
A descarbonização dos transportes rodoviários: 2024 foi o ano do Biometano
No final do ano de 2023, e de acordo com Balanço Energético Sintético de 2023, publicado pela DGEG, o consumo de energia nos transportes em Portugal media um peso superior a 37% de todo o consumo final de energia nacional. E foi mesmo o setor económico que mais aumentou o seu consumo energético relativamente ao ano anterior, com um expressivo aumento de 6,0%. Este setor é o de maior peso energético na economia, tendo totalizado um valor de 6 216 469 TEP [toneladas equivalentes de petróleo] no final de 2023 e, nos últimos 10 anos, esse peso passou de 35,7% para 37,2% do consumo final total de energia. E em todo este voraz apetite energético da mobilidade, são os transportes rodoviários que devoram a quase totalidade desse consumo, com 95,3% do seu total.
Destes números se conclui que é exatamente nos transportes rodoviários (ligeiros e pesados) que a real descarbonização terá de acontecer. E, nessa senda, as opiniões dividem-se: os idealistas, que preconizam uma quase exclusiva eletrificação direta, e os mais realistas, que advogam a coexistência da eletrificação direta, com os combustíveis renováveis (de origem biológica ou não biológica).
Vejamos, então, como estávamos no final de 2023 nos transportes rodoviários (dados DGEG): derivados do petróleo com 5 870 784 TEP (99,18%), gás natural com 34 462 TEP (0,58%), biocombustíveis (em estado puro) com 6 253 TEP (0,11%) e eletricidade com 7 699 TEP (0,13%). Mas estes dados da DGEG relativos à eletricidade na mobilidade podem não ter em conta a eletricidade carregada nas habitações dos consumidores domésticos e em postos particulares. Vamos assumir que não. Estima-se que 65% do consumo elétrico da mobilidade provém das habitações e postos públicos. Chegamos assim a um valor de 19 247 TEP (0,32%).
Vemos, deste modo, o gás natural veicular (GNV) com uma contribuição de 1,8 vezes maior que a de toda a eletricidade na mobilidade, medida no ponto carregamento, não tendo ainda assim em conta a consideravelmente maior eficiência na energia útil mecânica da mobilidade elétrica. Por essa razão, tenhamos então isso em conta, assumindo uma eficiência de 34% na combustão do GNV em motores de última geração e de 89% na eletrificação direta, e o resultado baixa para 0,7 vezes.
Mas então o BIOMETANO rodoviário, ou seja, a mobilidade a gás 100% verde? Onde é que ele aparece? E qual a fração renovável da eletrificação direta? Vejamos:
Foi apenas há um ano que se iniciou a descarbonização da mobilidade com biometano e temos já os dados dos primeiros 12 meses (outubro 2023 a setembro 2024). E utilizemos as duas fontes de dados oficiais: os boletins trimestrais da “Produção e Importação de Biocombustíveis e Biogás” do Laboratório Nacional de Energia e Geologia (LNEG) e os dados MOBI∙data da mobilidade elétrica pública da rede MOBIE∙E, que já leva vários anos de desenvolvimento. Com eles, poderemos já comparar a performance efetiva de dois muito diferentes investimentos em mobilidade sem emissões de CO2.
É exatamente nos transportes rodoviários (ligeiros e pesados) que a real descarbonização terá de acontecer
A rede elétrica da MOBI∙E, atualmente com 5 665 postos públicos com 10 502 pontos de carregamento, forneceu 111,9 GWh de eletricidade entre outubro de 2023 e setembro de 2024. De acordo com o que estipula a Diretiva Europeia RED III, a contribuição de fontes renováveis no consumo total final de eletricidade deve ser medido na média dos valores dos 2 anos antecedentes ao do ano em causa. As "Estatísticas Rápidas das Renováveis" (DGEG – setembro 2024), revelam essa média com um valor de 61,4% de eletricidade de origem renovável. Assim, a rede da MOBI∙E forneceu, até junho, 68,7 GWh de eletricidade verde à mobilidade rodoviária. Considerando novamente que os 65% do consumo elétrico da mobilidade provém das habitações e postos públicos, temos então uma mobilidade verde elétrica renovável com 196,3 GWh.
Por outro lado, os boletins publicados pelo LNEG mostram que, de outubro de 2023 a setembro de 2024, foram importadas 15 518 TEP (180,5 GWh) de Biometano. Essa energia verde foi efetivamente importada, colocada e distribuída nas redes dos operadores de GNV. Segundo a associação do setor, a APVGN, nessas redes totalizam-se 19 postos de abastecimento (17 com serviço público). Entregam mais e energia renovável em apenas 19 postos! Mas façamos justiça à maior eficiência da energia útil da eletrificação direta, tal como acima expliquei, e teremos então 174,7 GWh de energia renovável útil na rede elétrica e 61,4 GWh de energia renovável útil nas redes de GNV.
Nos últimos 12 meses (outubro de 2023 a setembro de 2024) e com apenas 19 postos, o Biometano descarbonizou a mobilidade rodoviária nacional, tanto como 35% de toda a descarbonização elétrica nacional que conta hoje com a rede da MOBI∙E com 5 665 postos e, assumamos, com os mais de 100 000 pontos de carregamento privados dos lares dos consumidores, tantos quantos os veículos elétricos em Portugal.