
Armazenamento energético - bombagens puras
Quando da elaboração do Programa Nacional de Barragens de Elevado Potencial Hidroelétrico (PNBEPH), que tive o privilégio de coordenar, Portugal era um dos países da União Europeia com maior potencial hídrico por explorar (54%) e com umas das mais elevadas dependências energéticas do exterior.
O Programa Nacional de Barragens de Elevado Potencial Hidroelétrico (PNBEPH) incluiu uma Avaliação Ambiental Estratégica e, de entre os 10 melhores locais com potencial energético, 7 não foram considerados elegíveis, fundamentalmente, e bem, por razões ambientais. (Aproveitamentos de Pêro Martins, Sampaio, Rebordelo, Castro de Aire, Alvarenga, e Asse Dasse — e o aproveitamento de Padroselos, mesmo depois de adjudicado à Iberdrola, foi excluído por ter sido identificado no EIA uma espécie protegida de bivalves.) Neste quadro de limitações, e para cumprir os objetivos da diminuição da dependência energética, priorizou-se no PNBEPH a bombagem das novas centrais e dos reforços das existentes, o que permitiu a entrada em funcionamento, nos últimos 10 anos, de aproveitamentos com bombagem reversível (Alqueva II, Baixo Sabor, Ribeiradio, Venda Nova III, Salamonde II, Foz Tua e, quando entrarem em exploração, as centrais de Gouvães e Daivões), podendo brevemente Portugal contar com 4,2 GW de capacidade instalada de bombagem, reforçando substancialmente o Sistema Elétrico Nacional e a segurança do abastecimento. O PNBEPH preconizava, ainda, a necessidade de se estudar e aprofundar a viabilidade de “bombagens puras”, que se distinguem das restantes bombagens reversíveis anteriormente referidas pelo facto de os reservatórios estarem fora da linha de água (também há um misto, reservatório/albufeira) e, por isso, não dependerem dos caudais afluentes de um rio. A dimensão depende das necessidades de potência, sendo, em muitos casos, instalações com mais de 400 MW e com grandes quedas. Operadores privados apresentaram então ao Ministério do Ambiente, CCDR e REN projetos de Bombagem Pura (Carvão-Ribeira, em Tabuaço; Senradelas-Avelar, em Marco de Canavezes; Lameiro Longo, Oliveira de Frades; Adgiraldo-Rochas de Baixo, Castelo Branco; Prado-Fraga da Joana, Vila Flor; Touça-Chã, Meda) que totalizavam uma potência instalada de 2265 MW e um investimento privado de 1,270 Milhões de Euros. Estes projetos, com baixos impactos ambientais nomeadamente ao nível das obras (armazenamentos de 2 a 6 hm3, centrais subterrâneas e circuitos enterrados, e áreas inundadas reduzidas, entre 0,2 e 0,6 Km2), não tiveram desenvolvimento, com exceção de Carvão-Ribeira. Este foi atribuído por concurso à EDP, que pagou 20 milhões de euros, mas acabou por não o construir, defendendo que, antes de o Estado adjudicar os restantes, primeiramente o Governo promovesse um estudo de âmbito ibérico, de forma a esclarecer qual o nível “ótimo” de penetração de grupos hidroelétricos reversíveis, nomeadamente os que tinham características de bombagem pura. Considerava-se que estas centrais estavam dependentes da capacidade de trânsito nas redes de transporte e da capacidade de interligação com Espanha. Considero que hoje o contexto é bem diferente, e a transição energética e a tendência europeia para a sua independência energética (devido à guerra da Ucrânia) coloca em cima da mesa a necessidade de muito rapidamente se estudar e aprofundar as questões do armazenamento, em linha com o relatório do parlamento Europeu de 2020 e agora do Repower Europe. No Pacto Ecológico Europeu, a UE comprometeu-se a descarbonizar a economia europeia e tornar-se neutra até 2050 e em todos os cenários. O pressuposto é que a descarbonização seja alcançada principalmente através da eletrificação dos maiores setores (energia, transportes, aquecimento e arrefecimento), o que conduzirá a um aumento maciço da procura de eletricidade que, segundo a CE, duplicará até 2050. A quota de energias renováveis aumentará também em mais de 50% em 2030 e em mais de 80% em 2050, o que conduzirá a um aumento da capacidade de armazenamento, para garantir a segurança do abastecimento.
Portugal, ao contrário de vários países da Europa, não tem centrais de “bombagem pura” (estão em conclusão neste momento em Espanha – La Muela II e na Alemanha – Goldisthal) e não tem planeados projetos de armazenamento hidroelétrico. A empresa portuguesa COBA está atualmente a projetar centrais de “bombagem pura” de grande potência em Marrocos e Espanha e uma mais pequena em Cabo Verde, pois estas têm muito mais flexibilidade para a sua localização, podendo ser localizadas em locais áridos e em locais estratégicos, do ponto de vista do equilíbrio da rede de transmissão de energia.
Especialistas consideram que, até 2035- 2040, Portugal precisará de cerca de mais 2 a 3GW de bombagem hidroelétrica de grande volume, e também por isso julgo que seria extremamente urgente promover um programa nacional de armazenamento hídrico, com uma abordagem que enquadrasse não só a componente energética, mas outras necessidades de fins múltiplos, nomeadamente:
1 - Concursar armazenamentos convencionais e já previstos no PNBEPH, sem contingências de natureza ambiental ou social (Pinhosão, Girabolhos e Alvito- Ocreza);
2 - Concursar aproveitamentos em fim de concessão com novos investimentos (Cabril e Belver);
3 - Equacionar eventuais aumentos de capacidade (Meimoa, Pedrogão, Alvito – Sado, Lucefecit);
4- Concursar os projetos de Bombagem Pura já apresentados (incluindo novamente Carvão Ribeira) e identificar outros locais com potencialidades. Para esta última tipologia, poderia ser interessante um programa específico nas Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira.
Os projetos a concretizar, depois da avaliação ambiental, deveriam ter procedimentos concursais públicos internacionais (com metodologia semelhante ao PNBEPH), a serem concessionados e executados com financiamentos privados, sem prejuízo de nos projetos de fins múltiplos a repartição do investimento ser comparticipada em proporção pelos beneficiários das mais-valias criadas. Para os projetos estratégicos para a segurança do abastecimento energético, equacionar atribuição de garantia de potência ou, dito de forma diferente, como foi feito para outros empreendimentos, atribuir incentivos ao investimento.