
As perdas de água e o XXV Governo
E eis que, após uma década e cinco governos constitucionais, uma meta quantificada de redução das perdas de água volta a constar num programa do Governo de Portugal. “Reduzir o volume de perdas reais de água nos sistemas em baixa para valores inferiores a 100 litros/(ramal.dia)” é a meta, sendo as medidas apontadas para a atingir: a estratégia “Água que une” e a reabilitação de redes no Algarve.
Sendo sempre positivo haver compromissos quantificados, a escolha do indicador de perdas reais — muito técnico, pouco percetível fora do setor e limitado no âmbito — mostra a definição e assunção de prioridades. Pode-se sempre criticar qualquer escolha lamentando o que se exclui (no caso: a água roubada, a não medida e a oferecida), mas o que parece factual é que o ato de escolher permite concentrar esforços e, por essa via, aumentar a eficácia. Considerando assim que, por uma questão de economia de meios, se aceita a prioridade dada às perdas reais, analisemos então a meta agora estabelecida e as medidas subjacentes.
De acordo com o último relatório anual da ERSAR, com dados de 2023, o valor de perdas reais por ramal e por dia, em Portugal continental, é de 123 litros. Com valores a variar entre os 18 litros da Indaqua Santo Tirso/Trofa e os 1209 litros da Infratróia, existem 77 entidades a cumprir a nova meta de 100 litros e 129 entidades que encontram aqui um desafio.
Numa análise geográfica, não deixa de ser surpreendente que os piores desempenhos estejam localizados na área Metropolitana de Lisboa e no Baixo Alentejo, e que os melhores, por sua vez, se encontrem na área Metropolitana do Porto e na região do Cávado. Este facto é surpreendente porque as entidades mais eficientes se encontram na zona com menor escassez hídrica (o litoral Norte) e porque as áreas metropolitanas, supostamente mais capacitadas, são capazes do melhor e do pior.
Fonte: RASARP 2024 (com dados de 2023)
De salientar que o Algarve, região destacada nas medidas previstas no programa do Governo, embora com melhor desempenho do que a referida área Metropolitana de Lisboa e a região Baixo Alentejo, apresenta, de facto, um desempenho médio mau (à luz dos critérios da ERSAR), com um nível de perdas reais de 165 litros.
Já numa análise por modelo de gestão, é possível observar que as entidades com participação de capital privado são aquelas que não só apresentam, em média, melhor desempenho, como também se destacam, ocupando oito posições nos 10 melhores resultados no âmbito nacional. De salientar ainda o desempenho das Câmaras Municipais de Évora e São João da Pesqueira, que ocupam as restantes duas posições deste conjunto tão exclusivo que consegue perdas reais inferiores a 32 litros.
Com os dados agora apresentados, a meta dos 100 litros por ramal e por dia, comparada com o desempenho dos melhores, não deixa de parecer pouco ambiciosa, assim como as medidas preconizadas no programa do Governo (...)
Com os dados agora apresentados, a meta dos 100 litros por ramal e por dia, comparada com o desempenho dos melhores, não deixa de parecer pouco ambiciosa, assim como as medidas preconizadas no programa do Governo, que parecem desaproveitar as competências dos campeões nacionais, com níveis de desempenho de referência mundial.