
A Bio-Oportunidade
O novo objetivo de 93% de incorporação de fontes renováveis no consumo final elétrico, apresentado na revisão do PNEC 2030, sendo a expressão mais mediática da ambição nacional de descarbonização, não pode ser menorizado face aos objectivos de incorporação de renováveis no aquecimento e arrefecimento (63%) e nos transportes (29%).
A articulação entre os setores do gás (cada vez mais descarbonizado) e da eletricidade constitui a peça angular da resiliência do setor energético, nomeadamente pela capacidade de armazenagem de energia nas redes de gás e pela sua incontornável complementariedade no consumo das indústrais de elevada intensidade energética.
A criação de um mix energético diversificado é essencial para a consolidação da desacoplagem do Produto Interno Bruto das Emissões de CO2 e para elevar os níveis nacionais de independência energética e segurança no abastecimento.
As novas metas vêm catapultar a bioenergia para uma nova centralidade, em particular o biometano, o hidrogénio verde e os biocombustíveis avançados, pelo seu potencial e pelos carácteres endógeno e sustentável das suas fontes.
As novas metas [do PNEC] vêm catapultar a bioenergia para uma nova centralidade, em particular o biometano, o hidrogénio verde e os biocombustíveis avançados
É, assim, essencial uma definição de politicas públicas com regras e enquadramentos sólidos e claros que habilitem os agentes de mercado a poder investir em mercados pautados por critérios de verdadeira sustentabilidade e sã concorrência como forma a alanvacar este novos setores potenciadores do crescimento do PIB nacional, geradores de emprego de base local e indutores da sustentabilidade de outros setores de atividade, como são o agricola e o industrial.
No entanto, os setores dos gases renováveis e dos biocombustíveis apresentam em Portugal estádios de maturidade muito distintos. Enquanto o biometano e o hidrogénio verde (apesar de muito mediáticos) são ainda embrionários, já o setor dos biocombustíveis é uma indústria estruturada e com elevada maturidade, mas ainda longe de atingir o seu potencial intrínseco.
O setor dos gases renováveis enfrenta os desafios próprios da sua novidade, sendo que os do biometano são distintos dos do hidrogénio verde.
No hidrogénio verde, é essencial entender-se que irão coexistir vários modelos, cada um com os seus desafios: a produção de hidrogénio verde, em substituição de cinzento, para utilização como matéria-prima em processos industrais (produção de amónia e refinarias); a produção em grandes unidades centralizadas para utilização como vetor de energia, transportado e distribuido pelas redes de gás (com os conhecidos limites de incorporação); e a produção para autoconsumo coletivo para fornecimento direto a unidades fabris como as do vidro e da cerâmica, para as quais o fornecimento por gasodutos dedicados é absolutamente critíco na gestão dos seus processos produtivos.
O resultado do recente leilão do Banco Europeu do Hidrogénio demonstrou na prática as diferenças destes modelos, sendo que apenas projetos dedicados à produção de hidrogénio para utilização como matéria-prima obtiveram a ambicionada subsidiação à operação.
É assim merecedora de reflexão a necessidade de abordagens distintas no desenho dos apoios para a aceleração do hidrogénio verde adaptados aos seus diferentes usos.
O biometano, sendo substituto perfeito do gás natural, não enfrenta dificuldades na sua veiculação entre a produção e o consumo, pois pode ser transportado e distribuído pela Rede Nacional de Gás, não necessitando de quaisquer investimentos adicionais nos locais de consumo.
As dificuldades na aceleração dos projetos, apesar das muitas declaradas intenções de investimento, prendem-se com outros tipos de obstáculos, nomeadamente, os baixos níveis de consumos nas redes de distribuição de gás natural em algumas zonas do país, limitadores dos volumes a injetar (o que condiciona a escala e, por essa via, a viabilidade de alguns projetos); a falta de clareza no licenciamento e a carência de uma definitiva clarificação do uso do digerido nos solo como biofertilizante.
No entanto, estes obstáculos são facilmente ultrapassáveis, bastando para tal plasmar os modelos já existentes e comprovados em vários Estados-membros. Um dos exemplos mais óbvios será a decisão de introduzir a solução de reverse flow nas redes de gás, permitindo redirecionar o biometano para montante do ponto de injeção, em direção a redes de maior consumo.
No setor dos biocombustíveis, crítico para a descarbonização dos transportes a curto/médio prazo, a transposição da RED III deverá estabelecer limites mais altos de incorporação das matérias-primas sustentáveis listadas na parte B do anexo IX (como os OAU), por forma a fazer uso da capacidade industrial nacional para produção de biodiesel competitivo e de elevada qualidade, promovendo a economia circular.
Em paralelo, é essencial reforçar as regras relativas à importação de biocombustíveis, como o que acontece em outros Estados-membros, gerando uma inequívoca equidade de tratamento, entre a produção nacional e a importada, através da obrigatoriedade de registo de todos os produtores que fornecem biocombustíveis para mercado nacional, indicando as respetivas capacidades de produção, fornecedores e origem das matérias-primas.
Em conclusão, há que optar sobre quais os destinos preferencias de cada uma destas energias, parecendo resultar óbvias: a prioridade do biometano para as indústrias hard-to-abate, a assunção dos vários papéis a desempenhar pelo hidrogénio verde e a centralidade dos biocombustíveis na descarbonização da mobilidade.