Água do rio Douro, de Gaia até às torneiras de Viseu. A sério?
No passado dia 27 de março, foi publicado um despacho do Ministro do Ambiente e da Ação Climática, Duarte Cordeiro, que veio reconhecer o interesse público do alargamento do sistema de água em alta do Grande Porto a nove municípios próximos de Viseu. Sistema concessionado à empresa Águas do Douro e Paiva (ADP), primeiro até 2021 e depois até 2036.
Como não vejo neste alargamento qualquer interesse e, pior, nele observo má engenharia civil e ambiental e má engenharia financeira – escondendo-se o custo aos que vão pagar -, não estaria bem com a minha consciência se não registasse, de alguma forma, as perplexidades que se colocam.
Para quem já não se lembra, em 2017 a Barragem de Fagilde abriu os noticiários nacionais apresentando-se como culpada pela falta de água às populações de Viseu e de outros concelhos próximos. Nesse ano, mobilizaram-se camiões-cisterna para o transporte de água de barragens vizinhas onde, aparentemente, a mesma seca não tinha chegado.
Desde então, e sem nunca terem sido tornadas públicas as causas de se ter verificado, naquela barragem e naquele ano especificamente, de forma tão aguda e anormal, tal escassez de água, foram sendo divulgadas um conjunto de iniciativas tendentes à resolução do problema.
A última dessas iniciativas prevê que se vá captar água no Douro e em Vila Nova de Gaia, a uma cota topográfica próxima do nível do mar, transportando-a por mais de 100 km de condutas com tal orografia que se devem vencer diferenças de cotas superiores a 1000m.
Evidentemente, estamos a falar de obras com custos elevadíssimos: de construção (de acordo com os elementos disponibilizados pela ADP, apesar de contar com 41 milhões de euros de fundos comunitários, este alargamento implica um aumento do seu endividamento em 100 milhões de euros) e de exploração (só o custo da energia para a bombagem ultrapassará o valor da tarifa em alta prevista pela ADP), que vão consumir recursos financeiros e energéticos que tanto escasseiam no setor.
Claro que o despacho de março já prevê o julgamento que, com certeza, alguma geração futura, verdadeiramente preocupada com as alterações climáticas, fará da ineficiência energética desta solução, pelo que estabelece a necessidade de somar ainda mais investimento, neste caso para produção renovável da enorme quantidade de energia que se consumirá. Medida mitigadora, que já começa a ser recorrente, sempre que se pretende justificar infraestruturas com péssima eficiência energética e que esquece que a regra da escassez dos recursos também se aplica aos painéis fotovoltaicos que, por esta via, deixarão de estar disponíveis para consumos energéticos verdadeiramente úteis.
Mas o que é mais impressionante é que esta solução seja decidida sem revelar que as populações do Grande Porto, atualmente abastecidas pela ADP, terão de suportar, futuramente, tarifas em alta 12% acima do atualmente previsto no contrato de concessão de 2017.
Tenho confiança no julgamento público de populações informadas, mas, estou certo, de que tarifas superiores em 12% para levar água por condutas de Gaia a Viseu, sejam difíceis de aceitar por qualquer senso comum.
Quanto à pergunta, mais do que legítima, “devem as populações da região de Viseu ter água na torneira?”, a única resposta é: claro que sim! O ponto é que, se essa pergunta só tem uma resposta, já a pergunta “vinda de onde?” tem múltiplas respostas e que passam, por exemplo, pela redução das perdas, por origens mais próximas existentes e concessionadas a outras empresas do mesmo grupo económico ou por obras hidráulicas que aproveitem os recursos hídricos existentes na região. Todas melhores do que levá-la a partir de Vila Nova de Gaia, em todos os aspetos menos, aparentemente, num - os utilizadores pagadores vão notar.
Aqui chegados, temo que o melhor que possamos esperar é que, depois de construídas todas estas condutas e estações elevatórias, as mesmas não sejam efetivamente utilizadas e se juntem aos elefantes brancos do setor.