Deposição em aterro – Autossuficiência está em causa

Deposição em aterro – Autossuficiência está em causa

Convidado a refletir sobre as prioridades, desafios e oportunidades na área da gestão dos resíduos sólidos no próximo ciclo político, infelizmente a questão mais urgente que identifico está relacionada com a opção menos desejada para a gestão dos mesmos, isto é, a deposição em aterro.

De facto, de acordo com a avaliação da ERSAR, ao atual ritmo de deposição de resíduos em aterro, a capacidade nacional de deposição de resíduos não perigosos de origem municipal estará esgotada num prazo de 2 anos. Este prazo poderá ser estendido por 2 anos, ou seja, assegurar 4 anos de capacidade, caso a recolha seletiva de biorresíduos arranque de forma exponencial, o que não parece haver indícios que venha a acontecer.

No caso de resíduos não perigosos produzidos por Grandes Produtores de urbanos (>1100 litros por dia) e por produtores de resíduos não urbanos, verifica-se uma redução sistemática da capacidade de deposição em aterro, por força da incapacidade de assegurar o licenciamento de novas infraestruturas, sendo que, a breve prazo, apenas na região de Lisboa existirão instalações com capacidade bastante limitada.

 

“Julgo urgente e necessário efetuar um Plano de Emergência para assegurar autossuficiência na capacidade de deposição em aterro de resíduos não perigosos”

Neste contexto, julgo urgente e necessário efetuar um Plano de Emergência para assegurar autossuficiência na capacidade de deposição em aterro de resíduos não perigosos, que deverá ser acompanhada com aumento significativo do fator multiplicativo a afetar à TGR por cada tonelada de resíduos depositados em aterro — operação de eliminação D 1, atualmente fixada em 100%, sobre um valor previsto de 35€, que poderá passar para 150% ou 200%.

Para concretizar o aumento da capacidade de deposição, deverão ser identificados os constrangimentos de licenciamento que estão neste momento a dificultar este processo, nomeadamente procurando restringir as formas diferenciais como as Autoridades Regionais de Resíduos (CCDR) interpretam o respetivo procedimento, podendo justificar-se que, no âmbito deste plano de emergência, o licenciamento seja assumido pela Autoridade Nacional dos Resíduos, no caso, a APA.

No domínio dos resíduos no âmbito reserva de serviço público dos sistemas municipais ou multimunicipais, nos termos do disposto na Lei n.º 88-A/97, de 25 de julho, poderia ser equacionado, à semelhança da iniciativa recentemente aprovada para os projetos elétricos estratégicos, que fosse legislado um mecanismo de compensação aos municípios para mitigar os impactos negativos gerados por projetos de gestão de resíduos, incluindo aterros sanitários, que sejam geradores de significativas externalidades locais negativas, de modo a compensar as populações diretamente afetadas pelo seu funcionamento.

Esta ação de emergência, não sendo “politicamente correta”, será essencial para evitar o descalabro decorrente da gestão de uma situação em que o País se veja perante a incapacidade generalizada de assegurar o Princípio da Proximidade, ou seja, a incapacidade de tratar no seu território todos os resíduos que são gerados em Portugal.

Paralelamente, e num momento em que é esperada a curto prazo a apreciação dos PAPERSU dos diferentes agentes envolvidos na concretização do PERSU2030, poderia ser importante refletir sobre o desenho global do setor dos resíduos sólidos, buscando identificar os constrangimentos que têm condicionado os resultados do setor, e procurar assegurar a implementação de políticas e medidas que os possam minimizar.

Neste contexto, poderia ser oportuno refletir sobre as fronteiras de intervenção dos SGRU, analisar eventuais oportunidades de agregação dos mesmos, no domínio da dita “Alta”, mas também na dita “Baixa”, bem como os métodos mais adequados para divisão de objetivos entre agentes, a respetiva forma de regulação económica e a uniformização do papel regulador da ERSAR, além das formas como se irá assegurar a sustentabilidade económica e financeira neste novo paradigma pré-2030.

Igualmente no domínio dos sistemas de Responsabilidade Alargada do Produtor, seria prudente refletir sobre as suas limitações, procurando assegurar que no início de um novo ciclo de licenças fosse assegurada a resolução dos bloqueios que condicionaram a potenciação dos resultados destes sistemas.

Neste contexto, deverá recordar-se que as funções da CAGER estão limitadas a um mecanismo de alocação e cálculo das quotas de mercado, porque foi este o princípio que levou à sua constituição. O setor tem-se ressentido da ausência de uma regulação forte e com poderes acrescidos, que possa ser um verdadeiro promotor da eficiência e justiça no sistema. O mesmo não acontece na Áustria, onde o papel da clearing house foi determinante para o desenvolvimento da concorrência.

A concorrência implica que as Entidades Gestoras estejam impedidas de cooperar, ainda que exista uma extrema necessidade neste setor em particular de alguma articulação dos diferentes agentes. Esta limitação poderá ser ultrapassada com a criação de uma clearing house com uma equipa independente, financiada pelas Entidades Gestoras e que garanta todas as funções centrais dos RAP.

Por fim, considero que existirá uma enorme oportunidade associada à promoção de práticas de reciclagem “up-cycling” na fileira têxtil, isto é, a produção de fio a partir de fibras pós-consumo, que será inevitável à escala europeia com a prevista criação de sistemas de RAP para este tipo de produtos a curto prazo.

Neste domínio, mais do que centralizar escolhas em “campeões” nacionais, seria muito oportuno criar sistemas e políticas que incentivassem a indústria portuguesa a focar-se neste objetivo, aproveitando o enorme conhecimento setorial e até muitas infraestruturas que provavelmente hoje se encontram numa situação de ociosidade ou mesmo obsolescência e trazê-las para a liderança europeia neste domínio.

Topo
Este site utiliza cookies da Google para disponibilizar os respetivos serviços e para analisar o tráfego. O seu endereço IP e agente do utilizador são partilhados com a Google, bem como o desempenho e a métrica de segurança, para assegurar a qualidade do serviço, gerar as estatísticas de utilização e detetar e resolver abusos de endereço.