Ainda os incêndios, mas o problema é a floresta

Ainda os incêndios, mas o problema é a floresta

A floresta portuguesa, na viragem do século XIX para o século XX ocupava apenas 18% do território nacional. Em 120 anos a área florestal em Portugal duplicou. Os grandes trabalhos de arborização em Portugal devem-se ao Plano de Povoamento Florestal, que vigorou entre 1938 e 1968, promovendo a florestação dos incultos a norte do Tejo e ao Fundo de Fomento Florestal de 1963, mais direcionado para os territórios a sul como resposta ao esgotamento dos solos após décadas de campanhas do trigo1. Estes dois planos permitiram arborizar cerca de 1.200.000 hectares.

Até aos anos 60, os incêndios não eram um problema, muito menos um tema nacional. Só no final dos anos 60 e início dos anos 70 é que a área ardida começa a ser significativa, coincidentemente com a maturidade dos novos povoamentos e das plantações industriais iniciadas uns anos antes. A corrida ao eucalipto, entre os anos 60 e 90, levou a outro incremento na florestação, chegando mesmo a utilizar-se terrenos onde a taxa de crescimento era claramente baixa, reflexo de um planeamento técnico desadequado e do aproveitamento de solos marginalizados.

Atualmente, quando consultamos a Carta de Uso e Ocupação do Solo produzida pela Direção Geral do Território2 verificamos que em Portugal continental a floresta tem uma larga predominância e que apesar dos incêndios e da pressão urbanística a sua área tem evoluído favoravelmente, sobretudo à custa da conversão de matos e de terrenos agrícolas. Quase 40% do território é florestal e mais 20% é ocupado por matos e superfícies agroflorestais. O 6.º Inventário Florestal Nacional3, produzido pelo Instituto da Conservação da Natureza e Florestas (ICNF), aponta para uma área florestal de 3,2 milhões de hectares, à qual, se acrescentarmos os espaços agroflorestais e os matos, temos uma ocupação de mais de metade do território nacional.

(...) temos uma floresta demasiadamente contínua, sem um planeamento adequado, com extensas áreas instaladas em baldios com a gestão florestal possível ou inexistente (...)

Só neste século, arderam no país, em média, mais de 100 mil hectares de floresta por ano, que corresponde aproximadamente a 800 mil a 1 milhão de toneladas de biomassa. Só para se ter uma ideia, este valor era suficiente para se alimentar uma central de biomassa de 100-120 MW e produzir mais de 500 GWh/ano de energia e isto durante mais de 25 anos!

Em conclusão, temos uma floresta demasiadamente contínua, sem um planeamento adequado, com extensas áreas instaladas em baldios com a gestão florestal possível  ou inexistente, em zonas de minifúndio com proprietários naturalmente absentistas face à fraca rentabilidade dos terrenos e ao afastamento geracional com os mesmos e dominada por monoculturas.

Haverá certamente outras razões para os incêndios rurais, mas enquanto não encararmos seriamente o ordenamento do nosso território estamos a nadar contra a corrente.


1Maria Carlos Radich e A. A. Monteiro Alves, Dois Séculos da Floresta em Portugal, Lisboa.

2A Carta de Uso e Ocupação do Solo (COS) de 2018, disponibilizada pela Direção-Geral do Território e publicada em 2021, é uma representação detalhada da ocupação do solo em Portugal continental e é elaborada com base em imagens de satélite e outras fontes, permitindo uma visão clara da distribuição e uso dos diferentes tipos de solo, como áreas agrícolas, florestas, zonas urbanas, e outros tipos de ocupação.

3O último Inventário Florestal Nacional é de 2015, estando em preparação o início dos trabalhos no terreno para o 7.º Inventário.

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