
A invisível ameaça que respiramos
O Air Quality Status Report 2025 da Agência Europeia do Ambiente (1), publicado a 9 de abril, apresenta uma análise das concentrações reportadas oficialmente em 2023 e 2024 na Europa, comparando-as com os valores limite atuais e futuros (2030) da União Europeia, bem como com os níveis de referência definidos pela Organização Mundial da Saúde (OMS).
De acordo com este relatório, apesar de a poluição atmosférica na Europa ter vindo a diminuir nas últimas décadas, encontra-se ainda aquém do desejável, dado que 94% da população urbana da União Europeia continua exposta a níveis de poluição atmosférica que excedem os limites estipulados pela OMS.
94% da população urbana da União Europeia continua exposta a níveis de poluição atmosférica que excedem os limites estipulados pela OMS.
A realidade urbana portuguesa não é exceção. A título de exemplo, e de acordo com o Air Quality Status Report 2025, em Portugal e no ano de 2023, a média anual de partículas finas (PM2.5) foi de 5.93 µg/m3 (valor limite da OMS: 5 µg/m3) e do dióxido de azoto (NO₂) de 13.88 µg/m3 (valor limite da OMS: 10 µg/m3). No entanto, estes valores foram ultrapassados em algumas regiões do país, nomeadamente em zonas urbanas, onde a densidade populacional, o tráfego rodoviário e aéreo intenso, as emissões industriais e o desenho urbano pouco favorável à dispersão de poluentes transformam algumas zonas das cidades focos de elevada exposição a poluentes.
Neste sentido, e apesar dos progressos tecnológicos e normativos das últimas décadas, verifica-se que existe ainda muito a fazer relativamente a este importante fator de risco para a saúde e que é atualmente a segunda causa de mortalidade a nível mundial (2), logo após a pressão arterial elevada.
A poluição do ar constitui uma ameaça silenciosa, atendendo aos efeitos que pode ter na saúde humana, sem que muitas vezes tenhamos consciência. Isto porque a exposição a poluentes atmosféricos, nomeadamente PM2.5, NO₂ e ozono troposférico (O₃), tem sido consistentemente associada a efeitos a curto e longo prazo, que se traduzem num aumento da morbilidade e mortalidade por doenças respiratórias e cardiovasculares. A evidência científica é inequívoca: a poluição do ar contribui para o desenvolvimento e agravamento de doenças como a asma, a doença pulmonar obstrutiva crónica (DPOC), infeções respiratórias, cancro, enfarte agudo do miocárdio, arritmias, insuficiência cardíaca, acidentes vasculares cerebrais, entre outras.
No caso das doenças respiratórias crónicas, como a DPOC, sabe-se que a exposição prolongada a partículas finas potencia processos inflamatórios e oxidativos nas vias aéreas, mesmo em indivíduos não fumadores, promovendo a obstrução progressiva do fluxo aéreo e a deterioração da função pulmonar. Em crianças, interfere com o desenvolvimento pulmonar e compromete a saúde respiratória futura.
Relativamente ao aparelho cardiovascular, a poluição atmosférica contribui para disfunção endotelial, aceleração da aterosclerose, alterações na coagulação e perturbação do ritmo cardíaco.
É crucial reconhecer que não estamos perante um problema apenas técnico ou ambiental, mas perante uma questão muito importante do ponto de vista da saúde pública, e que nos afeta a todos. Contudo, são as populações mais vulneráveis, designadamente as crianças, os idosos e as pessoas com doenças crónicas, as mais suscetíveis aos efeitos da poluição do ar. Por este motivo, a transição energética, a mobilidade sustentável e a descarbonização são imperativos, não só ambientais, mas também sanitários.
Respirar ar limpo não é um luxo nem um capricho. É um direito fundamental. Proteger a qualidade do ar é proteger o coração, os pulmões, a saúde, o futuro do planeta Terra e da Humanidade.
- Agência Europeia do Ambiente (AEA). Relatório sobre o Estado da Qualidade do Ar 2025. Copenhaga: AEA, 2025. Disponível em: https://www.eea.europa.eu/en/analysis/publications/air-quality-status-report-2025.
- Institute for Health Metrics and Evaluation (IHME). GBD Compare Data Visualization. Seattle, WA: IHME, University of Washington, 2024. Disponível em: https://vizhub.healthdata.org/gbd-compare.