A central fotovoltaica Fernando Pessoa e a bolha das renováveis

A central fotovoltaica Fernando Pessoa e a bolha das renováveis

Na data em que escrevo este artigo foi oficialmente comunicado o licenciamento para a construção de uma central fotovoltaica em Santiago do Cacém com 1143 MW de potência, que ocupará 1260 hectares e provocará o corte de 1,5 milhões de eucaliptos.

Para além de ser a maior central fotovoltaica do mundo (a anterior maior seria em Cáceres com cerca de metade da potência), tem vários “sentidos ocultos”: inspira-se num poema de amor de Fernando Pessoa e tem uma potência numericamente igual (em MW) ao ano da independência de Portugal.

Acontece, porém, que o poeta Alberto Caeiro, heterónimo mestre de Fernando Pessoa, nunca concordaria com esta apropriação do seu criador. Basta recordar, deste mestre de Pessoa, a bela estrofe do poema o Guardador de Rebanhos

Eu não tenho filosofia: tenho sentidos...

Se falo na natureza não é porque saiba o que ela é,

Mas porque a amo, e amo-a por isso,

Porque quem ama nunca sabe o que ama

Nem sabe porque ama, nem o que é amar...”

que considero ser um manifesto contra este açambarcamento do nosso poeta e do nosso património natural.

Igualmente curiosa é a tentativa de utilização da data da nossa independência e cujo sentido não consigo alcançar. Mas uma coisa é clara: a indústria da celulose não consegue competir com este tipo de empreendimentos.

A comunicação é acompanhada das habituais mistificações técnicas neste tipo de empreendimentos: refere que tem uma potência igual à da antiga central a carvão de Sines mas não informa que a energia produzida será cerca de um quarto; utiliza a nova medida, o consumo das famílias, tão do agrado dos promotores destas centrais e da comunicação social; ignora que este tipo de tecnologia apenas produz energia durante um quarto das horas disponíveis e que precisa de ser complementada com outras fontes renováveis ou não renováveis, nucleares e fósseis.

Está por demonstrar a utilidade deste tipo de empreendimentos centralizados, que não são necessários para o cumprimento das metas para o clima e que fragilizam setores industriais e agrícolas do país.

Esses objetivos poderão ser cumpridos com produção descentralizada, junto do consumo, utilizando a figura do autoconsumo individual e coletivo. Esses investimentos têm tido um grande crescimento pois permitem aos consumidores defenderem-se das subidas intempestivas da eletricidade, estão em linha com as recentes orientações europeias e permitem criar indústrias e serviços que trazem emprego qualificado e grande potencial de exportação.

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