,1 mil milhões de euros. Nos últimos anos, a construção de novas células ou a ampliação de alguns aterros tem sido travada pela resistência de populações locais, às vezes das próprias autarquias. Como é que vão garantir que os investimentos previstos no plano avançam, de facto, no terreno?

Nós não vamos fazer novos aterros, isso já foi dito claramente.

Mas novas células, vai haver ampliações e é isso que tem sido travado.

A nossa primeira prioridade é reduzir a quantidade de resíduos. Nós temos de reduzir drasticamente a quantidade de resíduos que produzimos. É o primeiro ponto da estratégia que temos. Há uma campanha, em que lançámos um concurso internacional, para a redução [da quantidade de resíduos]. Depois, [prevemos] acordos com outros setores para reduzir os resíduos alimentares, [nomeadamente] com o setor da restauração de modo que as pessoas possam levar para casa aquilo que sobra e não deitar fora quando vão a um restaurante ou a um café. Este é um exemplo, mas [queremos] repetir este exemplo pelos vários setores para reduzir drasticamente a quantidade de resíduos. Isso é uma segunda questão. Depois, a reutilização. Em relação aos aterros, nós vamos tentar que as pessoas tenham consciência que temos de dar algum destino àqueles resíduos que não conseguimos diminuir. E temos tido contactos de algumas localidades em que a receção é maior, não para fazer novos aterros, mas para aumentar a dimensão daquilo que existe.

No plano, fala-se também em compensações. É uma estratégia que pretendiam adotar?

Sim, como fazemos nas energias renováveis, há compensações e também, nos resíduos, é uma das estratégias que estamos a pensar adotar.

Outra das prioridades elencadas no plano passa pelo reforço da capacidade de incineração, nomeadamente na Lipor e na Valorsul. Este aumento de capacidade leva tempo a ser concretizado e não estará disponível para dar resposta à emergência que o plano identifica. A ZERO, por exemplo, tinha identificado que seria possível, com o reforço do tratamento de mecânico biológico, desviar um milhão de toneladas de resíduos de aterro em três anos. Porque não foi privilegiada esta opção?  

Também está no nosso plano. A situação é tão drástica que precisamos de recorrer a tudo, também ao tratamento mecânico e biológico, à produção de biometano, compostagem, projetos inovadores. Tudo isso está no nosso plano. Portanto, reduzir, reciclar, aumentar a capacidade dos aterros que seja possível, fazer todo o conjunto de projetos que já foram aqui indicados e aquilo que resta, que não for possível [reciclar], vamos apostar em ter um reforço da capacidade da LIPOR e da Valorsul. E os CDR [combustíveis derivados de resíduos], a [sua] utilização em cimenteiras, sempre que possível também.

Também já estava previsto.

Já estava previsto e já tem sido utilizado. Nós temos de fazer uso de todas as nossas possibilidades e de todas as tecnologias para resolver este problema, porque, na verdade, nós temos, neste momento, a deposição de 59% dos resíduos em aterro e devíamos ter 10%. E está a aumentar. Este [valor de] 59% é de [20]23, em [20]22 era de 57%.

A nossa primeira prioridade é reduzir a quantidade de resíduos. Nós temos de reduzir drasticamente a quantidade de resíduos que produzimos

Mas o objetivo não é substituir por incineração.   

Sim, vamos reduzir o máximo possível e reciclar. Eu acho que, na redução, há aqui um potencial grande. Se cada um de nós se consciencializar que tem de reduzir e fazer esse exercício, consegue-se reduzir. Na Bélgica, conseguiu-se reduzir drasticamente aquilo que se produzia.

Não tem sido essa a tendência em Portugal.

Pois, mas foi uma grande campanha que eles fizeram e havia quase uma certa vigilância dos vizinhos em relação aos outros [sobre] aquilo que faziam com os resíduos, se alguém não cumpria as regras. Portanto, havia uma consciência geral de que era uma missão a cumprir. Eu acho que aqui não temos essa cultura ainda. Vamos criar, se calhar não com a força que lá tem, porque andava tudo um bocadinho a olhar [para] o que é que os vizinhos do lado faziam, mas temos de criar essa cultura de reduzir os resíduos que produzimos.

Também perspetivam a possibilidade de novas centrais de valorização energética no Centro e no Sul do País. Como é que se pretende financiar todas estas infraestruturas? Não será uma fatura um bocadinho pesada?  

Sim, mas isso é bastante a médio e longo prazo, não é? A curto prazo é isto: fazer uso das instalações existentes, aumentar a capacidade das instalações existentes.

Quando diz a médio e longo prazo, em termos de planeamento, isso é o quê?

Não prevejo que seja nos próximos 5, 7 anos, não só pelo tempo que leva, como também por todo o modelo de financiamento. O modelo de financiamento é um modelo complexo, porque para incineradoras, não há financiamento europeu. Poderá haver compensação no serviço que se presta à sociedade, mas, portanto, há aqui um modelo para financiamento com alguma complexidade, e nós temos de apostar nestas medidas primeiro e ver o resultado que vamos ter com elas.

O próprio diagnóstico [do plano] reconhece que a recolha seletiva de biorresíduos e também do multimaterial ainda é insuficiente no País. Há planos de ação dos municípios e dos sistemas de gestão de resíduos para cumprir as metas do PERSU 2030. Também aqui as necessidades de investimento são elevadas, ascendem a 3700 milhões de euros, e sabemos que, no âmbito do Portugal 2030, pelo menos ao nível dos programas regionais, estão disponíveis apenas 400 milhões para esta área. Que soluções de financiamento estão a considerar para cumprir estes planos?  

Nós, agora no PRR, pusemos algum financiamento para os resíduos que não tinha.

Refere-se a quê exatamente?

Estamos a negociar ainda a reprogramação do PRR para que haja financiamento para resíduos.

Qual é a ordem de grandeza? Quanto está em causa?  

Ainda estamos em negociação com a Comissão Europeia.

Para que tipo de prioridades: recolha, tratamento?

Recolha e tratamento. Também no programa operacional do Algarve, na reprogramação, a CCDR [Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional] e [o Fundo de] Coesão vão pôr mais ênfase nos resíduos.

Novas incineradoras: "Não prevejo que seja nos próximos 5, 7 anos, não só pelo tempo que leva, como também por todo o modelo de financiamento [que é] complexo"

Vai haver mais dinheiro para os resíduos.

Vai haver mais dinheiro para os resíduos. Isto é um rendilhado: ao passar mais financiamento da água para o programa operacional Sustentável [2030], libertámos [financiamento] no PRR e nalguns programas operacionais regionais, em quase todos. E, por exemplo, no Algarve, esse financiamento libertado vai financiar projetos de resíduos de que há muita necessidade também no Algarve.

 

A base da estratégia da criação de um mercado de biometano em Portugal depende também do setor de resíduos urbanos, onde já existem centrais de biogás que, neste momento, estão a produzir eletricidade. No âmbito dos planos de ação para cumprir os objetivos do PERSU 2030, os sistemas de gestão de resíduos urbanos têm dois caminhos para tratar biorresíduos, compostagem ou digestão anaeróbia, sendo que só uma é que abre caminho à produção de biometano. Vão criar apoios específicos para o setor dos resíduos como aponta o Plano de Ação para o Biometano ou ainda estão a analisar o melhor caminho para incentivar a produção neste setor?  

Em relação aos programas operacionais, neste momento, estão fechados. Aqui estamos a falar do que será o próximo programa operacional. Em relação ao biometano, falou nos resíduos urbanos, mas há outra componente essencial para o mercado do biometano que é a agricultura.

O biometano, mais do que um gás renovável ou uma solução para a energia, está ligado a uma estratégia de resíduos e a uma estratégia agrícola. Portanto, só com esses dois setores a apostar na produção do biometano se pode ter uma estratégia de biometano. E, para a agricultura, penso que é uma solução muito importante. Nos financiamentos futuros, ou [quando se] construir um novo programa de financiamento, tanto para os resíduos como para a agricultura, esta produção de biometano deverá ser uma prioridade.

Portanto, não faz a distinção, como aparece no Plano de Ação para o Biometano, que ainda vem do anterior Governo, de começar primeiro por essas centrais já existentes na água e nos resíduos e, depois, pela agricultura e pecuária.

Não, acho que se tem de caminhar em paralelo com os dois setores.

E os leilões para o biometano: vão ser lançados mais leilões? Estava previsto serem lançados mais leilões e isso seria uma forma de financiar a produção.   

Nós temos um leilão de 140 milhões, que é 14 milhões por ano.

Mas o último leilão não foi bem-sucedido na área do biometano. Estão a pensar rever o valor em alta? Qual é a avaliação que fazem?

Nenhum dos nossos concursos tem sido muito bem-sucedido no biometano. Também nos concursos que abrimos para [projetos de] gases renováveis, que cobrem hidrogénio e biometano, grande parte dos financiamentos vai para o hidrogénio.

"Há pouco interesse no biometano"

Como é que explica isso?

Há pouco interesse no biometano.

Não é pelo valor de referência?

Não é só pelo valor de referência. O biometano ainda tem uma logística complexa, porque está relacionado com os resíduos, está relacionado com todo o tratamento, com toda a questão agrícola. E ainda precisa de alguma logística para se ter um mercado de biometano. Portanto, nós vamos continuar a incentivar [o biometano] com financiamentos públicos. Podemos rever o valor que foi atribuído ao biometano, mas eu penso que não é só uma questão de valor. É uma questão de criar as condições para estes dois setores apostarem no biometano.

Fala-se que, em termos de valor de referência, o valor deveria ser o dobro do que foi atribuído ao biometano.

Pois, isso é uma das questões, mas eu penso que não é a única. Não é a única que levou a que não haja tanto apetite para concorrer ao biometano, como há para o hidrogénio.

A primeira prioridade do vosso plano de emergência era implementar o Plano de Ação para a Economia Circular. O que é que este plano de ação pode trazer de novo para fazer a economia circular descolar no país, dado que ainda não se conseguiu? E já houve muitas tentativas…   

Não são planos que salvam as questões. A economia circular é, mais uma vez, uma questão de cultura e de organização da sociedade. E depende em pouco do Estado, depende muito da sociedade como um todo, o criar uma sociedade que repara em vez de deitar fora, que reutiliza em vez de deitar fora, é uma questão cultural. E é uma questão que também depende muito do comportamento individual de cada um de nós, em que aquilo que temos e que vestimos, reutilizamos, refazemos. E até aqui, todos os sinais da sociedade eram um pouco diferentes. Se falarmos no têxtil, a moda ficou cada vez mais barata: compra e deita fora e volta a comprar. Eu ainda sou do tempo em que se reutilizavam muitas coisas e nós tínhamos o gosto, nós próprios, de fazer isso. É um bocadinho voltar a esse sistema.

Mas têm algumas linhas da ação que possam promover essa cultura?

Mais uma vez, tem de ser através de campanhas, tem de ser através de incentivos a criar pequenos negócios que façam a reparação dos eletrodomésticos. Estou a falar aqui mais na sociedade e no nosso dia a dia, mas, na parte industrial, [tem de haver] a reutilização das matérias-primas. No têxtil, que as coisas não se deitam fora, mas se utilizam as fibras; nos eletrodomésticos, que se desfaz [o equipamento] e se utilizam os materiais. Tudo isso é preciso incentivar na indústria, é preciso incentivar em cada um de nós. Há alguns custos e há alguma logística associada a isso e há necessidade de mão de obra. Portanto, tudo isto é um pouco complexo de pôr em prática, é por isso que tem demorado tanto esta economia circular.

Tem demorado também porque essas matérias-primas, ditas secundárias, que são consideradas resíduos, para poderem ser utilizadas e serem reintroduzidas na economia e termos a tal economia circular, precisam de ser desclassificadas.

Nós estamos a fazer esse exercício, agora, com o famoso caroço de azeitona, que, em algumas circunstâncias, vai deixar de ser um resíduo e passar a ser um subproduto. E estamos a fazer isso com algumas substâncias e isso é importante para poder ser utilizado. Isso tem de ser feito também com cuidado. Se verificar, muitas dessas substâncias não eram resíduos por acaso, tinham efeitos de emissões e efeitos até para a saúde humana, mas estamos a fazer esse exercício.

Os valores de contrapartida das embalagens foram impugnados judicialmente pela Sociedade Ponto Verde (SPV). Esta criticou a forma como foram calculados os valores, defendeu que estes devem respeitar a legislação, os procedimentos comunitários e nacionais, ser apurados por entidades independentes e, segundo a SPV, isto não terá acontecido no estudo que suportou a decisão. Como responde a estas críticas? Receia que os valores possam ter de ser revistos?

Não. É a própria indústria que a SPV representa que não está a cumprir a responsabilidade alargada do produtor, que é aquilo que nós fizemos neste cálculo. O que se passou é que eram os municípios que estavam a suportar a maior parte dos custos, estes valores não eram revistos desde 2016. A última revisão foi em 2016, a partir daí nunca mais foram revistos. E, segundo todas as diretivas e todas as indicações da Comissão Europeia, há aqui uma grande responsabilidade da parte industrial, da produção, e foi a isso que nós atendemos na decisão deste valor.

Revisão dos valores de contrapartida: "Estamos conscientes de que foi a decisão correta"

Portanto, tem confiança que será mantida a decisão?

Sim, e foi generalizado o apoio da sociedade e de todos os municípios, porque pensamos que é um valor justo. Claro que quem produz nunca está contente e está no seu direito de contestar, mas estamos conscientes de que foi a decisão correta.

A recolha de resíduos de equipamentos elétricos e eletrónicos tem ficado sistematicamente aquém das metas e as entidades gestoras deste fluxo têm alertado para a necessidade de melhorar a fiscalização para controlar a gestão destes resíduos à margem da lei. Estão a tomar algumas medidas neste sentido?  

Sim, mas, mais uma vez, está aqui a mesma problemática da economia circular. Também há uma questão cultural e uma questão de falta de informação. Quem tem um equipamento antigo, [saber] o que é que lhe faz e qual é a maneira correta de atuar para que ele seja reciclado.

Acha que essa dimensão da sensibilização tem mais peso?

É muito importante. A maior parte das pessoas não sabe. E acumula equipamentos antigos em casa, sem saber o que é que lhe há de fazer. Eu acho que essa [informação] também, na campanha que vamos fazer, deverá ser um dos tópicos importantes.

Refere-se à grande campanha que estão a preparar na área dos resíduos.

Sim, sim.

 

Qual é o montante da campanha?

São 20 milhões de euros. É uma grande campanha, dividida em duas partes, uma acho que é de 9 milhões, e depois [outra é] 11 milhões. É uma grande campanha nos meios de comunicação.

Quanto tempo é que dura a campanha?

O tempo não sei, mas sei que é nacional e com os órgãos de comunicação nacionais e locais, também envolvendo os jovens. Portanto, é uma campanha grande.

E vai arrancar em breve?

Sim. Tivemos de fazer um concurso internacional e, por isso, está a demorar.

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