As renováveis e a biodiversidade. Que desafios, como atuar?

As renováveis e a biodiversidade. Que desafios, como atuar?

11.º FÓRUM ENERGIA

Oradores: Humberto Rosa, Diretor para a Biodiversidade da Direção-Geral do Ambiente da Comissão Europeia; Cristina Branquinho, Professora na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa; Ana Rita Antunes, Coordenadora Executiva da COOPERNICO. 

Moderadora: Filipa Vala, Assessora no Centro de Competências de Planeamento, de Políticas e de Prospetiva da Administração Pública - PlanAPP.

 

As renováveis e a biodiversidade. Que desafios, como atuar?

Reconhecendo o papel fundamental da biodiversidade no combate às alterações climáticas, o Painel XI do Fórum Energia 2023 visou identificar os desafios ambientais que a transição energética e, em particular, os sistemas de produção de energia renovável, acarretam, bem como apontar linhas de ação que mitiguem ou previnam estes impactos. Para cumprir estes objetivos de discussão do painel, foi necessário explorar as dimensões que os estudos de impacto ambiental devem cobrir, os timings em que as avaliações e monitorização devem ocorrer e os parceiros que devem ser envolvidos. Participaram no painel a Eng.ª Ana Rita Antunes, Coordenadora Executiva da COOPERNICO, uma cooperativa de desenvolvimento sustentável, com foco na energia renovável; a Prof. Cristina Branquinho, Ecóloga, Professora Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa com foco no estudo do impacto das alterações ambientais nos ecossistemas, que tem dedicado particular atenção às alterações ambientais introduzidas pela ação humana; e o Doutor Humberto Rosa, Biólogo, Diretor para a Biodiversidade da Direção-Geral do Ambiente da Comissão Europeia, cujo trabalho, incidindo nas políticas de ambiente, tem tido por objeto principal a proteção de biodiversidade face às alterações climáticas.

A primeira ideia apoiada pelos três membros do painel, é que não há um conflito intrínseco entre produção de energia renovável e biodiversidade. Nas situações em que esse conflito não pode ser evitado, os impactos podem ser mitigados. Nalguns casos, e para algumas espécies, a instalação de produção renovável centralizada, se bem planeada, pode até ser positiva para a conservação – por  exemplo, na gestão de solos degradados devido a exploração mineira ou sobre exploração agrícola. Nessas áreas a instalação de fotovoltaico pode ser associado a programas de regeneração do solo. Em áreas como o Alentejo, a vegetação associada a sombreamento por fotovoltaico pode também ser útil como reserva de alimento para fauna no Verão, quando a vegetação escasseia. Também boas-práticas a nível europeu indicam o potencial das zonas de transporte de energia como refúgios de biodiversidade, funcionando como “corredores ecológicos”. Em Portugal, esta proposta exigiria alterar a lei que, procurando gerir risco de incêndio, obriga à limpeza destas áreas. Foi salientada, ainda, a importância de envolvimento das populações no planeamento: procurando formas de informar que permitam distinguir factos de mitos; mas sobretudo, de envolver, dando a possibilidade de participar na decisão, incluindo na definição de programas de ação para a biodiversidade (biodiversity action plans).

Outra conclusão principal foi que o contexto territorial é importante. Na instalação de centrais produtoras, ou de outras infraestruturas para armazenamento ou transporte de energia, há efeitos cumulativos e de contexto (por exemplo, número de outros projetos, as suas áreas e tipos) que tendem a ser ignorados. Uma central produtora pode não ter impacto significativo, mas vários projetos da mesma natureza, acumularão efeitos, passando, no conjunto, a ter impactos potencialmente muito significativos que devem ser avaliados. Por outro lado, deve atender-se não apenas ao grau (vários projetos com o mesmo tipo de impacto) mas também ao tipo (o efeito conjunto de projetos com impactos diferentes). Este aspeto veio reforçar a ideia da importância de escolher bem os locais para implantação de infraestruturas. Neste âmbito, foi mencionado que a simplificação dos procedimentos para avaliação de impacte ambiental fora de áreas sensíveis (Decreto-Lei n.º 30-A/2022, de 18 de abril) agravou o risco de impacto ambiental de projetos associados à transição energética. Não serão tidos em conta potenciais efeitos cumulativos e de contexto quando se deixa a cargo da entidade licenciadora apenas a possibilidade de considerações parciais (o potencial impacto ambiental significativo do projeto) e não do conjunto. Foi ainda salientada a importância da monitorização após a instalação, pedindo acumular conhecimento sobre o impacto para eventuais revisões futuras dos diplomas relevantes. Esta monitorização pode ainda ser mais uma mais valia económica, permitindo às empresas valorizar a biodiversidade que possa existir associada aos seus projetos. ​​​​​​​

Salientou-se ser essencial mobilizar estratégias de produção complementares. Apesar da produção centralizada ser necessária do ponto de vista da concretização da transição energética, não se deve descurar o potencial das alternativas existentes, sobretudo quando há evidências muito concretas de outros países do seu potencial. A exploração descentralizada tem um impacto ambiental, por norma, muito redúzios por se localizar em zonas já urbanizadas e artificializadas. Esta alternativa tem também a vantagem de envolver os cidadãos de forma direta na transição. A adaptação de experiências europeias ((Países Baixos, Espanha, Itália, Alemanha) para o contexto nacional obrigaria a rever a associação que Portugal faz entre produção descentralizada e autoconsumo (Decreto-Lei n.º 15/2022, de 14 de janeiro) para permitir aos produtores rentabilizar o excedente que geram. Se adotadas, além do efeito mitigador de impacto ambiental, minimizar-se-ia também o impacto ambiental que as soluções de armazenamento acarretam: poder injetar excedente na rede “trocando” por consumo mais tarde, dispensaria os pequenos produtores/consumidores da instalação de baterias, mitigando os impactos ambientais associados a esta tecnologias. Finalmente, salientou-se a possibilidades, muito pouco discutida, do eólico descentralizado, não obstante a questão do ruído (que poderia vir a ser alvo de regulação horária, como acontece com outras atividades).

No debate final, reforçou-se a necessidade, reconhecida como absolutamente crítica, de se planear uma estratégia integrada para poder concretizar uma transição energética que sirva todos e responda aos desafios de mitigação dos impactos ambientais. Esta necessidade foi ilustrada com uma intervenção do público que relatou a necessidade de acautelar “reações em cadeia”: em resposta aos estímulos, o investimento em fotovoltaico centralizado substituiu produções de eucalipto; em consequência, o setor das celuloses pede novas áreas para a exploração de eucalipto. Este tipo de dinâmicas, no seu conjunto, pode estar a representar um acréscimo de desflorestação – o que não é um objetivo nem da transição energética, nem do combate às alterações climáticas (pelo contrário). A necessidade de monitorização e de planeamento integrado voltou, assim, a ser sublinhada.

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