COP29: financiamento não acompanha as necessidades globais

COP29: financiamento não acompanha as necessidades globais

A 29.ª Conferência das Partes (COP29), realizada em Bacu, Azerbaijão, terminou envolta em controvérsias e descontentamento. Embora seja um pilar do multilateralismo climático, a conferência novamente falhou em corresponder às expetativas globais. Num momento em que os efeitos das alterações climáticas se intensificam - com cheias em Espanha, secas severas e incêndios devastadores em Portugal - a falta de avanços concretos no financiamento e mitigação climática revela um preocupante desfasamento entre as decisões políticas e a urgência científica.

O principal ponto de discussão foi o novo compromisso de financiamento climático. Apesar de representar um avanço no papel, o teto proposto de 300 mil milhões de dólares anuais de financiamento público até 2035 está muito abaixo do necessário para responder às necessidades dos países mais vulneráveis, como os estados pequenas ilhas e os países menos desenvolvidos. Vários estudos e os próprios países em desenvolvimento apontavam que o financiamento público deveria alcançar 1,3 biliões de dólares anuais. Além disso, a inflação inevitavelmente reduzirá o impacto real deste montante ao longo dos anos.

Outro problema foi a quebra de consenso na aprovação do acordo, uma prática que fragiliza a confiança nos processos de decisão multilaterais.

Combustíveis fósseis: uma influência constante

A COP29 ficou marcada pela presença persistente dos interesses dos combustíveis fósseis. A Arábia Saudita e outros países ricos em petróleo exerceram uma pressão significativa para proteger os seus lucros, enfraquecendo compromissos previamente assumidos, como a eliminação gradual destes combustíveis. Além disso, grandes economias, como os Estados Unidos, mostraram-se relutantes em fornecer os recursos financeiros necessários para a transição energética nos países de menores rendimentos.

Essa postura negligente reflete um fracasso coletivo na promoção da justiça climática. Os países historicamente responsáveis pela maioria das emissões de gases com efeito de estufa - como Estados Unidos e União Europeia - têm uma dívida histórica para com as nações mais vulneráveis, mas continuam a evitar assumir plenamente suas responsabilidades. Por outro lado, a pressão para que economias emergentes como a China e a Arábia Saudita contribuam financeiramente tem aumentado, considerando as suas emissões globais e/ou por habitante atuais e a capacidade económica para agir.

Portugal: entre avanços e desafios

Portugal destacou-se na COP29 por iniciativas inovadoras, como a conversão de dívida de países como Cabo Verde e São Tomé e Príncipe em ação climática. Ainda assim, a contribuição portuguesa anual, de cerca de 9 milhões de euros, é simbolicamente pequena face às necessidades globais, que ultrapassam os biliões de dólares. É assim previso um aumento exponencial dessa contribuição, alinhado às responsabilidades históricas de Portugal e à necessidade de liderar pelo exemplo.

Internamente, Portugal enfrenta desafios consideráveis no cumprimento das suas metas climáticas, principalmente no setor dos transportes rodoviários, responsável por uma grande parcela das emissões. Além disso, a resiliência das florestas portuguesas é uma prioridade urgente, dada a crescente frequência de incêndios florestais de grande escala, exacerbados pelas alterações climáticas.

A falta de avanços concretos no financiamento e mitigação climática revela um preocupante desfasamento entre as decisões políticas e a urgência científica

Decisões insuficientes em mitigação e adaptação

A COP29 também falhou em apontar metas concretas e ambiciosas para a mitigação, especialmente no que diz respeito à redução global de emissões de gases com efeito de estufa através das Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDC), que todos os países devem apresentar até fevereiro de 2025 de modo a nos aproximarmos de um aquecimento global que não vá além de 1,5 °C.

Já o documento sobre o Objetivo Global de Adaptação trouxe avanços ao apontar o final do processo em 2025 para estabelecer indicadores de progresso em adaptação climática.

A COP como modelo: o que precisa mudar

Embora o modelo das COP seja alvo de críticas frequentes, não há uma alternativa viável para um problema de escala global como as alterações climáticas. No entanto, mudanças são necessárias. É imperativo garantir que estas conferências ocorram em locais que respeitem o direito à manifestação e onde interesses corporativos, especialmente dos combustíveis fósseis, não dominem os debates. A COP30, que será realizada no Brasil, oferece uma oportunidade para iniciar um diferente formato e dar verdadeiramente prioridade aos interesses climáticos globais.

Uma década decisiva

Apesar do sentimento de frustração em relação aos resultados da COP29, o caminho para um futuro sustentável não pode ser abandonado. A ciência é clara: esta é a década decisiva para conter o aquecimento global e evitar cenários catastróficos. Os líderes globais precisam ir além do acordo tímido alcançado em Bacu e mobilizar recursos financeiros e políticos para implementar soluções ambiciosas. É essencial investir no futuro coletivo, colocando a ciência e a justiça climática no centro das decisões.

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