Acidificação do Oceano: estamos a hipotecar o futuro?

Acidificação do Oceano: estamos a hipotecar o futuro?

O Oceano é vital para a vida na Terra, mas são variadíssimas as ameaças para a sua saúde que comprometem o seu desempenho enquanto garante da biodiversidade e do equilíbrio atmosfera-oceano resultante de trocas gasosas. As ameaças são tanto do foro natural, como, por exemplo, as alterações climáticas, quanto antrópicas. Entre estas, destacam-se a poluição marinha e a sobrepesca. O oceano absorve cerca de 30% do dióxido de carbono (CO2) existente na atmosfera. Para este, contribuem as emissões resultantes de atividades antrópicas. Se assim não fosse, os níveis de CO2 atmosférico seriam cerca de 100 partes por milhão mais elevados dos que os atuais.

A absorção do CO2 pelo oceano contribuiu para a redução do pH (uma medida da acidez) da superfície água do mar em cerca de 0,1 unidade de pH, o que correspondeu a um aumento de aproximadamente 30% da acidez da superfície do oceano desde o início da revolução industrial (segunda metade do século XVIII). Se a emissão de gases com efeito de estufa (entre os quais, o CO2) se mantiver ao ritmo atual, as previsões são preocupantes, prevendo-se que o pH do oceano diminua de aproximadamente 0,2-0,3 unidades de pH nos próximos cem anos.

A acidificação contínua e alarmante do oceano mundial está associada a uma ampla gama de impactos negativos na sua saúde para os quais diferentes organizações internacionais, baseadas em documentos científicos, como sejam os Relatórios da Avaliação Mundial do Oceano das Nações Unidas (World Ocean Assessment I and II) e do Painel Intergovernamental das Alterações Climáticas (IPCC), têm vindo a alertar, dando ênfase à importância de melhorar o conhecimento sobre o impacto da acidificação do oceano.

O impacto que a acidificação do oceano tem em organismos construtores de estruturas de carbonato de cálcio como, por exemplo, esqueletos e conchas é dramático. O carbonato de cálcio dissolve-se em meio ácido. Deste modo, esses seres não podem construir nem manter as suas estruturas carbonatadas, diminuindo a velocidade do seu crescimento, enfraquecendo as suas conchas, aumentando a vulnerabilidade a doenças que tem como resultado o aumento da mortalidade. Além disso, a acidificação do oceano potencializa o impacto de contaminantes presentes no oceano, como sejam os metais, as nanopartículas metálicas e os micro e nanoplásticos, entre outros.

Na última Assembleia Geral das Nações, em dezembro de 2024, foi reiterada a importância da cooperação internacional para que se prossiga urgentemente com a investigação sobre a acidificação do oceano, em especial, a necessidade de se estabelecerem programas de monitorização e de observação para medir a acidificação do oceano e tomar medidas para tornar os ecossistemas marinhos mais saudáveis e mais resilientes, particularmente os mais vulneráveis, aos impactos da acidificação do oceano. Esse é também um dos objetivos da Década das Ciências do Oceano para o Desenvolvimento Sustentável, estabelecida pela UNESCO.

Torna-se, por isso, necessário estabelecer estratégias para combater as causas da acidificação do oceano e continuar a estudar, monitorizar e minimizar os seus impactos, reforçando a cooperação local, nacional, regional e mundial sobre esta questão, incluindo a partilha de informação relevante e o desenvolvimento de capacitação a nível mundial, em particular nos países em desenvolvimento, que permita ter técnicos e cientistas capacitados para medir, interpretar corretamente a acidificação do oceano e propor medidas de mitigação.

Portugal aderiu à Aliança Internacional de Combate à Acidificação do Oceano, tendo-se comprometido a definir um Plano de Ação a nível nacional - PACAO

Portugal, preocupado com mais esta pressão sobre o oceano, aderiu, em 2024, à Aliança Internacional de Combate à Acidificação do Oceano, tendo-se comprometido a definir um Plano de Ação a nível nacional para Combate à Acidificação do Oceano (PACAO). Para o efeito, foi constituído um grupo de trabalho, criado através do Despacho 1498/2025 de 3 de fevereiro último por seis membros de áreas governativas (Defesa Nacional, Infraestruturas e Habitação, Economia, Ambiente e Energia e Agricultura e Pescas) que deverá ser supervisionado por um representante da Secretaria de Estado do Mar. É estranho que não tenha sido considerada a representação do Ministério da Educação, Ciência e Inovação. O grupo de trabalho terá de apresentar o plano até ao dia 30 de maio de 2025. A estrutura desse plano deverá estar alinhada com o modelo proposto pela Aliança Internacional de Combate à Acidificação do Oceano.

Portugal tem experiência e conhecimento em monitorização da acidificação do oceano e dos seus efeitos nos Laboratórios de Estado agora membros do grupo de trabalho e nos Laboratórios Associados do sistema científico nacional ligados às ciências do mar, nomeadamente no ARNET, CIIMAR, CESAM e OKEANOS, que apenas serão envolvidos no grupo de trabalho, de acordo com o estabelecido no ponto 7 do referido despacho, caso o seu contributo seja considerado relevante para a prossecução dos trabalhos. Existem nas bases de dados internacionais cerca de 460 publicações da autoria de cientistas portugueses, a maioria dos quais são membros dos laboratórios associados do sistema científico nacional, publicadas em revistas de reconhecido mérito, além de inúmeras dissertações de doutoramento e mestrado sobre este tema existentes nos repositórios de diversas instituições de ensino superior nacional. Além disso, o objetivo principal dos Laboratórios Associados do sistema científico nacional é o de apoiar as políticas públicas, pelo que seria importante a sua inclusão no grupo de trabalho, uma vez que a determinação da acidez do oceano requer uma rigorosa experiência científica, em particular na área da química analítica, e a experiência das equipas de investigação destes laboratórios seguramente contribuiriam positivamente para a definição do plano de trabalho agora em discussão.

Seria importante que, após uma primeira análise dos dados já existentes, se estabelecesse no referido plano um programa de monitorização da acidificação do oceano, determinando os níveis de CO2, alcalinidade e acidez da água do mar quer à superfície quer a diferentes níveis de profundidade com uma ampla distribuição geográfica, incluindo as regiões autónomas no mar territorial, ou mesmo em alguns locais a definir na zona económica exclusiva, para identificar as zonas mais vulneráveis à acidificação do oceano no espaço marítimo nacional, envolvendo os laboratórios de Estado e laboratórios associados a nível nacional. Este programa deveria estar alinhado com o Plano de Ação Nacional para o Lixo Marinho e ter como objetivo identificar as zonas mais vulneráveis à acidificação, bem como medidas de mitigação a implementar. A divulgação dos resultados deveria envolver a população, dando a conhecer as medidas que se devem implementar para diminuir o impacto da acidificação do oceano no espaço marítimo nacional.

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