
De novo a escassez da água
Tudo leva a crer que o presente ano hidrológico fique aquém dos valores médios de precipitação no país, implicando necessariamente a redução dos escoamentos de água nos rios. Fala-se em seca, mas também em escassez de água. Ou seja, na falta de recursos hídricos para satisfazer as várias necessidades de água, a começar pelo abastecimento doméstico.
Em boa hora veio o ministro do Ambiente, João Pedro Matos Fernandes, anunciar que as barragens de Alto Lindoso/Touvedo, no Lima, Alto Rabagão, no Cávado, Vilar/Tabuaço, no Tábua, afluente do Douro, Cabril e Castelo de Bode, no Zêzere, que são usadas para a produção de electricidade, terão quotas mínimas de utilização, destinadas a garantir o abastecimento de água para consumo humano durante dois anos. No que diz respeito à rega, foi determinado que não será possível tirar água para rega a partir da albufeira da barragem da Bravura, no barlavento algarvio. Face às circunstâncias, pareceu-me uma decisão prudente e acertada. Mas se esta decisão não tivesse sido tomada, será que se continuariam a extrair os volumes de água para produção hidroeléctrica e para rega nessas mesmas albufeiras? Ou seja, não haveria regras de exploração daquelas barragens que fossem exactamente no sentido da decisão tomada agora ao mais alto nível? Fica a sensação que não. Ou, se havia essas regras, estar-se-ia a extrair mais água do que se deveria? Não quero sequer admitir uma hipótese destas. Mas também não me parece verosímil que, existindo essas regras, elas não sejam suficientemente detalhadas para que não contemplem as situações de anos secos, que aliás não são tão pouco frequentes no país. A verdade é que me impressiona, por exemplo no caso da barragem do Alto Lindoso, o facto de há um ano a barragem ter descarregado e passados 12 meses o nível de água na albufeira ter descido mais de 40 metros, atingindo níveis nunca antes verificados.
Muitos dos aproveitamentos hidráulicos já são, ou tendem a ser, cada vez mais, de fins múltiplos. No caso das entidades gestoras de sistemas de abastecimento de água, públicas ou privadas, existem contratos de concessão que são do conhecimento público. Não deveriam os contratos de concessão dos aproveitamentos hidroeléctricos, bem como, de um modo geral, as regras de licenciamento das diversas utilizações do domínio hídrico, ser do conhecimento público? Mais a mais, quando a partir desses empreendimentos se extrai água para o abastecimento doméstico que, por lei, é prioritário.