
Circularidade, responsabilidade e reciclabilidade
O trabalho de monitorização da Agência Europeia do Ambiente (AEA) permitiu concluir que a pegada material total da União Europeia (UE) está muito acima da média global e excede o chamado “espaço operacional seguro” do planeta. O crescimento da economia física da UE tem levado a uma extração adicional de materiais virgens, a uma maior utilização de energia e a mais emissões de carbono.
Altos níveis contínuos de consumo e geração de resíduos são realidades que tornam imperativo o objetivo de um maior nível de circularidade.
A oferta existe e está cada vez mais acessível, mesmo aos níveis sociais mais baixos, embora sacrificando a qualidade e durabilidade. Em todos os níveis, porém, há um problema comum: os materiais de base, ou mesmo os produtos, são extraídos ou fabricados em locais onde é muito difícil aferir o nível de circularidade e cumprimento dos requisitos mínimos de respeito pelo meio ambiente, onde nenhum ou quase nenhum controlo existe sobre emissões de carbono.
Continuamos, de uma forma geral, a ser consumistas — a consumir de forma irracional, pouco responsável, e pouco atentos a critérios de qualidade e durabilidade. Há quem diga que precisamos de uma mudança de mindset, que é como quem diz, alterar a nossas prioridades e hábitos. Como o fazer? Educar, responsabilizar e motivar, no mínimo. Incluir mais conteúdos, realistas e fundamentados, nos currículos escolares, desde os primeiros níveis de educação até ao nível superior, responsabilizar quem consome e não apenas quem produz, e motivar com benefícios financeiros ou compensatórios quem consuma de forma mais sustentável. Só a conjugação destes três vetores pode ser eficaz.
Continuamos, de uma forma geral (...) a consumir de forma irracional, pouco responsável, e pouco atentos a critérios de qualidade e durabilidade
No fim de vida dos produtos, não os gerimos como devíamos. As causas são variadas: novamente, os comportamentos das pessoas, mesmo as mais instruídas, as ineficiências dos operadores dos sistemas de gestão e a falta de controlo dos mesmos, as dificuldades criadas pela falta de informação subjacente aos produtos importados, informações essas que são essenciais para reciclagem. Continua a verificar-se o desperdício de resíduos ou produtos rejeitados, chegando a ser rentável exportar roupa usada ou rejeitada, que acaba em depósitos em países como o Chile, a Índia ou o Gana. Todos sabem que não é possível ultrapassar situações como esta condicionando apenas os operadores da indústria têxtil, mas esse é obviamente o foco mais fácil para o legislador.
Não reciclamos suficiente. As causas são diversas. Obviamente, precisamos de melhorar os níveis de recolha diferenciada para aumentar as frações passíveis de reciclagem com o mínimo de contaminantes que obrigam ao desperdício. Isso implica sensibilização e melhoria efetiva nos sistemas de recolha, como recolha porta a porta, sistemas PAYT e ainda tecnologias de triagem mais eficientes, para conseguir canalizar materiais recicláveis para novos produtos que também tenham, por sua vez, um elevado potencial de reciclagem.
Ao mesmo tempo, precisamos de maior informação e controlo sobre aquilo que importamos, incluindo as aquisições realizadas por particulares, cada vez mais significativas. Neste último caso, é preciso responsabilizar quem viabiliza a entrada, ou seja, as plataformas de comércio online, o que poderá exigir o envolvimento dos operadores de logística.
Relativamente à composição do produto, por forma a que seja durável, reparável e reciclável, podemos melhorar o nível de ecodesign do que é produzido na Europa e incentivar a utilização de matérias-primas recicladas, que normalmente são escassas e mais caras do que as matérias-primas virgens.
É sobretudo na inovação dos produtos que os fabricantes podem atuar, mas deparam-se com barreiras como o custo das matérias-primas recicladas, barreiras administrativas e burocráticas para reincorporação de resíduos, a necessidade de grandes investimentos na modernização de equipamentos e processos e a falta de aceitação pelo mercado. Se o mercado não responder de forma favorável, nenhum investimento valerá a pena. Por sua vez, a resposta do mercado depende não apenas do nível de sensibilização dos consumidores, mas também do seu poder de compra.
É sobretudo na inovação dos produtos que os fabricantes podem atuar
Por tudo isto, para um melhor equilíbrio entre preocupações ambientais, sociais e de competitividade em benefício da sustentabilidade da atividade económica, as empresas, sobretudo as mais pequenas, precisam de apoios e incentivos.
Felizmente, a AEA também concluiu que as empresas e os consumidores estão a mostrar sinais precoces de adoção de novos modelos de negócio e padrões de consumo. No entanto, a eficácia dos esforços em curso permanece incerta, em parte devido à escassez de dados de monitorização. A observação e a medição do progresso em direção à circularidade são essenciais para definir o nível de ambição, rever a implementação das políticas e orientar ações futuras.
A CIP tem alertado para este problema e já desafiou o Ministério do Ambiente e Energia para a criação de um observatório de Circularidade participado por todas as partes interessadas.