O custo da energia

Na abertura de um seminário da Entidade Reguladora para os Serviços Energéticos, Maria da Graça Carvalho, Ministra do Ambiente e Energia, constatou o que, para alguns, é óbvio: apesar de a eletricidade consumida em Portugal ser maioritariamente proveniente de fontes renováveis, isso não se traduziu, até hoje, em faturas mais baixas, nem para as famílias nem para as empresas.

Para esses, é assim mesmo, e a situação tem muito de paradoxal: é como se a Arábia Saudita, apesar das suas enormes reservas de petróleo, não tirasse proveito dos seus recursos. O problema, o contributo limitado das renováveis no preço final da eletricidade, tem barbas, e o Jornal Água&Ambiente muito cedo e pioneiramente lançou a questão. Em 2021, por exemplo, o programa do 9.º Fórum Energia, perguntava se fazia sentido manter o atual modelo de formação de preços.

Muito em breve, só a assinatura do Jornal Água&Ambiente Online garantirá a sua leitura.

Não perca a melhor informação sobre Energia, Resíduos e Água. Assine aqui.

Apoie a informação plural e independente.

Manuel Costeira da Rocha
Paulo Preto dos Santos
Vice-coordenador da Comissão de Energia da Ordem dos Engenheiros
Francisco Ferreira
Francisco Ferreira, presidente da ZERO - Associação Sistema Terrestre Sustentável
Mário Paulo
Presidente do Conselho Consultivo da ERSE
Jaime Braga
Assessor da Direção da CIP
1

Se para alguns, como a Ministra, é óbvio que a nossa produção renovável pouco contribuiu até hoje para baixar a tarifa que os consumidores domésticos e industriais pagam pela eletricidade, comparativamente ao que pagavam há anos antes das renováveis terem o peso que têm hoje, há quem afirme que os custos finais da eletricidade para os consumidores têm sido inferiores aos que seriam sem as renováveis. Afinal, qual querela instalada, quem tem razão ou quem tem mais razão?

Manuel Costeira da Rocha
* * *

A tarifa paga pelos consumidores de eletricidade é composta por várias parcelas, sendo o preço da energia apenas uma delas, e seguramente não a maior. Atualmente, as renováveis constituem-se como as tecnologias de que decorrem os mais baixos custos de produção. Caso continuássemos a depender de combustíveis fósseis, o custo da produção de eletricidade seria seguramente superior (haveria de pagar as emissões de CO2) e as tarifas mais altas. Sendo verdade também que a tarifa paga pelos consumidores não desce, a razão estará nas outras parcelas que compõem a tarifa (os custos associados às redes e à gestão do sistema, definidos pelo regulador, e outros custos, taxas e impostos, estes definidos pelo Governo), e também na metodologia marginalista de definição dos preços.

Paulo Preto dos Santos
Vice-coordenador da Comissão de Energia da Ordem dos Engenheiros
* * *

A Ministra tem toda a razão quando diz que “do ponto de vista do que o consumidor tem de pagar ao fim do mês, ainda não há benefícios visíveis”. Efetivamente, em 2024, com 71% da eletricidade com origem em fontes renováveis, nenhum consumidor paga hoje menos do que pagava há uma ou duas décadas, quando as renováveis pesavam apenas 20 a 30% (descontando-se o efeito da inflação). A promessa dessa altura de que as renováveis viriam baixar o custo da eletricidade para o consumidor não se verificou. Mas a “culpa” não é das renováveis, pois estas são hoje a forma mais barata de produzir a eletricidade (para o produtor!). O problema é que o atual modelo de mercado elétrico não permite que os benefícios das renováveis se façam sentir no custo final para o consumidor. Além disso, a eletricidade é hoje mais cara, também em consequência da política europeia da Transição Energética, que adicionou o efeito do elevado custo das emissões de CO2. Outra coisa é dizer que, se não fossem hoje as renováveis, estaríamos a pagar ainda mais pela eletricidade. Sim, isso é também verdade, apesar de, não raramente, o preço não baixar.

Francisco Ferreira
Francisco Ferreira, presidente da ZERO - Associação Sistema Terrestre Sustentável
* * *

O preço final da eletricidade para o consumidor tem ainda uma série de componentes que determinam uma fatura onde o custo da produção não é diretamente refletido. Sem dúvida que o preço sem renováveis, com a instabilidade dos preços do gás natural e do carvão, e principalmente com elevados custos associados às emissões de dióxido de carbono, seria mais elevado. O problema reside principalmente na forma como o preço é definido, onde as últimas ofertas para assegurar a procura são determinadas pelos elevados custos do gás utilizado pelas centrais que ainda são necessárias em muitas ocasiões para perfazer o diagrama de cargas.

Mário Paulo
Presidente do Conselho Consultivo da ERSE
* * *

OMIE - O Mercado de eletricidade é um mercado marginalista; toda a energia é remunerada no mercado diário pelo preço oferecido pela última central que satisfaz a curva da procura. Verifica-se que as centrais que mais frequentemente fecham a procura são as centrais de ciclo combinado a gás natural e as centrais hídricas com albufeiras, oferecidas com custo de oportunidade, igual ou superior às centrais de gás natural. Apesar de a energia utilizada nas centrais de gás natural ser apenas dos 15%, esta energia fóssil determina praticamente todo o preço da eletricidade. Enquanto não se desacoplar o preço da eletricidade do gás natural, as renováveis pouco influenciam o preço da eletricidade.

Jaime Braga
Assessor da Direção da CIP
* * *

Querela estéril, pois quem tem “razão” varia com as condições climatéricas e com as cotações dos mercados energéticos.No entanto, a aposta nas renováveis permitiu a Portugal suportar melhor do que os países da Europa Central as enormes oscilações dos preços diários da eletricidade devido às instabilidades do mercado do gás natural em 2022.Como vantagem, temos a enorme redução do défice da balança comercial; como “inércia” do sistema, o peso significativo dos encargos — dívida tarifária, feed-in tariff.As renováveis irão conferir maior segurança para o País, mas não preços mais baixos, pelo menos, no curto prazo.

2

O Governo, no próximo mês de abril, estará em exercício há um ano. Sendo a questão da redução do preço da eletricidade central no seu programa, que razões podem explicar que, até hoje, nada se conheça sobre como irá o executivo reduzir a fatura da energia das empresas e das famílias?

Manuel Costeira da Rocha
* * *

O propósito formulado pelo Governo de promover a redução das tarifas de eletricidade suportadas pelas empresas e pelas famílias é meritório e foca um elemento fundamental para a competitividade da nossa economia. Em todo o caso, Portugal está sujeito a regulamentações europeias, e qualquer alteração no setor terá de ser articulada em Bruxelas. O paradigma que vivemos hoje, com o mix baseado essencialmente em renováveis, exige novos instrumentos técnicos e regulatórios, bem como novas regras de mercado suscetíveis de atrair o investimento privado, fundamental para uma transição energética bem-sucedida. Estamos no limiar de alterações profundíssimas no setor, que exigem instituições fortes e pessoas muito qualificadas para que sejam corretamente definidas e implementadas.

Paulo Preto dos Santos
Vice-coordenador da Comissão de Energia da Ordem dos Engenheiros
* * *

Sozinha, pouco pode fazer, pois o contexto é europeu. Mas quem melhor do que a atual Ministra para o tentar? Sim, porque foi ela que, em Estrasburgo, liderou o tema do REMIT, o regulamento que impõe regras de transparência e de integridade do mercado elétrico europeu, e que até passa a proibir mecanismos concertados de ofertas complexas nos mercados e a penalizar severamente os operadores que os praticam. Conhece, por isso, bem o tema. E o que ela disse com coragem e com toda a razão está escrito na página oficial do Conselho Europeu, e cito: “Apesar da elevada percentagem de energias renováveis na produção de energia, as importantes subidas acentuadas dos preços dos combustíveis fósseis (especialmente do gás) provocaram um aumento acentuado dos preços da eletricidade”. Prova-se aqui também que não há nada de falso no que ela disse.

Francisco Ferreira
Francisco Ferreira, presidente da ZERO - Associação Sistema Terrestre Sustentável
* * *

O Governo não tem dado a devida atenção aos aspetos cruciais do mercado elétrico nem à viabilização de uma estratégia integrada. Temos objetivos do Plano Nacional de Energia e Clima muito ambiciosos, mas que requerem concretização imediata, desde mais renováveis à reabilitação de edifícios, há também necessidade de armazenamento para lidar com a variabilidade das renováveis, além de custos excessivos para uma expansão demasiado arriscada da rede elétrica, entre outros aspetos que mereceriam uma atuação mais concertada.

Mário Paulo
Presidente do Conselho Consultivo da ERSE
* * *

Um ano é um prazo reduzido para efetuar alterações significativas no setor energético.

A medida mais estruturante com que se espera reduzir o preço de eletricidade e combater a sua volatilidade vem, na sequência das orientações de Bruxelas em que teve papel relevante, na criação de uma plataforma padronizada para compra e venda de contratos de energia a longo prazo, designados com o acrónimo de PPA (Power Purchase Agreements). Este tipo de contratos já existe entre grandes empresas, mas pretende-se abrir este modelo de contratação a produtores e comercializadores de pequena e média dimensão. Esta plataforma está a ser desenvolvida pelo OMIP, operador do mercado a prazo. Espera-se que tenha sucesso.

Jaime Braga
Assessor da Direção da CIP
* * *

Os custos que compõem a tarifa de acesso às redes são significativos e não “desaparecem” — dívida tarifária de 1,5 M€, convergência com as Regiões Autónomas, diferenciais da Produção em Regime Especial, entre outras.

O preço variável da eletricidade, dependendo do mercado, até pode descer; mas, nesse caso, os diferenciais da PRE variarão no sentido contrário, absorvendo a quase totalidade dessa vantagem.

São “vasos comunicantes” que resultam do sistema de preços garantidos às renováveis e à cogeração.

3

O que é que pode o Governo fazer para, de forma expedita, reduzir o custo da energia?

Manuel Costeira da Rocha
* * *

Continuar a apostar nas renováveis! Assumir uma postura pragmática, criando as necessárias condições para que os projetos avancem e os investidores continuem a apostar em Portugal. Simultaneamente, em articulação com o Regulador e demais agentes relevantes, atuar junto das autoridades comunitárias no sentido de se avançar, de facto, nas reformas dos mercados da eletricidade e do gás.

Paulo Preto dos Santos
Vice-coordenador da Comissão de Energia da Ordem dos Engenheiros
* * *

Para conseguir que as renováveis progridam e que os seus benefícios apareçam no preço final do consumidor: 1) Desacoplar as renováveis do gás natural na formação do preço grossista (o mecanismo ibérico conseguiu isso com sucesso; 2) Criar um mercado spot só para energias renováveis, ou só para ajustes; 3) Promover a contratação bilateral (PPA, CfD) com garantias soberanas sujeitas a leilões; 4) Isentar a produção de hidrogénio verde de tarifas de acesso às redes nas horas de vazio (promovendo o aumento muito mais acelerado do consumo e escoamento de excedentes). 

Francisco Ferreira
Francisco Ferreira, presidente da ZERO - Associação Sistema Terrestre Sustentável
* * *

As medidas mais óbvias são a redução do IVA na eletricidade e a diminuição de taxas e encargos, como a Contribuição para o Audiovisual e a Taxa de Exploração da Direção-Geral de Energia e Geologia. Uma revisão da tarifa social era igualmente muito importante para distinguir quem efetivamente requer um apoio mais substancial na redução da fatura versus um benefício tão alargado como o existente. A promoção de medidas de eficiência energética, algumas das quais abandonadas pelo Fundo Ambiental, como a comparticipação à aquisição de janelas eficientes, seria também importante. Repensar os apoios possíveis ao sistema elétrico à escala europeia configura-se como uma medida estruturante para baixar os preços no longo prazo.

Mário Paulo
Presidente do Conselho Consultivo da ERSE
* * *

Os governos podem reduzir os impostos diretos e indiretos e simplificar burocracias nos licenciamentos. Do lado da procura, devem aumentar a flexibilidade do consumo, incentivar os regimes de autoconsumo, apoiar as indústrias exportadoras com consumos intensivos de energia, incentivar a eficiência com substituição de equipamentos mais eficientes, combater o desperdício e aumentar a literacia energética.

Visando aumentar a concorrência no mercado de carregamentos de veículos elétricos, liberalizou-se este mercado e extinguiu-se o MOBIE. Embora esta medida não seja consensual, espera-se que tenha resultados positivos.

Incentivou os gases renováveis com o desbloqueio dos concursos de biometano e do hidrogénio.

Jaime Braga
Assessor da Direção da CIP
* * *

Não me ocorrem “formas expeditas” para a redução dos preços da eletricidade.

Redução do IVA para os consumidores finais? Parece difícil, para já, ir além do que hoje se verifica.

Aumentar a dívida tarifária? Nem pensar.

Reduzir o apoio às Regiões Autónomas? A coesão nacional vale esse relativamente pequeno sacrifício.

E as feed-in tariffs às renováveis? Aí, o Governo deve ser seletivo face à pressão que o PNEC 2030 irá criar no que respeita às renováveis para a produção de eletricidade.

As renováveis não competitivas deverão ser evitadas ou, nalguns casos, terem escala diminuta.

Para já, e como redução de custos, teremos a ajuda do clima, chuva e vento.

Topo
Este site utiliza cookies da Google para disponibilizar os respetivos serviços e para analisar o tráfego. O seu endereço IP e agente do utilizador são partilhados com a Google, bem como o desempenho e a métrica de segurança, para assegurar a qualidade do serviço, gerar as estatísticas de utilização e detetar e resolver abusos de endereço.