A imprescindibilidade dos recursos minerais

A imprescindibilidade dos recursos minerais

A indústria extrativa evidencia uma evolução que, em termos globais, indica um crescente aumento da produção das matérias-primas minerais como resultado direto do aumento da procura e consumo dessas mesmas substâncias minerais. Este facto resulta principalmente do crescimento da população mundial e do anseio de muitos, cada vez mais, a atingirem um maior nível de qualidade de vida (assente, portanto, no maior consumo de recursos minerais), mas também do paradigma consumista das sociedades atuais. 

A exceção, no entanto, reside hoje na Europa onde, pelo contrário, a taxa de produção de matérias-primas vem, ao longo das últimas duas décadas, registando um acentuado decréscimo, embora o consumo continue a crescer.  O quase abandono, por parte dos países europeus, da indústria extrativa, rapidamente revelou as suas fragilidades em termos da dependência estratégica de recursos minerais, o que levou a UE a lançar, em 2008, a Iniciativa Matérias-Primas. Nesse documento, a UE identificava um conjunto de matérias-primas críticas (14 na versão de 2008, 27 na versão de 2017 e 34 já no Regulamento Europeu Matérias-Primas Críticas de 2024) imprescindíveis aos futuros desenvolvimentos da indústria. O objetivo era modificar não só o paradigma energético vigente (baseado essencialmente no consumo dos combustíveis fósseis), estabelecendo assim as bases para uma descarbonização da economia, mas também promover o acesso aos recursos minerais essenciais aos novos desafios tecnológicos.

Esta temática foi, aliás, motivo de consideração em inúmeros artigos “Um futuro limpo…mas de procura intensiva de recursos minerais” (Soares, 2020); “E depois do mundo desmoronado” (Costa Silva, 2020) ou mesmo suportado nas conclusões dos relatórios do Banco Mundial “The Growing Role of Minerals and Metals for a Low Carbon Future” (2020), e da Agência Internacional de Energia “The Role of Critical Minerals in Clean Energy Transitions” (2024). Em todas estas reflexões perpassa a necessidade de aumentar substancialmente o consumo e a produção de matérias-primas minerais estratégicas para fazer face a uma transição energética de matriz renovável e mais limpa. No nosso País, estimativas do Banco de Portugal, num exercício de simulação ao impacto de curto prazo que o abandono progressivo da indústria extrativa poderia ter na liquidez das empresas do setor extrativo, previu uma diminuição da atividade que podia atingir os 40%, com a certeza das consequências imediatas nos quase 12 mil postos de trabalho diretos e nos mais de mil milhões de euros de exportações que este setor industrial representa anualmente em Portugal. A inevitabilidade da exploração de recursos minerais para uma contínua evolução do bem-estar da humanidade não pode ser o argumento para a desenfreada exploração das matérias-primas minerais, nem tão pouco o motivo para se ignorarem os impactos ambientais de desregradas explorações mineiras. Pelo contrário, a certeza dos profissionais deste setor industrial está na assunção de que as melhores técnicas disponíveis, no respeito pela legislação em vigor, minimizam os diferentes impactos ambientais e sociais.

No entanto, sejamos claros, a indústria extrativa não é sustentável, por definição, já que explora recursos não renováveis. Isso não significa que não utilize métodos cada vez mais sustentáveis, com ênfase na digitalização, automação e descarbonização. Mais, ela é absolutamente determinante para assegurarmos um futuro mais sustentável, assente num paradigma energético diferente e não dependente dos combustíveis fósseis. Esta transição energética, para ser verdadeiramente efetiva e socialmente justa, demorará algum tempo a tornar-se uma realidade, pelo menos à escala global.

(...) sejamos claros, a indústria extrativa não é sustentável, por definição, já que explora recursos não renováveis. Isso não significa que não utilize métodos cada vez mais sustentáveis (...)

Mas voltemos ao contexto europeu e à já referida Iniciativa Matérias-Primas, publicada em finais de 2008. Passados 16 anos, o que aconteceu? Vários Estados-Membros, como Portugal em 2012, aprovaram novas estratégias para os recursos minerais, mas que infelizmente não passaram do papel. Assim, a dependência europeia em recursos minerais, incluindo de países com um risco geopolítico elevado, aumentou sobremaneira. Basta olharmos para as listas de matérias-primas críticas para confirmarmos este facto: em 16 anos, passámos de 14 para 34!

Esta foi assim a principal razão que levou a Comissão Europeia a tomar a iniciativa de preparar legislação que obrigasse os Estados-Membros a mudar a sua atitude passiva relativamente à revelação e aproveitamento de recursos minerais. Após negociações complexas com o Parlamento e Conselho Europeus, surge assim o Ato das Matérias-Primas Críticas, publicado em abril de 2024.

Na sua sequência, o governo português constituiu um grupo de trabalho para a elaboração de um plano de ação visando a sua implementação no país. Este plano foi apresentado publicamente no início do mês de dezembro de 2024, contemplando 19 iniciativas, das quais destacamos:

- revisão do Decreto-Lei 30/2021, no sentido de acelerar e simplificar o licenciamento de novas áreas para prospeção, pesquisa e exploração de depósitos minerais, isto é, bens do domínio público, conforme definido pela Constituição portuguesa;

- a abertura de concursos internacionais para a prospeção e pesquisa de matérias-primas e estratégicas, como o lítio e o cobre;

- uma nova estratégia nacional para os recursos minerais, com especial relevo para um Plano Sectorial que, em sede de ordenamento do território, os inclua e salvaguarde, evitando situações de conflito com outros usos do solo e permitindo o seu potencial futuro aproveitamento;

- lançamento de um Programa Nacional de Prospeção e Pesquisa, desenvolvido pelo Estado, isto é, um novo programa de fomento mineiro.

Esta provavelmente será a última oportunidade de a Europa corrigir os seus erros estratégicos das últimas décadas (...)

Concluindo, a Comissão Europeia teve a necessária visão estratégica para lançar e aprovar este regulamento na UE. A questão agora será sabermos se os Estados-Membros o aplicarão de facto no terreno, não sendo mais um plano para ficar na gaveta. Esta provavelmente será a última oportunidade de a Europa corrigir os seus erros estratégicos das últimas décadas, importando cada vez mais recursos e exportando problemas ambientais e sociais para regiões do Mundo que não têm a capacidade técnica ainda existente no Velho Continente para os minorar e controlar. É o futuro das gerações vindouras e da sua qualidade de vida que está em causa.

* É também autor deste artigo Luís Martins, Geólogo e Presidente do Conselho de Administração do Cluster dos Recursos Minerais de Portugal

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