
À Espera Novamente!
A notícias recentes sobre mudanças no novo marco regulatório do saneamento, lei 14.026/20, deixaram de ser especulações e foram transformadas em intenções reais, afinal, o documento divulgado no dia 16.12 como resultado das atividades do Grupo de Trabalho de Cidades, tratou de revogação e readequação dos decretos nº10.588/20, 10.710/21 e 11.030/22, além de mencionar a edição de um novo marco regulatório como medida de médio prazo.
Tal e qual as famosas estatísticas e números sobre déficits no setor de saneamento, recentemente as apreensões estão repetitivamente abordando a alteração do papel da ANA como ponto mais preocupante das mudanças anunciadas. A expectativa é que a ANA deixará de formular as normas de referência e o Ministério das Cidades(M Cidades), com a Secretaria Nacional de Saneamento(SNS), habitando ambos o mesmo teto, passará a coordenar a formulação destas normas.
Será que esta mudança, caso ocorra, é o verdadeiro "calcanhar de Aquiles" do processo iniciado com o chamado novo marco regulatório?
Como já escrito em textos anteriores, o novo marco regulatório, fundamentado na lei nº14.026/2020, e os decretos já mencionados anteriormente, desde de sua sanção e colocação em prática, davam claros sinais de necessidades de ajustes além de serem muito mais motivos de discórdia que de união, com evidentes demonstrações de atropelo da autonomia municipal como se viu em Alagoas, por exemplo.
Mesmo assim, respeitadas as divergências, há de se reconhecer que houve avanços na busca e implantação de modelos inovadores ou não, para gestão dos serviços de abastecimento de água e esgotamento sanitário. Este avanço não pode ser medido por valor de outorgas ou de investimentos, ele precisa ser medido por melhoria da gestão e pela universalização desses serviços, com a satisfação gradual de toda sociedade com serviços regulares, contínuos e confiáveis.
Considerar o novo marco regulatório um mal ou algo prejudicial, pede antes uma prudente análise da relação passado x presente x futuro, com foco na sociedade e seus ambientes urbanos, periurbanos e rurais.
Certamente os novos gestores no M Cidades e na SNS já levantaram e tratarão de pontos relevantes que necessitam de avaliação integrada e conjunta, tais como:
- A universalização e as metas propostas necessitam se adequar à realidade nacional e regional, não podendo ser as metas de um determinado setor ou das projeções de dividendos financeiros. Os modelos recém implantados, que certamente na maioria dos casos trarão melhores resultados que os modelos anteriores se comparados com as Companhias Estaduais quase extintas, deixaram nas mãos de municípios localidades com menos de 1.000 habitantes, além das zonas rurais, por exemplo. Sem falar num tema intrinsecamente relacionado com a regulação que é a tarifa, a capacidade de pagar e necessidade de subsídios reais.
- A participação do setor privado - iniciada em 1995 e com bons exemplos de gestão a serem aproveitados - sob a égide do chamado novo marco se transformou quase que em uma equivocada imposição de modelo único. Em nome da regionalização e da geração de resultados financeiros, a realidade estadual e municipal foi relegada a plano menor, limitando as possibilidades de soluções da participação do setor privado se darem a partir de interesses locais. As PPPs, conforme a lei 11.079/04, uma oportunidade a ser aplicada com atenção por organizações públicas que possam assumir pagamentos e garantias, também foram limitadas pela nova lei.
- A regulação pelas agências infranacionais em geral, que mereceria uma atenção mais forte no novo marco, instalou na ANA um "pretending" regulatório, pois, salvo engano do redator deste texto, normas de referência que não forem impositivas serão como placebo nas agências onde a ingerência política e a incapacidade técnica ditam as regras. O novo marco, quer seja alterado ou não, seguirá levando para as esferas pública federal e estadual a obrigação de serem eficientes e responsáveis na gestão e fiscalização dos operadores públicos e/ou privados.
Há um bom número de anos que o modelo das Companhias Estaduais de Saneamento tenta sobreviver sob o paradoxo da permanência no mercado mesmo sendo ineficientes. Quem tem pago esta conta é a sociedade submetida à espera de uma utopia, onde mesmo ineficientes, elas devem ter sua reserva de mercado.
O novo marco, apesar da necessidade de ajustes, fez com que algumas companhias estaduais e serviços municipais enfrentassem o mundo distópico desenhado de certa forma naquele documento sobre estas organizações, e fossem ampliar, buscar e inovar na parceria com o setor privado. As tão decantadas estatísticas mostram há anos que existem companhias estaduais e serviços municipais sem condições de continuar vivendo na utopia, enquanto outros, podem, por meio de parcerias que lhes deem sustentabilidade, continuar existindo, com exemplos concretos nacionais.
Respeitando as opiniões competentes dos técnicos que propõem mudanças no novo marco, talvez fosse mais prudente revisar a comprovação da capacidade econômica de operadores públicos e privados, para confirmar quem realmente pode continuar prestando serviços para os munícipes onde operam ou necessitarão revisar seu tamanho, escopo, metas e modelo de gestão. Bem como avaliar se a sociedade tem uma expectativa positiva ou negativa do que o novo marco já produziu.
O que está em jogo não é a salvação de uma Companhia Estadual incapaz de se recuperar. O que vale no presente e no futuro, é a transformação efetiva do setor de saneamento em lugar onde a eficiência gerencial com tarifas módicas seja a realidade comum, à serviço de toda sociedade, em qualquer lugar, independente do prestador de serviço.